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Brasileiro que enfrentou Jorge Jesus em Portugal o compara a Felipão e Joel

Jorge Jesus durante vitória sobre o Grêmio na Arena do Grêmio, em Porto Alegre - Alexandre Vidal/Flamengo
Jorge Jesus durante vitória sobre o Grêmio na Arena do Grêmio, em Porto Alegre
Imagem: Alexandre Vidal/Flamengo

Rubens Lisboa e Vanderlei Lima

Do UOL, em São Paulo

20/11/2019 04h00

Resumo da notícia

  • Vinícius Eutrópio trabalhou em Portugal entre 2010 e 2011 e enfrentou Jorge Jesus
  • Brasileiro cita lado folclórico de Jorge Jesus e faz comparação a Joel Santana
  • Jesus não faz parte da turma de estudiosos de Mourinho e Villas-Boas
  • Eutrópio destaca futebol vertical e gestão de elenco com cobrança aos jogadores
  • Ex-técnico do Figueirense usou Benfica de Jesus como exemplo em curso da CBF

Técnico responsável pela campanha do Flamengo que está a um passo do título brasileiro e que decide a Libertadores com o River Plate, no próximo sábado (23), em Lima, o português Jorge Jesus é visto em seu país não apenas como vencedor pelos títulos conquistados, principalmente no comando do Benfica, mas também como um treinador folclórico, linha-dura e paizão com os comandados. Esta é a visão de Vinícius Eutrópio, brasileiro que trabalhou em Portugal e chegou a enfrentar e vencer o português em um amistoso, em 2011.

O treinador mineiro treinou o Estoril entre 2010 e 2011, mas não permaneceu por muito tempo no futebol europeu, tendo passado depois por clubes como América-MG, Ponte Preta e Figueirense, onde teve três passagens, sendo a última em 2019, saindo em meio à crise financeira do clube catarinense.

Eutrópio teve no futebol português a companhia de Marco Silva, atual treinador do Everton, que trabalhou como seu auxiliar, e faz uma comparação de Jorge Jesus com os outros portugueses que se destacam como técnicos, caso de André Villas-Boas (do Olympique de Marselha), Paulo Fonseca (Roma) e Leonardo Jardim (Monaco), além do próprio Marco Silva e de Fernando Santos, comandante da seleção portuguesa.

Papai Jorge

Agitado o tempo todo à beira do gramado e quase invadindo o campo de jogo enquanto cobra o máximo empenho de seus jogadores, Jorge Jesus é visto em Portugal como um treinador folclórico pelas declarações que dá em suas entrevistas.

Vinícius Eutrópio trabalhou no futebol português entre 2010 e 2011 - Andrey de Oliveira/FFC - Andrey de Oliveira/FFC
Vinícius Eutrópio trabalhou no futebol português entre 2010 e 2011
Imagem: Andrey de Oliveira/FFC

"É um treinador mais no sentido folclórico da palavra. Ele não é um Joel Santana, mas as pessoas ficam esperando ver o que a entrevista do Joel fala. Aqui o Joel às vezes solta uma pérola, então, o Jorge Jesus lá é mais ou menos assim. Nas entrevista às vezes ele solta pérolas, mas o estilo dele de trabalhar é completamente diferente do Joel", afirma Eutrópio.

Mas a parte do técnico folclórico não vai ao campo. Até chegar ao estágio atual, depois de trabalhos no Benfica, Sporting, o Al-Hilal da Arábia Saudita e agora o Flamengo, Jesus passou por diversos clubes menores e encontrou problemas na fase inicial da carreira justamente pela forma obsessiva de trabalho.

"Ele teve esse problema de treinar muito, muito forte e cobrar demais exaustivamente a perfeição. É uma característica completamente diferente do Joel. Mas o Jorge é um cara que jogou muita a segunda divisão. Ele derrubou alguns times para a segunda divisão, mas também já subiu muito time para a primeira divisão. Ele é um cara autodidata, foi talhado para aquilo, o caminho dele foi assim", explica o técnico brasileiro.

Família Jesus

Se hoje há uma linha de treinadores portugueses apontados pelos estudos de diferentes formas de jogo, não é exatamente neste grupo que Jorge Jesus se encontra. Embora a forma de fazer seus times jogar seja bem diferente das trabalhadas por técnicos mais experientes como Fernando Santos, comandante da seleção portuguesa, e de Luiz Felipe Scolari, vice-campeão da Euro-2004 com Portugal, o treinador do Flamengo tem algumas semelhanças com eles.

"Tem duas vertentes em Portugal e eu peguei bem essas vertentes. Os treinadores mais estudiosos que são José Mourinho, André Villas-Boas e Pedro Caixinha, e tem os mais antigões que são como falam 'da bola'. Aí tem Jorge Jesus, o próprio treinador da seleção portuguesa, o Fernando Santos, são conservadores. O Jorge Jesus está mais para um Felipão, só que em conceitos europeus. Então, ele é mais estilo Felipão, que cobra e quer o grupo forte. Seria a 'família Jesus', mas somente no estilo", explica Eutrópio.

O lado paizão com os jogadores ao mesmo tempo em que não faz questão nenhuma de esconder seu descontentamento e as broncas públicas são as únicas semelhanças com Felipão.

"O time do Jesus é muito vertical. Quantos gols o Flamengo está fazendo de cruzamento? Chegou, cruzou. Então ele trabalha muito isso, o que nós falamos atacar o espaço. Por exemplo, quando o jogador da beirada, o antigo ponta que hoje a gente fala extremo, entra com a bola, recebe aquela bola, os outros jogadores brasileiros têm uma mania de vir buscar a bola, é o que ele está fazendo muito bem no Flamengo e eu também faço isso, é atacar o espaço nas costas dos defensores", explica Eutrópio.

"O jogador não tem mais que buscar a bola no pé, ele já ganhou o espaço. Então, você pode ver que ele tem muita diagonal nas costas do zagueiro, nas costas dos laterais e atacou ali, chega cruzando, chega finalizando já. O time dele é vertical, é diferente do Felipão, que joga mais por uma bola, defendendo, pela ligação direta e luta pela segunda bola", completa.

Jogadores compatíveis

Filipe Luís é um dos líderes no Flamengo de Jorge Jesus - Alexandre Vidal/Flamengo - Alexandre Vidal/Flamengo
Filipe Luís é um dos líderes no Flamengo de Jorge Jesus
Imagem: Alexandre Vidal/Flamengo

Técnicos como Mano Menezes, atual comandante do Palmeiras, apontaram a chegada de jogadores como os volante Gerson, o zagueiro Pablo Marí e os laterais Filipe Luís e Rafinha como facilitadores do trabalho de Jesus por terem vindo do futebol europeu, inclusive com Mano declarando que o antecessor de Jesus, Abel Braga, era capaz de fazer o Flamengo alcançar o futebol atual.

Vinícius Eutrópio concorda no mérito dos jogadores, mas justamente por eles se encaixarem na proposta de jogo trabalhada por Jorge Jesus, que difere bastante da que tinha o time com Abel.

"Eles aceitaram e tem dois jogadores ali que, a meu ver, são os líderes positivos neste sentido de filosofia de trabalho, que são o Rafinha e o Filipe Luís. Eles vieram da Europa e de clubes vencedores, com trabalho de treinadores neste sentido. Eles agregaram o que aprenderam com outros treinadores e no próprio vestiário devem replicar isso."

"O Flamengo é candidato ao título, independente de qualquer treinador, pelo elenco e pela estrutura que montou. Eu acredito que, independente do Jorge Jesus, o Flamengo poderia estar chegando, talvez não com todo esse sucesso, mas chegando [para ser campeão]. Também acredito que na final da Libertadores o Flamengo é o favorito", completa Eutrópio.

Gestão do clube facilita

Para Eutrópio os méritos do Flamengo não estão apenas no elenco e no trabalho de Jorge Jesus, mas em toda a gestão do clube rubro-negro para dar condições e liberdade ao técnico para trabalhar.

"O Bandeira de Mello [ex-presidente do clube] organizou, zerou as dívidas, começou a dar lucro, a contratar, até chegar o nível de contratar jogadores que hoje ainda estão na melhor da forma. Jogadores repatriados foram contratados não pelo status de virem da Europa, mas porque ainda estão jogando bem. O futebol casou, obviamente, com o estilo de jogo, e o trabalho do Jorge Jesus. Tudo convergiu para o sucesso do Flamengo".

Legado do técnico português

O treinador brasileiro acredita que os resultados alcançados pelo Flamengo jogando de forma diferente, propondo o jogo de forma mais criativa e ofensiva pode deixar um legado importante para o futebol brasileiro, de priorizar não apenas o resultado, mas o jogo mais bonito.

"Acho muito importante o Flamengo vencer assim, o Santos vencer assim. Não é porquê é treinador estrangeiro, porque nós temos que priorizar os treinadores no Brasil que querem jogar para ganhar. Se bem que a gente é demitido, infelizmente, ninguém vê isso. Em Portugal, no meu primeiro ano com o Estoril, eu fiquei em décimo lugar num campeonato que eu tinha que subir, e a torcida foi lá pedir a minha permanência, aplaudindo e dizendo 'futebol bonito', e eu fiquei. No Brasil, eu teria tomado um pé na bunda no meio do campeonato. De 20 times e eu ficar em décimo? E no segundo ano subimos", comparou.

Outro ponto apontado como legado do trabalho de Jorge Jesus no Flamengo é na cobrança do empenho máximo dos jogadores, com menos "mi mi mi" para os atletas, segundo Vinícius Eutrópio.

Jorge Jesus não esconde a cobrança ríspida aos jogadores durante as partidas - Alexandre Vidal/Flamengo - Alexandre Vidal/Flamengo
Jorge Jesus não esconde a cobrança ríspida aos jogadores durante as partidas
Imagem: Alexandre Vidal/Flamengo

"Hoje os treinadores ficam um pouco reféns do maior patrimônio do clube, que é o jogador. Então, o que eu penso que o Jorge Jesus está deixando um legado. Para mim, não é sistema tático, não é nada, mas é a forma de gestão que os clubes brasileiros e nós treinadores estávamos sofrendo. Isso não foi só dito por mim não, foi dito por um grande, talvez seja o maior executivo do Brasil que eu não vou citar o nome, que é de outro time", afirma.

"Claro que a vitória ajuda demais, mas tem prazo limitado. Então, o maior legado dele é esse, a forma de tratar e a forma que os jogadores do Flamengo estão recebendo este tratamento. Eles estão sendo cobrados, têm que ser profissionais, têm que ser exigidos e os jogadores têm consciência que têm que ser assim, pronto e acabou", completa.

Apostila com professor Jesus

Vinícius Eutrópio enfrentou Jorge Jesus apenas uma vez em Portugal, em um amistoso no qual o Estoril surpreendeu o Benfica ao vencer por 3 a 2. A forma de o português montar seu time foi trazida ao Brasil como exemplo pelo treinador mineiro.

Vinicius Eutrópio com Carlos Alberto Parreira e Renato Gaúcho em curso da CBF - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Vinicius Eutrópio com Carlos Alberto Parreira e Renato Gaúcho em curso da CBF
Imagem: Arquivo Pessoal

"Quando eu voltei, em 2011, tinha o FutCom com várias pessoas, e eu dei uma palestra vindo da Copa do Mundo, também com o Parreira sobre a Copa e alguns times europeus. Neste [evento] estavam inclusos 14 slides do Benfica do Jorge Jesus, as duas linhas de quatro, o 4-4-2. Eu já dou aulas há quase dez anos na CBF e esses slides ainda passam para a gente. Eu acompanhei o trabalho dele mais de perto na Liga Portuguesa", afirma.

Vinícius Eutrópio ressalta ainda a importância de entender o que o trabalho de Jorge Jesus, sem que haja desprezo pelos técnicos brasileiros depois de uma temporada de domínio do português.

"Está havendo uma discussão que eu acho que chega a ser boba no sentido de às vezes ressaltar o trabalho de um, precisa menosprezar os outros. Em vez de falar que o Jorge Jesus está fazendo um bom trabalho, eles querem denegrir a imagem do treinador brasileiro. É só ressaltar o trabalho dele, tem treinadores bons em todos os lugares", finaliza.