Libertadores vai de sofrimento a delírio para torcida do Fla após 38 anos
Restando 15 minutos para o fim da semifinal da Libertadores, a torcida do Flamengo fazia ola, gritava olé a cada passe e pedia mais um gol. Parecia um domingo de goleada no Campeonato Carioca contra um time pequeno. Definitivamente, não era um cenário previsto por qualquer rubro-negro para um jogo decisivo da competição sul-americana, ainda mais contra o Grêmio e em um Maracanã palco de fracassos no torneio em meio ao prolongado jejum na competição. Mas o time de Jorge Jesus conseguiu fazer com que o delírio substituísse décadas de sofrimento.
O Flamengo conseguiu a classificação para a final da Libertadores após 38 anos. E mais: com facilidade, sem agruras, com domínio absoluto. Isso em um campeonato que foi sinônimo de sofrimento e chacota para o rubro-negro nos últimos anos.
Por isso, houve até um certo silêncio meio surpreso na torcida rubro-negra após Rodrigo Caio, de cabeça, dar números finais à goleada por 5 a 0 sobre o Grêmio. A mesma torcida que apoiou o time desde uma hora antes do jogo, quando já estavam postadas no estádio mais de 60 mil pessoas. Porém, naquele momento, era como se cada pessoa presente se portasse como uma pessoa que vai a um jantar chique pela primeira vez na vida e não sabe qual garfo pegar.
Não era à toa. Afinal, a torcida trazia na memória o Flamengo eliminado na fase de grupos pelo San Lorenzo quase no apito final em 2017, ou na queda na mesma etapa após gol decisivo do Emelec em outro jogo em 2012, ou na derrota para o Leon em em casa em 2014, ou no pior dos vexames, quando tomou de três gols do América no Maracanã em 2008. É com toda essa carga que cada rubro-negro acompanhava jogos de seu time na Libertadores.
Esse fantasma se apresentou de novo nesta temporada, quando o Emelec meteu dois gols no Equador nas oitavas de final. Porém, na volta, a torcida que se apresentou no Maracanã mostrou fé com um mosaico escrito "Jogaremos juntos". Um time voraz, embora ainda longe da fluidez atual, conseguiu a virada com jogadores recuperados de última hora, como Everton Ribeiro Arrascaeta, arrancados quase a fórceps do departamento médico.
Foi assim também na semifinal. O telão do Maracanã mostrou quando Arrascaeta e Rafinha desceram do ônibus rubro-negro para as portas do Maracanã, e a torcida explodiu de alegria, já que problemas físicos ameaçaram a presença da dupla na decisão. Havia ali a sensação de que o "sempre-dá-tudo-errado-na-Libertadores" tinha sido superado, esquecido. O universo conspirava a favor.
Repetiu-se então a rotina. Dessa vez, as palavras "Até o fim" apareceram ao lado da taça da Libertadores em mosaico, que segundo Everton Ribeiro foi discutido entre os jogadores. Mais gritos inflamados "quero o mundo de novo". Mais canto do hino do clube em uníssono. O ápice de um dia que tinha cara de Copa do Mundo no Rio de Janeiro, com bandeiras rubro-negras expostas pela cidade. Nem o nervosismo inicial do time rubro-negro e a boa atuação gremista no primeiro tempo foram capazes de esfriar esse clima.
Quando saiu o gol de Bruno Henrique, o primeiro, não havia ali tranquilidade, e sim alívio. Um sentimento traduzido nos litros de cerveja arremessados para cima que ensoparam a tudo e a todos no estádios - inclusive o computador em que este texto foi escrito. A partir deste alívio, foi como as pernas dos jogadores se soltassem e relaxassem para jogar bola. Nada a ver com aquele último e decisivo jogo com o Grêmio do Campeonato Brasileiro de 2009, tenso a ponto de torcedores nem cantarem de tão oprimidos pela possibilidade do fracasso.
O que se viu a partir do intervalo foi uma torcida que tinha se reconciliado com a felicidade, quase tranquila, em paz consigo mesma. Como se tivesse feito terapia e se livrado de todos os seus traumas de uma vez, em uma noite.
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