Calendário coloca seleção como "vilã", expõe Tite e gera incômodo interno
A data Fifa que teve os empates da seleção brasileira de ontem, contra a Nigéria, e de quinta-feira, contra Senegal, gerou 29 desfalques no Campeonato Brasileiro. A lista de Tite foi responsável por oito deles, alimentando um processo de desgaste que causa insatisfação entre torcedores, dirigentes de clubes e dentro da própria seleção.
Ao todo, na temporada, foram 18 convocações de atletas que atuam por clubes brasileiros -- Corinthians e Grêmio, com quatro cada, foram os mais atingidos. Desfalques afetaram os campeonatos estaduais, a Copa do Brasil e o Campeonato Brasileiro.
A situação vem causando crescente incômodo para Tite. Antes dos confrontos contra as seleções africanas, o comandante brasileiro externou algo que já vinha dizendo a pessoas próximas: ele sabe do impacto negativo que suas listas causam sobre as competições nacionais, e sente em suas escolhas uma carga desagradável.
"Quando a seleção joga, não tinha que ter jogo de time. Continuo convicto. Isso, para mim, não vai mudar ao longo do tempo. Eu faço as convocações e faço com bastante pesar. Porque eu não queria. Continuo com a mesma opinião. Eu sei que o Manoel Flores [diretor de competições da CBF] está tentando ajustar. Mas vocês sabem mais que eu e eu não quero entrar nestes aspectos. Mas esse problema aconteceu com todos os clubes, quase todos os clubes. Eu tenho isso claro e continua igual", afirmou.
Há, entretanto, um incômodo menos público e mais interno de Tite e parte da comissão técnica da seleção. Pelo cargo que ocupa, o treinador frequentemente concede entrevistas e faz aparições públicas — cotidiano diferente dos dirigentes da CBF. Em virtude disso, é o ponto focal das críticas e questionamentos sobre o conflito de datas entre clubes e seleção brasileira que esvazia as competições nacionais de seus astros em momentos importantes.
Pelo menos quatro vezes por ano, em repetidas ocasiões, cabe ao técnico dar explicações sobre uma cultura enraizada há anos no futebol brasileiro que, se não foi até hoje capaz de mudar, tampouco é responsável por iniciar. As perguntas com as quais é bombardeado raramente são respondidas pela cúpula da CBF e pelos responsáveis pelo calendário brasileiro.
A interlocutores, o treinador já admitiu que sente exposto com a situação, que o força a funcionar como um porta-voz de um assunto que diz respeito, de forma profunda, a toda a hierarquia de direção do futebol no país, e que vai muito além da função de convocar, treinar e preparar a melhor equipe para vestir a camisa amarela.
Episódios como os que ocorreram nestes amistosos aumentam a pressão sobre a seleção. Para o período de treinos e o jogo contra Senegal e Nigéria, Tite convocou Wéverton (Palmeiras), Santos (Athletico Paranaense), Daniel Alves (São Paulo), Rodrigo Caio (Flamengo), Gabriel (Flamengo), Éverton (Grêmio), Matheus Henrique (Grêmio) e Marcinho (Botafogo). Dos oito, quatro não atuaram por um minuto sequer; Matheus Henrique e Gabigol atuaram por menos de metade de um jogo. Apenas Daniel Alves e Everton, já consolidados no grupo, tiveram minutos mais significativos.
Se a exposição e constante polêmica incomodam, Tite tem preferido receber a pressão do que deixar o barulho da imprensa, torcida e dirigentes de clubes influenciaram suas decisões sobre convocações e escalações. O técnico não hesita em tirar titulares de grandes times brasileiros para testá-los em treinamentos e no banco de reservas, se considerar que é o melhor para a seleção.
CBF prometeu soluções, mas realidade não indica mudanças
Rogério Caboclo assumiu a presidência da CBF em abril tendo no fim dos conflitos entre datas Fifa e clubes sua principal bandeira. "A partir de 2020 não haverá jogos no Brasil nessas datas", disse, no momento da posse. A promessa foi cumprida sem resolver o problema: apesar de não haver jogos especificamente nas datas, há uma série de conflitos graves que podem atingir até 18 datas de clubes.
A questão de calendário é dificultada por problemas logísticos. A Pitch, parceira da seleção que organiza e vende os amistosos, tem organizado partidas em países distantes, com menos tradição futebolística. Longas viagens e más condições de gramados dificultam que os atletas mantenham as melhores condições, e inauguraram mais uma frente de discussão durante os mais recentes amistosos.
O debate sobre os conflitos de datas é um dos pontos de equilíbrio na relação entre CBF e Tite. O trabalho do treinador segue com apoio da direção da entidade, embora haja um principio de preocupação com o repertório apresentado nos últimos quatro amistosos — uma derrota e três empates. Tite perdeu um apoio importante com a saída de Edu Gaspar da vaga de coordenador de seleções. Juninho Paulista, o substituto, é um nome escolhido diretamente pelo presidente Rogério Caboclo. Pessoas que convivem tanto com treinador como com o novo dirigente, entretanto, definem a relação entre eles como boa.
A seleção brasileira deve voltar a campo em novembro, para realizar amistosos com Argentina e Coréia do Sul na Arábia Saudita e nos Emirados Árabes.
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