"Tinha gente com ordem de despejo": capitão detalha greve no Figueirense
Às 19h deste sábado (24), no bairro Esteito em Florianópolis, Sul do Brasil, onze jogadores entrarão em campo sob as atenções de todo o futebol do país. Em duelo marcado para a Série B nacional, o Figueirense, clube fundado em 1921 e vice-campeão da Copa do Brasil de 2007, recebe o CRB. Uma partida que seria ordinária não fosse um movimento de protesto de jogadores e funcionários do clube catarinense que resultou em WO na rodada anterior, diante do Cuiabá, e ameaça de eliminação e rebaixamento caso a desistência se repita.
A atitude serviu para marcar uma posição por causa dos constantes atrasos de salários para jogadores e funcionários do Figueira. O protesto foi mais um episódio na conturbada administração do clube, transformado em Sociedade Anônima no final de 2017 e gerido pela Elephant Participações Societárias S/A, que comprou 95% das ações da empresa limitada criada pelo tradicional clube, que abriu mão do formato "associação sem fins lucrativos". É presidido por Claudio Honigman, ex-sócio de Sandro Rosell, ex-presidente do Barcelona que está preso na Espanha, com associação com o ex-presidente da CBF, Ricardo Teixeira.
O UOL Esporte conversou com o capitão da equipe, o volante Zé Antônio, 35 anos, com passagens pelo futebol alemão, Athletico, Atlético-MG, Sport e outras equipes. Em quase uma hora de conversa por telefone, ele se identificou como "porta-voz, sendo capitão da equipe" e disse que sua fala "é em nome de todos os jogadores, da base, dos funcionários do clube". O atleta desabafou e revelou o drama de todos os que vivem de perto essa situação.
"No ano passado, na reta final, faltando 3 ou 4 jogos, tinha gente chorando na frente porque estava com ordem de despejo em casa, com mulher e dois filhos pequenos, gente tendo que vender carro", detalhou, evitando citar nomes dos envolvidos.
"Aqui a gente vive uma situação muito difícil, que vem se arrastando desde 2017. Infelizmente acabou com um WO na última partida, foi muito doloroso para nós e os torcedores do Figueirense. Mas foi necessário para que a gente ficasse sabendo de algumas coisas que agora são divulgadas", completou Zé Antônio, "Hoje, os atletas profissionais têm uma CLT vencida no último dia 5 e caminhando para a segunda, no final do mês, duas imagens em atraso e a próxima que vence dia 25".
Confira os principais trechos da entrevista de Zé Antônio ao UOL Esporte:
UOL Esporte - Vocês tomaram uma posição considerada radical para alguns. Recentemente, o Thiago Neves falou, em situação similar no Cruzeiro, que "qual clube não atrasa?" Por que a decisão pelo WO?
Zé Antônio - Esse tipo de situação a gente não acha justa. Se essas pessoas que estão em clubes como o Cruzeiro, que tem mais visibilidade, pensarem dessa maneira, nunca vai melhorar. Essa situação nunca vai acabar. Se entenderem que é normal atrasar o salário... não é normal. Normal é receber, trabalhou, independente do segmento, atleta, advogado... é direito seu receber. As pessoas não podem achar que é normal atrasar o salário.
UOL - Foi uma postura tomada de que forma?
ZA - O grupo formado é muito unido. Por isso essa mobilização total. Os funcionários compraram essa luta com a gente. Que voz teriam os funcionários tendo salários atrasados? Como uma pessoa que trabalha num centro administrativo vai tomar essa atitude? Tem que entender que o negócio está errado. Esse é o intuito: que as coisas mudem.
UOL - E isso vem desde quando?
ZA - Tem casos de 2017, que tem pendencia de meses, férias, 13º... em 2018, não recebeu meses. Quando fala em atraso total é justamente isso. Tem funcionários e jogadores que estão há 7, 8 meses de salários atrasados.
UOL - Isso é corriqueiro no mercado, não?
ZA - Isso partiu pela falta de respeito. No ano passado já era essa empresa, mas com outro presidente (Claudio Vernalha, advogado). Ele nos acompanhava no dia a dia, participava. Sempre apoiou, se não podia pagar, falava para a gente, se dava uma data e não cumpria, dava satisfações. No ano passado, perto desse ano, era pior em questão de atraso. Porém tinha respeito. Esse ano não, com nenhum funcionário. Teve funcionário que foi demitido porque foi perguntar do salário. Se tornou rotina: se questionou sobre o salário, sofre retaliação, demissão. E também nos enrolavam através de promessas, a gente resolveu parar.
UOL - Quem por exemplo foi demitido?
ZA - Funcionários do setor administrativo que foram perguntar do salário e foram demitidos. O clube iniciou uma redução de gastos, porque imaginavam que conseguiriam deixar a folha em dia. Funcionários com anos de casa foram atrás do FGTS e quando chegaram ao banco, não estava depositado. São vários casos. Não sei com quem eles pensam que estão lidando. Não consigo me conformar em como tratam o ser humano dessa forma. Tem certas coisas que não consigo entender. No ano passado, na reta final, faltando 3 ou 4 jogos, tinha gente chorando na frente porque estava com ordem de despejo em casa, com mulher e dois filhos pequenos, gente tendo que vender carro.
UOL - Quem subscreve o movimento com vocês?
ZA - Na nota que a gente fez, 31 ou 32 pessoas. Mas todo o pessoal abraçou a causa. Só que não está a favor de tudo isso é a empresa. Você imagina uma empresa que gere o clube, não sei quantos funcionários fazem a gestão, umas seis pessoas; no clube 200 funcionários abraçaram a causa. Será que seis pessoas pensam que estão certas e o restante está errado? O que mais tem é gente endividada em banco. É o que mais tem, é corriqueiro ouvir de cartão de crédito sem pagar.
UOL - E vocês decidiram jogar por que? Não tem mais risco de novo WO?
ZA - A questão do WO está descartada. Ninguém vai ser irresponsável de fazer com que isso aconteça. A gente voltou a treinar e vai jogar amanhã [hoje, 24] por respeito ao clube e a torcida. Ao esporte e a várias questões, coisa que a diretoria não em para conosco. Eles não se manifestaram nenhuma vez para que o WO não acontecesse. Eles poderiam ter formalizado alguma coisa para que a gente pudesse jogar, para ter perspectiva de receber.
UOL - O clube anunciou reforços. Seria um movimento fura-greve?
ZA - Ontem, antes de ontem, chegaram jogadores. Algo em torno de 8 a 9 jogadores. No nosso ponto de vista, dos jogadores, é errado. O jogador que vem... a gente teve um papo franco com os novos. Quando o cara vem para cá emprestado, o cara tem que vir. Mas não dá para deixar de falar que um presidente de clube que tá mandando jogadores para cá, sabendo que está tudo errado aqui, está agindo errado. Vai mandar para cá um jogador que vai receber de outro clube, com tudo em dia, e aqui nada? O nosso advogado nos orientou que essa é uma forma de retaliação também.
UOL - Você tem quase 3 anos de clube e contrato vencendo em dezembro. Alguém te procurou para acertar a situação "por fora"? Ou você ouviu de alguém que procuraram jogadores assim?
ZA - Não. Eu não aceitaria e tenho certeza que qualquer um de nós jogadores não aceitaria. Justamente pela lealdade que a gente tem um com o outro, ninguém aceitaria.
UOL - E como fica a relação com o Antônio Lopes [diretor de futebol] no meio desta crise?
ZA - Te juro: todos nós gostaríamos muito de trabalhar com ele numa situação diferente. A gente fica com pena, um senhor que tem uma história maravilhosa no futebol, dispensa comentários, chegar nesse fogo cruzado, difícil. Todos nós respeitamos muito o Antônio Lopes. A gente entende que ele é um dirigente, passa para gente o que passam pra ele. E a gente deixa claro que respeita ele. O que a gente briga é por outra causa.
UOL - Tem faltado comida, estrutura de treino, essas coisas?
ZA - O que eu posso falar: nunca faltou comida, apesar da cozinha ser terceirizada e está em atraso para receber. Transporte, da base e para nós, sabemos que está em atraso. Médico, remédio, não faltou.
UOL - Quando você sentiu que a coisa virou, ficou feia aí?
ZA - Quando o meu contrato se encerrou, no final de 2017, já foi com a empresa (Elephant). Tirando as irregularidades de pagamento... a gente vai vendo que as coisas vão acabando. O CT não tem melhorias. Um clube que ficou tanto tempo na Série A, com arrecadação maior, e você não consegue ver uma melhoria no estádio, no CT. Sem medo de errar, eu estou vendo o clube esticando a corda até onde dá.
UOL - Vocês tiveram atrito com o presidente Honigman?
ZA - A falta de respeito que a gente cita é o não aparecer. Ele fica bem ausente. Desde que decidimos não treinar, nem ele nem ninguém deu uma entrevista. Nesse meio tempo publicamos nota, demos entrevista... não aceitaram e quando divulgam nota colocam o contrário do que foi divulgado. Impressionante que queiram tirar a responsabilidade do que acontece no clube e jogar nas nossas costas. Não há diálogo. Numa crise instalada que não fomos nós que instalamos. Viemos com o intuito de melhorar o clube, através de um acesso, de melhorar o clube. O que a gente vê é que transferem a responsabilidade, estão querendo colocar o WO na nossa conta literalmente, isentando quem realmente tem culpa na situação toda.
UOL - Mas vocês pedem a renúncia dele.
ZA - Tivemos que chegar a esse ponto (renuncia presidente). A gente perdeu uma pessoa espetacular, que é o (ex-técnico) Emerson Maria, que foi para outro clube. Por conta de toda essa questão a gente perdeu um comandante como ele. Formou e conhece o nosso grupo. Em tudo o que acontece a responsabilidade nunca é ao menos dividida. Ninguém vai correr de assumir a sua responsabilidade. Agora, jogar uma situação crítica que o clube vive na conta dos jogadores... é de uma irresponsabilidade absoluta.
UOL - E a receptividade da torcida do clube após um WO e risco de eliminação e queda, como foi?
ZA - Olha, antes quero deixar público o agradecimento em nome de todos os jogadores e funcionários do Figueirense, através de mensagens, de qualquer forma. A gente espera realmente que as pessoas entendam o motivo da paralisação. E não poderia deixar de citar o apoio da Gaviões Alvinegros, que foram nos receber no aeroporto depois de Cuiabá, com WO, nos receberam e nos apoiaram. Só temos a agradecer.
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