Uma vitória na Série D virou boa notícia para ex-elefante branco da Copa-14
A tarde do dia 22 de julho de 2019 foi de festa para a cidade de Manaus e para o Amazonas como um todo. Com o apoio de 44.121 espectadores, o Manaus FC venceu o Caxias por 3 a 0 no jogo de volta das quartas de final da Série D do Campeonato Brasileiro e, com placar agregado de 3 a 1, garantiu a vaga na Série C de 2020.
Um marco para o clube, para a cidade, para o estado, e também para a Arena da Amazônia, estádio construídos para a Copa do Mundo e que vai construindo um legado diferente do que imaginavam para os "elefantes brancos" de 2014.
Recorde do futebol feminino
Quando inaugurada, em 2014, a Arena Vivaldo Lima - o nome foi dado em homenagem a um jornalista baiano que foi uma das maiores figuras do esporte do Amazonas, chegando a ser deputado federal pelo estado nortista - tinha em volta de si um cenário desolador. Públicos cada vez menores nos estádios amazonenses, com clubes enfraquecidos no cenário nacional.
Cinco anos depois, o contexto é bem diferente. O acesso do Manaus FC foi o primeiro de uma equipe amazonense de futebol masculino no cenário nacional neste século. Antes, o São Raimundo, em 1999, havia conseguido subir para a Série B, competição que disputou até 2006, ano em que foi rebaixado - hoje, a equipe joga a segunda divisão do campeonato estadual.
Não foi, no entanto, o primeiro brilho de uma equipe local dentro do estádio. São dois times femininos os grandes responsáveis por mudar a visão externa que a Arena da Amazônia têm, de um estádio que poderia ficar ocioso para grande palco de um futebol em reconstrução.
O maior ícone do futebol amazonense, hoje, é o Iranduba, fundado em 2011 e uma potência do futebol feminino. O clube é o atual octacampeão do estadual feminino e um dos poucos a disputar todas as edições da Série A1 do Campeonato Brasileiro feminino.
Na temporada atual, o Iranduba, conhecido como "Hulk da Amazônia", faz campanha regular. A média de público é de apenas 1.500 espectadores, mas o cenário já foi diferente. Em 2017, quando foi semifinalista, o clube registrou recordes de público. Nas quartas de final do Brasileirão feminino, contra o Flamengo, foram 15.107 pessoas na Arena da Amazônia. Na fase seguinte, contra o Santos, 25.371 estavam nas arquibancadas. Até hoje é o recorde de uma partida entre clubes femininos de futebol no Brasil.
Em 2018, Manaus recebeu a Copa Libertadores Feminina. Jogando em casa, o Iranduba fez ótima campanha na primeira fase e avançou às semifinais, em que parou, nos pênaltis, diante do Deportivo Hulia-COL. A equipe manauara ficou com o terceiro lugar, vencendo o Colo-Colo - também nos pênaltis.
"Quando iniciamos o projeto (em 2011), nós vislumbramos a possibilidade de o Iranduba ter um time feminino, que conseguiria uma projeção nacional mais rápida. Isso porque, à época, tinha a Copa do Brasil, que era regionalizada. Assim, se fizéssemos um time forte para competir contra os times da região, em pouco tempo a gente chegaria em fases mais agudas. Com o nosso trabalho, o time passou a ser conhecido nacionalmente, e, a partir de 2017, 2018, internacionalmente também. Desde 2016, o Iranduba manda jogos na Arena, que possibilita uma série de vantagens: o conforto para o público, o estádio é melhor, o campo é melhor", conta Amarildo Dutra, presidente do clube.
Outra equipe que utiliza a Arena da Amazônia é o 3B Sport. A equipe, fundada em 2017, foi finalista das duas últimas edições do Campeonato Amazonense, e disputa a Série A2 do Campeonato Brasileiro. Em 2019, a equipe chegou às oitavas de final invicta, mas após dois empates contra a Chapecoense, perdeu nos pênaltis.
"É o segundo ano que batemos na trave. Temos que nos organizar mais, planejar mais, ter um elenco mais qualificado para buscar a vaga no próximo ano. Nosso objetivo agora é conseguir a vaga na A2 mais uma vez, via Estadual, e brigar por um lugar na primeira divisão", explica Bosco Brasil, presidente do 3B.
Como veio o primeiro acesso (masculino) do século
Fundado em 2013, o Manaus vive o melhor momento de sua história. Em abril, o time conquistou o tricampeonato amazonense de forma consecutiva. Curiosamente, foi a primeira vez que isso aconteceu no estado desde 1999, quando o São Raimundo (o mesmo do último acesso) era hegemônico. Agora, com o acesso à Série C, o clube registra sua primeira grande campanha em torneios nacionais, e ainda pode buscar o título.
A equipe costuma mandar a maioria de seus jogos no estádio da Colina, onde levantou a taça de campeão estadual, mas escolheu a Arena da Amazônia para alçar voos mais altos. O povo abraçou a ideia. O público de 44.121 pessoas do acesso à Série C é o maior da Série D na temporada e foi a segunda maior marca da história do estádio - a primeira é 44.419, em 2016, em um jogo do Campeonato Carioca entre Flamengo e Vasco.
"Decidimos atuar na Arena da Amazônia a partir do primeiro mata-mata, diante do Real Ariquemes-RO. Foi uma decisão tomada em conjunto, diretoria, comissão técnica e elenco. A ideia é que joguemos nela até o fim desta temporada. A torcida gostou, é mais confortável e de fácil acesso. Por estar localizada numa das principais avenidas de Manaus, é mais fácil de chegar. Construído para a Copa do Mundo de 2014, dispõe de excelente estrutura, e isso também acaba sendo um atrativo. Os jogadores também gostam de atuar no estádio, o gramado é sempre muito elogiado por eles", contou ao UOL Esporte Giovanni Silva, presidente do Manaus FC.
Após parar nas quartas de final em 2018, o Manaus FC teve média de público pagante de 3 mil espectadores na Série D de 2019. A partir da segunda fase, o time se mudou para a Arena da Amazônia e viu o público saltar para 24 mil espectadores por jogo.
"O Manaus conseguiu uma aceitação muito grande nos últimos anos, justamente por seu sucesso. Em seis anos, foram três títulos estaduais. E o time cresceu mais ainda com as campanhas na Série D. Bateu na trave ano passado, e esse ano chamou mais a atenção com uma campanha invicta até as oitavas de final, quando perdeu o jogo de ida para o São Raimundo-PA. [...] O povo abraçou o Manaus no estado todo. Não à toa, caravanas do interior do estado vieram para o jogo que garantiu o acesso", explica Gabriel Abreu, repórter da TV Cultura Amazonas.
Além de ser o primeiro acesso de um time do Amazonas no século, o Manaus também garantiu a primeira participação de um clube do estado na Série C nesta década. Os últimos clubes amazonenses no torneio foram o Holanda e o Nacional, em 2008. Na ocasião, a Série C era menos concorrida. Se hoje a competição conta com 20 clubes distribuídos em dois grupos, há onze anos, 63 clubes disputaram o torneio, que era mais parecido com o que é a Série D hoje, em que os times se classificam via campeonatos estaduais.
O acesso pode representar para o Manaus uma mudança de patamar. "Muda praticamente tudo. Esse aceso era o que nós estávamos buscando. Fazia 20 anos que um clube amazonense não conseguia um acesso, só para se ter ideia da dimensão do feito que o Manaus FC realizou. Acreditamos que com o clube na Série C novas portas se abrirão e, com certeza, muita gente sairá ganhando com isso, o futebol local, a economia, o turismo, os amazonenses...", disse Giovanni Silva.
Governo da Amazônia trata estádio como "investimento"
É, também, uma maneira de manter a Arena Amazônia mais ocupada em sua função principal: a de estádio de futebol. "A Arena foi pensada como uma ferramenta para a reestruturação do Futebol Amazonense. Quando foi construída para a Copa do Mundo de 2014, imaginou-se que a Arena Vivaldo Lima seria uma motivação, o que na prática se fez verdade. Mas essa reestruturação é lenta. Estamos conseguindo melhores resultados a cada ano e isso é reflexo de todo esse processo de reestruturação que a Arena tem como objetivo principal", diz Nailson Castro, da Secretaria da Juventude, Esporte e Lazer (Sejel) do Amazonas, assessor de comunicação da Arena.
"A Arena em si é o principal atrativo de quase todos os eventos nela realizados, portanto, garante lucro em mais de 95% dos eventos. [...] Mas para nós, amazonenses, a Arena é mais do que palco para futebol. É um espaço no qual podemos receber qualquer cerimônia do mundo, como foi o caso do Vila Mix, no mês de abril, a maior estrutura musical já montada no norte do Brasil, dentro da Arena Vivaldo Lima. Apesar de ser cara para os cofres do Governo do Estado, a Arena é um orgulho para os amazonenses, pela beleza, pelo reconhecimento. [...] É um valioso patrimônio do povo", completa Nailson.
Além de espetáculos, a Arena atende diversas demandas menores. Recebe partidas de futebol beneficentes, a final do Peladão, o maior campeonato de várzea do mundo, jogos de futebol americano e rúgbi, feiras regionais, colações de grau...
Há ainda, dentro da Arena da Amazônia, o maior museu olímpico das Américas, o segundo maior do mundo. Inaugurado em fevereiro deste ano, ele conta com cerca de 10 mil peças, todas cedidas por Roberto Gesta de Melo, ex-presidente da Confederação Brasileira de Atletismo.
Por outro lado, há um custo para manter todo este sistema funcionando. As maiores despesas vêm do cuidado com o gramado da Arena, que sofre com o clima úmido da região, que facilita a propagação de fungos. A manutenção predial, a reposição de materiais e o sistema de iluminação também são valores altos nas contas da Arena.
As despesas geradas pela Arena ao Estado têm sido encaradas como investimento para atrair cada vez mais eventos, e impulsionar o desenvolvimento do esporte - especificamente o futebol - na região.
"O Governo do Estado entende que a Arena tem um custo e se programa para esse custo. [...] A conta pode ser negativa, às vezes, mas aqui dentro, o resultado é positivo, pelo que a Arena representa e consegue movimentar. Temos gastos de manutenção para garantir a utilização da Arena por toda a nossa sociedade. Nosso estádio é lindo e está em condições de receber qualquer evento. Tem um custo financeiro sim, mas se a Arena não existisse, o Amazonas não teria nem a possibilidade de receber esses eventos", afirma Nailson Castro.
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