Qatar do luxo da Copa esconde país de pobreza, imigrantes e saudade de casa
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É praticamente impossível caminhar por Doha (QAT) sem tropeçar em um prédio suntuoso ou em uma construção faraônica. Mas há uma cidade feita de carne e osso que se esconde por detrás da opulência de um dos países mais ricos do mundo, sede do Mundial de Clubes e da Copa do Mundo de 2022.
Em um país cuja população de 2, 7 milhões de habitantes é formada praticamente por imigrantes (cerca de 75%), essa massa que vem de vários cantos da Ásia e da África é responsável por manter o país em marcha. A cerca de 30 minutos do centro nervoso da capital qatari, eles se espremem em prédios sem tratamento adequado de água, esgoto e dividem o mesmo coração apertado pela saudade.
Não há uma razão sequer para o êxodo além da possibilidade de levantar dinheiro e proporcionar uma vida melhor para os familiares que ficaram em casa. Esse é o caso de dez entre dez imigrantes que fazem o trabalho pesado, não incluindo aí altos executivos estrangeiros que ocupam postos-chave em grandes corporações multinacionais.
A história de sete amigos do Sri Lanka se entrelaça e se encontra em um pequeno cômodo situado em um conjunto habitacional na área sul da cidade. Por mês, eles pagam 1500 rial (R$ 1680) por um quarto que é dividido por todos. Três beliches e uma cama compõem um cenário recheado por caixas, roupas e utensílios de uso pessoal. Na sacada e em móveis dispostos sem ordem pelo estreito corredor, espalham-se roupas estendidas, sapatos e sujeira.
"Eu vou voltar ano que vem, eu não gosto do meu trabalho. Ganho 1000 rial (R$ 1117) por mês como entregador e esse dinheiro não é suficiente para economizar e mandar algo para casa. A vida aqui é apenas ok, nada além disso", disse o desconfiado Jimbo, de apenas 22 anos.
Jokhthran é mais despachado, mas não menos desgostoso com a vida em Doha. Deitado na cama, ele, que "faz tudo", estava sem trabalhar naquele momento. Jura que gosta de futebol, mas não soube dizer o nome de seu jogador preferido no mundo.
"Eu tenho vontade de voltar para a Índia, os problemas políticos e religiosos é que são complicados. Há os hindus, os muçulmanos, os cristãos e um primeiro-ministro ruim, mas um dia eu volto", interveio o indiano Mohammed Najoob.
Com apenas um pano a envolver seu corpo, Najoob observava o preparo do almoço. Em uma mesa, Shaji e Rajesh, dois companheiros de quarto, aprontavam a comida na cozinha comunitária que atende os moradores do térreo. No cardápio do dia, arroz com abobrinha, cebola, alho e especiarias, além de frango. Bem ao estilo indiano.
O trio hindu de motoristas parece um pouco melhor resolvido com a dificuldade imposta pelas barreiras. Quando perguntado a que hora fincaria raízes no país natal, Najoob ainda encontrou espaço para uma brincadeira que encheu o espaço com uma só gargalhada:
"Quando eu juntar meu primeiro milhão".
A estimativa é de que ao menos cerca de US$ 30 bilhões (cerca de R$ 122,3 bi) sejam investidos apenas em estruturas para a competição do Mundial de 2022. No país dos contrastes quase ocultos, são mãos como as dos vizinhos Jimbo, Mohammed, Rajesh, Jokhthran, Shasi e Selva que ajudarão a construir aquilo que lhes esconde.
Condomínio de trabalhadores
A poucos metros do reduto destes asiáticos está um local chamado Labour City, que abriga mais de uma centena de prédios exatamente idênticos que servem como moradia para operários estrangeiros que trabalham em grandes construções de Doha.
O lugar lembra um pouco um campo de concentração, com suas entradas vigiadas por guardas e cancelas que barram a entrada de pessoas e veículos não autorizados. Sem identificação necessária, não entra.
Por entre os corredores do conjunto habitacional, pouco movimento, pois era hora de expediente. Na sexta-feira, dia sem trabalho, o lugar ferve, garantiu o motorista Shamil, também do Sri Lanka.
Confinados em espaços que lhes pertencem, os imigrantes não se misturam à minoria qatari, que vive também enclausurada em algumas bolhas de riqueza na capital mundial do futebol até 2022.
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