Como um jogo de beisebol salvou torcedor da pena de morte em Los Angeles
Resumo da notícia
- Juan Catalan foi preso acusado de assassinar uma jovem em Los Angeles
- Na noite do suposto crime, ele foi ao jogo do Los Angeles Dodgers, time de beisebol
- A defesa do rapaz precisava provar que ele estava no estádio e conseguiu
- O caso de Juan Catalan virou documentário premiado da Netflix
As derrotas são difíceis de esquecer. Deixam marcas. Quando o Los Angeles Dodgers perdeu por 11 a 4 do Atlanta Braves, em 12 de maio de 2003, Juan Catalan sofreu. Era uma péssima impressão para a filha que começava a conhecer a paixão pelo beisebol. Meses depois, percebeu, na verdade, que aquela havia sido a melhor noite de sua vida. Aqueles ingressos de última hora valeram sua sobrevivência.
Três meses depois da partida, Catalan chegava para trabalhar na oficina de máquinas do pai quando foi abordado por policiais que rápida e bruscamente o imobilizaram. Começava ali um inferno causado pela acusação de ter assassinado uma garota de 16 anos, chamada Martha Puebla.
A prisão foi feita com um retrato falado como base. Uma testemunha do crime, segundo os detetives, tinha certeza de que Catalan era o culpado. Na juventude, ele chegou a ter uma passagem pela polícia ao se envolver em um furto organizado pelo irmão. E a vítima, por outra coincidência, havia sido testemunha em um processo movido contra esse irmão de Catalan.
Para a polícia de Los Angeles, o caso estava fechado.
Quando você tem sua liberdade tirada, percebe o quão sortudo é por ser um cidadão americano
Juan Catalan, em entrevista ao site da Major League Baseball (MLB), em 2017
O anjo da guarda
O telefone de Todd Melnik tocou e interrompeu uma partida de golf no Canadá. O advogado, com escritório na região do Vale de São Fernando, nos arredores de Los Angeles, tomou conhecimento da história de Catalan ali. O cenário não era nada otimista. Já se discutia pena de morte para o novo cliente e a promotoria designada nunca havia perdido nenhum caso do tipo.
Quando a prisão já estava prestes a completar dois meses, Melnik conseguiu ajudar Catalan a reorganizar as ideias. A meta era reconstruir o passo a passo do cliente em 12 de maio. E foi aí que floresceu a esperança no corredor da morte. O acusado, enfim, lembrou que estava no Dodgers Stadium naquela noite.
Melnik começou uma busca desenfreada por provas da presença do cliente no estádio. A namorada foi convocada para procurar os ingressos na casa de Catalan, enquanto o advogado foi até a sede dos Dodgers por outras evidências. "O clube aceitou ceder vídeos do circuito interno e as imagens que foram exibidas no telão, mas não encontramos nada ali", lembrou Melnik, ao UOL Esporte.
Até que, em um caderno de registros praticamente vazio, a página do dia 12 de maio brilhou aos olhos do advogado.
Divina comédia
A anotação dizia que, naquela noite, os Dodgers haviam autorizado uma gravação feita por uma produtora. Com o nome da empresa em mãos, Melnik encontrou um contato telefônico e descobriu que se tratava do canal por assinatura HBO. A gravação de 12 de maio era parte de um capítulo da série humorística "Curb Your Enthusiasm", que chegou a ser exibida no Brasil como "Segura a onda".
A sitcom tinha como protagonista, autor e produtor-executivo o comediante Larry David, que havia feito sucesso em outra série, "Seinfeld", anos antes, como roteirista. David se comoveu com a história contada por Melnik e cedeu as duas fitas com o material colhido no Dodgers Stadium. O advogado, com a ajuda de um membro da equipe técnica da série, mergulhou nas gravações e encontrou as imagens que podiam salvar a vida de Catalan.
"Levou alguns meses para que ele lembrasse do jogo, depois foi mais um mês até chegar ao estúdio de TV que produzia a série. Foram longas horas de estresse", desabafou Melnik.
Ali, a vitória parecia certa nos tribunais.
Na boca do inferno
A defesa de Juan Catalan estava otimista. Levou a filha e um amigo do torcedor como testemunhas da presença dele no jogo dos Dodgers. A filha lembrou até de ter ganhado sorvete, pipoca e um card da equipe de beisebol. A namorada levou os ingressos da partida. Melnik apresentou as fitas da série de Larry David, com um relógio mostrando o horário como prova segura.
Só que para a promotoria tudo isso era insuficiente. A criança podia estar influenciada pela situação do pai, os ingressos poderiam ter sido usados por outras pessoas e a hora das filmagens não garantia que Catalan não pudesse ter ido embora mais cedo e cometido o crime.
"Realmente, a promotoria nunca havia sido derrotada em casos de pena de morte. Mas eu sabia que ele era inocente, que não tinha feito nada e que se eu perdesse ele morreria. Eu dei todas as evidências para a promotoria, e ela dizia que não ligava e tentava levá-lo à pena de morte. Até que eu cheguei aos registros telefônicos", contou Melnik.
Em mais uma ajuda improvável, Catalan pôde sorrir.
A força dos céus
Melnik decidiu explorar as ligações feitas pela namorada de Catalan no dia 12 de maio de 2003. E descobriu que eles haviam se falado quando Catalan estava prestes a deixar o Dodgers Stadium. O advogado solicitou à Nextel que a ligação fosse rastreada e foi assim que descobriu-se que a antena responsável por emitir o sinal do celular de Catalan ficava ao lado do estádio, no Echo Park.
Assim, pelo horário da ligação e pelo raio de alcance da antena, era impossível que Catalan tivesse cruzado a cidade para cometer um homicídio. A juíza analisou todas as evidências da defesa e decretou, depois de seis meses, a liberdade de Catalan, um torcedor salvo pelo time do coração.
"Quando eu soube que ele seria solto, eu não estava somente feliz. Eu estava aliviado de um estresse enorme. Foi um dos maiores casos em que trabalhei. Mas, pelo estresse, nenhum se compara", sorriu Melnik.
Uma - nem tão - nova vida começou para Juan Catalan.
Em paz e nas telas
Juan Catalan foi solto, recebeu uma indenização da polícia de Los Angeles e viu os detetives que o prenderam culpados por manipular a investigação. Hoje está com 41 anos. Ele continua trabalhando na oficina de máquinas onde foi preso injustamente na década passada. Ainda é fanático pelos Dodgers, como não poderia ser diferente. E curte a chegada do terceiro filho, que se juntou a duas garotas.
Uma vida pacata que, em 2017, foi apresentada para o mundo. A Netflix produziu um documentário sobre o caso, com entrevistas emocionantes com Catalan, familiares, Melnik e até Larry David e a equipe da série da HBO. O filme mostra bastidores do julgamento e até da punição aos policiais. Uma história naturalmente empolgante foi muito bem contada, a ponto de ganhar prêmios e festivais. Mas Catalan não está feliz.
"O curioso é que hoje (28 de agosto), no mesmo dia em que você me liga para esta entrevista, ele me ligou para conversar. Ele está chateado, porque depois do filme ficou muito conhecido e não gosta disso. Ele não queria fazer porque é muito reservado e não queria ninguém falando da vida dele. Mas falaram que seria bom, que poderia ganhar dinheiro. Honestamente, o filme é um documentário e não se pode receber por isso, mas ganharam festivais e prêmios e não deram ajuda nem para ele ir aos eventos. Tinha que ir por conta própria. Entendo que esteja chateado".
Mas, acima de tudo, Juan Catalan está feliz. Feliz, livre e vivo para torcer pelos Dodgers.
Minha vida mudou imensamente para melhor. Foi uma experiência negativa que me trouxe muitas coisas boas. Eu só consigo me sentir abençoado
Juan Catalan, em entrevista ao site da Major League Baseball (MLB), em 2017
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