Com gritos de "olê, mister", torcida do Flamengo vai à loucura em Portugal
Passava da meia-noite quando dona Mafalda de Carvalho retornava para casa fazendo o seu caminho habitual, cruzando a região das docas de Santo Amaro, em Lisboa. Ontem, no entanto, ela estranhou o número de pessoas concentradas na área turística que fica ao lado da ponte 25 de abril e perguntou o que era aquilo. A resposta foi uníssona. "Somos os apóstolos de Jesus", um grupo de amigos sorriu. Ao todo, mais de 600 torcedores do Flamengo se reuniram no local para acompanhar a goleada de 5 a 0 sobre o Grêmio, no Maracanã, que selou a volta do clube à final da Libertadores após 38 anos.
A paixão pelo rubro-negro carioca movia a todos na madrugada que tinha termômetros chegando quase aos 10º C, mas não dá para negar que existia ainda outro detalhe que tem colaborado na congregação: o sucesso do português Jorge Jesus.
Reverenciado nos dois países, o técnico de 65 anos tem feito com que emissoras de rádio e TV se dirijam ao lugar em todos os jogos para acompanhar a caminhada flamenguista. No confronto com o Grêmio, foram mais de cinco veículos presentes, com direito a link ao vivo para testemunhar os gritos de "olê, mister" que cruzavam o oceano.
A despeito da relação próxima nos gramados, Portugal está agora redescobrindo o futebol brasileiro, em sua mais clara essência, por meio do Flamengo. Mais do que isso: está se deixando apaixonar.
A festa rubro-negra teve de tudo um pouco: pré-jogo com samba, cerveja, charanga para animar a torcida, bandeirão e um clima de arquibancada que tornava impossível ficar indiferente a tudo que se via.
"É um estádio isso aqui. Quase um mini-Maracanã. Tem mais gente que em muito jogo do futebol português", brincou o carioca Thiago Fragoso, que trabalha com marketing, ao UOL Esporte.
Morando em Lisboa faz pouco mais de três anos, Fragoso está à frente da embaixada do clube, Fla-Portugal, ao lado de outros cinco amigos: os conterrâneos Leonardo Mesquita, Felipe Faria e Felipe Dobbin, o cearense Nicholas Reis e o paraense Patrick Raposo. Ele é presença assídua nas partidas que hoje atraem, inclusive, torcedores de partes mais afastadas do país.
Na noite passada, havia pessoas de cidades como Coimbra, que fica a cerca de duas horas da capital portuguesa. Não era assim, contudo, quando o grupo rubro-negro deu os primeiros passos para se reunirem.
"Quando eu decidi vir para Lisboa, procurei na internet para ver se tinha algo do Flamengo, não encontrei nada e pensei comigo mesmo: 'não vou ficar aqui sem o Flamengo'. E comecei a pesquisar no Twitter através da FlaTT se tinha mais alguém aqui. Foi, então, que a ideia se sedimentou com os outros fundadores", afirmou Fragoso.
"Nosso primeiro jogo foi um Flamengo e Botafogo, pelo Carioca de 2017. Fomos em sete pessoas numa pizzaria no bairro de Saldanha. A gente comemorava e as pessoas olhavam. Era muito engraçado", prosseguiu.
O cenário atual é totalmente diferente.
Graças à sede em um bar com capacidade interna para mais de mil pessoas, um telão dentro e outro fora, nem a diferença atual de quatro horas de fuso entre Portugal e Brasil tem atrapalhado o seu crescimento. Mesmo em partidas que se iniciam praticamente às 2h da manhã, é comum ver 300 torcedores se reunindo, ao som da charanga, para empurrar o Fla.
Em jogos de menor apelo, é possível esbarrar ainda no ex-goleiro Júlio César, que mora em Lisboa e virou uma espécie de "padrinho" da embaixada. Ao lado de Sávio, outro ex-flamenguista, ele apareceu de forma espontânea para acompanhar um confronto com o grupo pouco tempo atrás e virou mais membro da torcida. Em virtude da alta aglomeração de pessoas, o ídolo foi ausência, no entanto, na goleada sobre o Grêmio.
Uma das primeiras residências do grupo foi um bar de sinuca, que acabou ficando pequeno para abrigar toda a massa da equipe. Ele foi coincidentemente o local escolhido pelos gremistas para assistir à semifinal. Não deu muita sorte.
Com cerveja a 2,5 euros (R$ 10,90), muita animação e música, a Fla-Portugal embala as madrugadas ao ritmo dos passes de Gerson, das corridas de Bruno Henrique e do faro de Gabigol. Depois de estar presente no aeroporto para desejar boa sorte a Jorge Jesus, ela sonha agora em receber a visita do "mister" num futuro breve. Antes disso, claro, quer os títulos da Libertadores e do Campeonato Brasileiro.
Se isso acontecer, contudo, vai ter provavelmente gente deixando o frio de lado e se lançando nas águas do rio Tejo. É tudo parte da Jesus mania que une os rubro-negros e mata a saudade de casa.
"Confesso que não sei como vai ser se o Flamengo for campeão de tudo isso, com Jesus como treinador. Vamos bater em mil pessoas aqui", festejou Fragoso.
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