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Aposentado, Lúcio lembra fases da carreira: "Gratidão por tudo que passei"

Ex-zagueiro Lúcio ao lado da réplica da taça da Liga dos Campeões que conquistou com a Inter - Marinho Saldanha/UOL
Ex-zagueiro Lúcio ao lado da réplica da taça da Liga dos Campeões que conquistou com a Inter Imagem: Marinho Saldanha/UOL

Marinho Saldanha

Do UOL, em Porto Alegre

31/01/2020 04h00

O zagueiro Lúcio anunciou sua aposentadoria. Aos 41 anos, o pentacampeão da Copa do Mundo com a seleção brasileira, em 2002, optou por pendurar as chuteiras. E ao olhar para trás, avalia os momentos bons e ruins da carreira, do ápice com Bayern de Munique e Inter de Milão, ao futebol pobre de Brasília e as passagens por Palmeiras e São Paulo. Independente da fase, gratidão é a palavra utilizada por ele.

Lúcio tem um "museu pessoal" em Porto Alegre. A ligação com a cidade se dá pela projeção atingida no Internacional no início de sua carreira, e é na capital gaúcha que estão chuteiras, camisas e réplicas de taças conquistadas pelo zagueiro. O acervo dos mais diversos uniformes, títulos, medalhas e lembranças, será aberto, no futuro, para visitação. E até então é o escritório do agora ex-atleta.

E foi lá que ele recebeu a reportagem do UOL Esporte e avaliou os mais de 20 anos de trajetória no esporte.

UOL: Como foi a decisão de parar?
Foi uma decisão difícil, às vezes bate a ansiedade. Mas, como já vou completar 42 anos [em 8 de maio], são mais de 22 anos de carreira no futebol. Comecei a perceber que não tinha a mesma alegria, a mesma vontade de jogar futebol como antes. Já não tinha disposição. Comecei a perceber que era o momento de pendurar as chuteiras e poder dar mais atenção para minha família e criar novos ares na minha vida. Foi uma decisão difícil, mas no momento certo. Tudo aconteceu de acordo com o que sonhava e até muito mais

Lúcio ao lado da camisa do título da Copa do Mundo com a seleção brasileira - Marinho Saldanha/UOL - Marinho Saldanha/UOL
Imagem: Marinho Saldanha/UOL

UOL: Qual a sensação de olhar para trás e avaliar tudo que aconteceu?
Uma sensação boa. Se pudesse prever o que seria, ficaria muito feliz com só a metade disso. Mas Deus foi tão bom e generoso que me deu as oportunidades. E com trabalho, dedicação, profissionalismo, olhamos para trás e vemos que tudo o que conquistamos não foi acaso ou sorte. Com trabalho, amigos, família, aproveitamos as oportunidades sempre tentando fazer o melhor. Com alegria, prazer a gratidão por tudo isso que passei é que olhamos para trás.

UOL: Em quais clubes você mais se identificou?
Por onde eu passei, sempre tive bom relacionamento, sempre foram clubes que a gente acabou tendo uma boa relação, boas lembranças...Mas Bayern de Munique e Inter de Milão foram onde passamos um tempo grande, conquistamos títulos, temos prestígio e respeito até hoje. Foram clubes que marcaram minha carreira. E aqui no Rio Grande do Sul, o Internacional que me projetou para tudo isso, deu essa alavanca na minha carreira. Cheguei à seleção jogando pelo Inter e sou muito grato ao clube.

UOL: Com quem você ainda mantém contato de seus ex-colegas?
Em todos os clubes onde eu passei tive uma boa relação. Guardo contato com todos. Ainda com pessoal da Índia, da seleção brasileira, temos um grupo de WhatsApp, da Inter de MIlão, do Bayern... Temos contato porque sempre estamos indo lá [na Alemanha] e conseguimos falar com jogadores da nossa época. O pessoal da seleção, Kaká, Roberto Carlos, Juan, Marcos, Denílson, conseguimos nos falar. Temos contato, boas lembranças, o Cafu, toda essa galera que jogamos juntos... Tentamos preservar as amizades e as boas lembranças. Vivemos momentos inesquecíveis e isso é para vida toda.

Réplicas das taças da Copa do Mundo e do Mundial de Clubes no acervo de Lúcio - Marinho Saldanha/UOL - Marinho Saldanha/UOL
Imagem: Marinho Saldanha/UOL

UOL: Você conhece muito bem o futebol europeu. Esteve na última conquista da seleção brasileira na Copa do Mundo, em 2002. Como você avalia o crescimento de outras seleções e as dificuldades do Brasil?
Eu acredito que não foi só um crescimento de repente. Se olhar os últimos anos da Alemanha, foram muito bons. Sempre entre os primeiros. O futebol alemão teve essa vantagem, é mais programado, se organizam, e reconhecem quando não estão bem. Foi a grande vantagem deles aqui no Brasil. Cresceram no momento certo, evoluíram no momento certo. Essa foi a vantagem da Alemanha aqui em 2014, e o Brasil, na última Copa, mostrou que não é somente ter melhor time, tem que saber se posicionar muito bem, a questão tática, emocional, e tudo prova que o Mundial não é fácil. Deixa muito bem claro, porque, desde 2002, o Brasil não é campeão. E não vão ser fáceis os próximos mundiais. O Brasil tem que tomar de lição os últimos mundiais para entrar com objetivo maior, e o favoritismo pode ter atrapalhado nas duas últimas Copas. Assim como foi em 2006. Todos se preparam, as outras seleções estão evoluindo, e isso dificulta bastante.

UOL: E entre clubes, você considera que a distância entre sul-americanos e europeus cresceu muito?
O futebol brasileiro, a forma como os clubes se programam e projetam para cada temporada é muito diferente do europeu e isso traz essa distância. Lá tem uma programação muito bem feita. A questão dos clubes serem bem esclarecidos lá foram, sem política, isso ajuda o futebol Ao contrário do Brasil, onde existe política nos clubes e o jogo de interesses acaba prejudicando. Isso faz com que os clubes regridam, não evoluam. Na Europa, o tema principal é competir, jogadores, evolução do clube. Aqui os clubes têm dívidas enormes, problemas financeiros, problemas judiciais, e isso atrapalha, tira o foco dos clubes, o objetivo, e impede de chegar mais perto dos europeus.

UOL: Como foi sua passagem pelo futebol da Índia?
Eu quis ir para Índia. São torneios de seis meses, outros personagens do futebol mundial tinham ido, estavam participando, eu tinha o desejo de conhecer a cultura e viver o país por curiosidade. E também com o prazer de jogar futebol. Fui para um clube que o técnico era o Zico [Goa FC], o Roberto Carlos treinava outro clube [Delhi Dynamos], havia grandes nomes do futebol. Isso trouxe alegria, prazer, os estádios cheios, era um show, era competitivo, nível muito bom de organização, os clubes se preparavam, jogos com no mínimo 40 mil pessoas no estádio. Estava muito feliz.

UOL: E em Brasília, no fim da sua carreira, imagino que tenha encontrado uma realidade diferente...
Em Brasília, o futebol é diferente, decadente, os clubes não têm estrutura. Eu jogava mais por ser de lá e ter prazer de jogar futebol. No último ano, sem dúvida, os clubes que eu passei, Gama e Brasiliense, não me davam a mesma alegria, satisfação de acordar cedo, treinar e viajar para jogos. E isso me ajudou a tomar esta decisão. Ali era mais um prazer de jogar futebol, não que o prazer tenha acabado, mas as condições acabaram que não era válido continuar jogando e pagar um preço de ficar longe de São Paulo, onde vivemos hoje, para jogar ali. Essa decisão não foi somente por isso. Quando se acorda pela manhã para treinar, pensa em viajar, e isso não te traz prazer e alegria, foi o momento de olhar, calcular prós e contras e tomar essa decisão.

UOL: O que mais te surpreendeu?
O que mais eu pude perceber era que o único lugar onde a estrutura, clubes, competição, para mim não valia a pena era em Brasília. Lá, além de uma estrutura muito abaixo do mínimo que um profissional necessita, o que mais me decepciona é saber que todas as equipes estão jogando o campeonato com público muito baixo. A visibilidade é quase nenhuma em comparação com outros estaduais e competições nacionais, e ainda assim estes clubes, ao invés de se juntarem para fazer uma liga mais forte para promoverem a evolução do futebol de lá, é ao contrário. Brigam entre si, um prejudica o outro e vivem esta situação. Isso me deixou desgostoso, desacreditado numa evolução do futebol de lá.

Chuteiras utilizadas por Lúcio ao longo da carreira de atleta por mais de 20 anos - Marinho Saldanha/UOL - Marinho Saldanha/UOL
Imagem: Marinho Saldanha/UOL

UOL: No retorno ao Brasil, você passou por São Paulo e Palmeiras. Foi como você esperava?
Como eu esperava não, mas foi uma decisão que tomamos. No São Paulo foi um período muito curto. No Palmeiras tivemos um ano melhor. É normal no futebol brasileiro a troca de dirigentes, muita política, isso foi uma decepção grande, com a política, que fala mais alto do que verdadeiramente os interesses do clube, isso me deixou triste. Mas foi válida a experiência, não são só glórias a carreira, há momentos de dificuldade e luta. Foi isso. Mas conseguimos passar por isso e superar bem.

UOL: Houve proposta do Inter nesta época?
Não aconteceu, infelizmente. Não tivemos oferta nem procura do Internacional. Sem dúvida talvez fosse interessante, eu iria, sem dúvida, me sentir muito feliz. Entre optar por um clube que eu nunca joguei e optar pelo Internacional, daria preferência ao Inter. Não aconteceu. Mas eu sei como é o futebol no Brasil, equipes com estrutura, se preparam de alguma forma, e não aconteceu. Tive a opção de São Paulo e Palmeiras, e foi para onde eu fui.

UOL: E agora, qual seus planos para o futuro?
Vou cuidar de perto das minhas coisas, administrar nosso patrimônio, pensar com calma no futuro, e neste ano pretendo fazer os cursos de gestão, de treinador, que é algo que eu gosto e, sem dúvida, vou tentar ir por este caminho, até para sentir se eu terei mesmo este feeling, este dom. Sabemos que jogar futebol é uma coisa, treinar é outra e fazer gestão é outra. Não é porque foi um grande jogador, que será treinador ou gestor. Vou me especializar nessas duas áreas e deixar as coisas acontecerem para tomar o melhor caminho.