Série D tem invasão com entrega de pizza e prêmio por agressão a cadeirante
Momentos de terror precederam e sucederam um jogo da Série D do Campeonato Brasileiro, realizado na tarde de ontem (7), na pequena cidade de Riachão do Jacuípe, na Bahia. O Jacuipense, time da casa, venceu o tradicional América de Natal por 1 a 0 e eliminou a equipe potiguar, em duelo de volta válido pelas oitavas de final. Entretanto o que chamou atenção foram os episódios violentos que contornaram a partida fora (e até dentro) de campo.
Desde o empate sem gols no jogo de ida disputado no último dia 30, na Arena das Dunas, em Natal, no Rio Grande do Norte, torcedores de uma uniformizada do América-RN criaram grupos de WhatsApp e, de posse de números de celular de torcedores do Jacuipense, os colocaram em tais espaços virtuais, onde foram feitas ameaças com fotos de armas e promessa de roubo de faixas na partida de volta eventualmente levadas às arquibancadas pela torcida baiana.
Em trechos das conversas que o UOL Esporte teve acesso, foi possível flagrar torcedores do América colocando "a prêmio" um torcedor cadeirante do Jacuipense. Foi criada uma espécie de tabela com "metas" de agressões e suas premiações (pagas em gramas, provavelmente de drogas). Roubar muletas e cadeiras de roda, por exemplo, renderia 5g e 10g, respectivamente, de alguma substância.
Ciente do clima tenso prometido para o dia do jogo, a prefeitura de Riachão solicitou reforço policial à cidade vizinha de Feira de Santana. Na chegada ao município onde aconteceria a partida, o ônibus da torcida do América foi parado pela polícia, que apreendeu três porções de maconha, uma trouxa de cocaína, duas bombas artesanais, cinco rojões, três aparelhos celulares e até um pacote de papel seda para confecção de cigarros. Todos os pouco mais de 30 torcedores foram levados à delegacia local.
Assumiram a posse dos materiais quatro torcedores, que permaneceram presos. Os demais foram liberados para assistir ao jogo no estádio. Mais tarde, já após a partida, o quarteto inicialmente detido também acabaria solto ao responder termo circunstanciado. A liberação foi justificada por suposta ausência de flagrante de tráfico.
Durante o jogo, não houve registro de confusão. Cerca de 1,8 mil torcedores compareceram às arquibancadas do Valfredão, o modesto estádio do Jacuipense - a torcida do América representadas pelos cerca de 30 uniformizados. Todos os presentes testemunharam um gol contra marcado por defensor da equipe potiguar que rendeu a classificação aos mandantes. A eliminação, combinada às ameaças que vinham se estendendo pela semana, explodiu em cenas de violência com o apito final.
Parte da torcida do América conseguiu driblar policiamento e segurança do estádio e saiu do local antes dos torcedores do Jacuipense, quebrando assim o protocolo. Relatos ouvidos pela reportagem dão conta de uma tocaia dos torcedores potiguares feita nas proximidades do portão de acesso aos vestiários. Assim que uma entrega de pizzas chegou a pedido do clube baiano para que seus jogadores comemorassem a vitória, os uniformizados alvirrubros se aproveitaram da abertura do portão para invadir a área restrita do estádio.
"No que estou esperando para entrevistar os jogadores do América, vejo que dois caras da torcida invadem o portão, empurram o segurança do estádio e colocam a mão na cintura. O segurança grita 'tá armado, tá armado'. Um dos torcedores grita 'pega a faixa, pega a faixa'", contou Dionisio Outeda, jornalista da rádio 98 FM, de Natal.
"Nisso, imagina o pânico. Entraram mais torcedores do América, que são conhecidos lá em Natal por serem violentos. Eu e os jogadores corremos para dentro do vestiário e ficamos trancados lá. Depois os caras da organizada do Jacuipense foram defender a tal da porra da faixa, e começou o confronto entre eles", acrescentou.
A reportagem ouviu quatro pessoas que deram versões semelhantes e complementares da confusão: alguns torcedores do América foram até a porta do vestiário visitante cobrar os jogadores de sua equipe; outros, ao mesmo tempo, invadiram o gramado para roubar a faixa que estava no alambrado. Enquanto os invasores que estavam em campo eram expulsos por funcionários e até jogadores do Jacuipense que ainda estavam por lá, os poucos uniformizados da única torcida organizada do time baiano deram a volta no estádio para revidar a invasão. Como estavam em menor número, os potiguares tentaram se esconder... No vestiário do América!
Jogadores, comissão técnica e o único profissional da imprensa presente ali na confusão permaneceram trancados no local e, com naturalmente em choque, se negaram a abrigar os uniformizados. "Aí começou: voando pau e pedra no lado de fora, o treinador gritando para fechar a janela do vestiário, barulho de tiro de bala de borracha, as duas torcidas brigando, jogador chorando, segurança do América segurando uma pistola e apontando pra porta trancada, os jogadores pedindo pra atirar, e o cara tremendo mais que vara verde... Rapaz, foi um negócio pavoroso", descreveu Dionisio.
O cenário de caos só foi dissipado com a chegada da tropa de choque ao estádio. Não há registro de prisões decorrentes de tal episódio. O Jacuipense confirma a confusão relatada dentro de campo nas proximidades do alambrado onde estava a faixa da torcida. O América não atendeu a reportagem.
Riachão do Jacuípe tem pouco mais de 30 mil habitantes e fica a 186 quilômetros de Salvador. De acordo com relatos ouvidos pela reportagem, a cidade é considerada pacata, e a confusão desse fim de semana deixou a população local surpreendida. "Aqui é mais espectador que torcedor, sabe? São mais tranquilos, vêm sempre em família para o estádio. É pra zoar, empurrar o time, cantar, cornetar. Os nossos torcedores não são acostumados com jogo grande e muito menos com esse tipo de coisa, de facção travestida de torcida", alegou Felipe Sales, presidente do conselho deliberativo do Jacuipense, que disputou a Série D pela primeira vez em 2014.
Nada de anormal foi relatado na súmula do jogo, disponibilizada no site da CBF poucas horas após o apito final.
A reportagem tentou contato com a polícia militar de Riachão do Jacuípe, mas não obteve retorno. Houve atendimento apenas extraoficial por parte de um policial.
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