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Copa do Mundo Feminina - 2019

Liberdade ou terror? Como França recebe Copa feminina após atentados

Soldados da operação Sentinelle patrulham a região da Torre Eiffel, em Paris - Ludovic Marin/AFP
Soldados da operação Sentinelle patrulham a região da Torre Eiffel, em Paris Imagem: Ludovic Marin/AFP

Ana Carolina Silva

Do UOL, em Paris (França)

26/06/2019 04h00

Os atentados ocorridos em Paris, Nice e outras regiões da França ao longo da última década tinham gravidade e tamanho para mudar para sempre a vida da população envolvida. Porém, em 2019, o país é sede da Copa do Mundo feminina e mostra para o planeta a realidade de uma nação que não se tornou paranoica e não tem se encolhido com medo do terrorismo.

O torneio é exemplo disso. Como é de praxe em competições da Fifa, as equipes de segurança revistam torcedores e profissionais de imprensa na entrada dos estádios e treinos de seleções. Mas, ao contrário do que ocorreu na Copa da Rússia no ano passado, quando os pertences de todos eram submetidos a máquinas de raio-X, desta vez o procedimento é superficial.

A reportagem tem notado que muitos guardas se contentam em abrir e analisar rapidamente dois bolsos em mochilas com cinco ou mais zíperes. No máximo, eles confiscam bandeiras de torcedores e guarda-chuvas de jornalistas - em alguns casos, quando havia risco de chuva durante um treino da seleção brasileira, os fiscais fizeram vista grossa e disseram que abririam uma exceção.

Curiosamente, esta realidade contrasta com o que o UOL Esporte viveu nos primeiros dias em solo francês. Após desembarcar de seu voo em Paris, a reportagem circulou pela cidade à espera do trem para Grenoble, onde o Brasil estrearia contra a Jamaica. Ao entrar em uma loja de departamentos na avenida Champs-Élysées, teve de entregar a mochila para que um segurança a revistasse.

A bolsa levava equipamentos de trabalho e era volumosa, de modo que levantou algum nível de desconfiança, e foi entregue de prontidão. Isto fez com que o guarda suavizasse a própria expressão. Mesmo assim, ele só permitiu a entrada após verificar que ali havia um computador, uma carteira, documentos e uma peça de roupa dobrada.

Grenoble foi palco do exemplo mais concreto de pânico antiterrorista testemunhado pelo UOL Esporte nos últimos 20 dias de cobertura. Logo no primeiro dia, um motorista da "Uber" se irritou ao ver que a reportagem havia entrado no carro com a mochila ainda nas costas. "Você precisa tirar a mochila dos ombros antes de entrar no meu veículo", bradou, em francês e inglês.

Ele ouviu um assustado pedido de perdão, deu sequência à corrida e mostrou pequeno remorso quando ambos chegaram ao destino em segurança. Depois de notar a credencial de jornalista emitida pela Fifa, o profissional se despediu e foi simpático pela primeira vez.

Entretanto, não se desculpou: ficou claro que ele acreditava que ser firme em situações como aquela poderia salvá-lo de um eventual atentado. Portanto, era melhor pecar pela grosseria do que se expor ao terror.

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Torcedores são revistados sem muito rigor pelos seguranças da Copa feminina
Imagem: Catherine Ivill - FIFA/FIFA via Getty Images

É nítido que a grande maioria dos franceses não pensa como este motorista, cujo nome será preservado. Outras cidades pequenas, como Valenciennes e Le Havre, se mostraram encantadas com a presença de turistas estrangeiros. Fica evidente que, nestes casos, há um entusiasmo em agradar e tratar bem as pessoas de fora. Orgulham-se diante de elogios ao seu povo e à sua terra.

Paris também não cedeu ao pânico. "Eu participei de manifestações grandes, de shows grandes, e às vezes pensei: 'Poxa, e se acontecesse alguma coisa aqui?'. Mas as pessoas não se furtam de ir aos lugares. Eu tenho impressão de que eles são muito estoicos e têm muito essa visão de: 'Se acontecer, aconteceu'. Talvez até pensem na possibilidade de um ataque, mas não deixam de sair, participar e fazer coisas por causa disso", explicou Ariana Carnielli, moradora da capital, ao UOL Esporte.

Quando um objeto é esquecido no transporte público, o trajeto é paralisado até a chegada da polícia. "Pode ser que alguém tenha deixado uma bomba. Mas você olha em volta nessa hora e vê que as pessoas estão sem medo, acho que nem cogitam que possa ser um atentado. Esse sistema de segurança já se tornou tão comum que a gente já não registra", contou ela, que sempre tem os pertences levemente checados na chegada à universidade: "Parece que só fazem isso para dizer que há uma revista".

As orientações em caso de ataque são básicas: "Corra, tente fugir, não tente ser herói, não pule na frente de tiros, não tente desarmar as pessoas. Chame a polícia e confie nos policiais", relatou Ariana. O pesquisador Guilherme Mazanti completou: "Já vi um panfleto do governo colado em vários locais, mas eu mesmo nunca parei para lê-lo, nunca conversei sobre esse assunto. A impressão é de que não há um preparo particular da população em relação a atentados, nem um interesse das pessoas".

Desde 2015, o exército francês trabalha na Operação Sentinela, que coloca soldados armados em pontos estratégicos - como os de grande circulação de turistas. Os cidadãos agem com naturalidade. "Para os franceses, a presença deles nas ruas é algo que já faz parte da paisagem. Não afeta em nada o dia a dia, nunca vi esses guardas impedindo o acesso de alguém a algum local, interagindo com pessoas ou fazendo qualquer coisa que não seja andar na rua com os fuzis", disse Guilherme.

O estudante brasileiro Thiago (que pediu para ter o sobrenome ocultado) diz acreditar que os ataques da última década também não aumentaram a xenofobia de maneira generalizada. Ele ressalta, porém, que o preconceito contra estrangeiros já existia por parte da população francesa e não é novidade. "Não acho que a xenofobia esteja maior do que antes. Infelizmente, a dificuldade de integração de certas comunidades não é algo novo", disse.

Guilherme Mazanti destacou uma pesquisa publicada em outubro de 2018 pelo Instituto Ipsos, um dos mais respeitados do mundo. A equipe perguntou aos parisienses quais eram seus maiores medos, e os atos terroristas ocuparam apenas a 14ª posição do ranking. Algumas das preocupações maiores são: furtos, agressões verbais e físicas, presença de pessoas embriagadas nas ruas e tráfico de drogas.

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