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Fria, série da Amazon sobre seleção frustra e não entrega o prometido

Neymar sai da carregado no primeiro tempo do amistoso do Brasil com a seleção do Qatar, em Brasília - Reprodução
Neymar sai da carregado no primeiro tempo do amistoso do Brasil com a seleção do Qatar, em Brasília Imagem: Reprodução

Pedro Lopes

Do UOL, em São Paulo

31/01/2020 04h00

"Se (você) está percorrendo o caminho dos teus sonhos, assuma ele com coragem", diz Tite nos primeiros minutos de "Tudo ou nada: seleção brasileira", série documental de cinco episódios (cerca de 1h cada)* sobre a conquista da Copa América 2019 que estreia hoje (30) na plataforma Amazon Prime. A coragem, tema recorrente nos discursos do comandante brasileiro durante os quatro episódios disponibilizados ao UOL Esporte, é o ingrediente que falta para que a produção entregue o que promete na sinopse: "acesso jamais visto aos bastidores do time de futebol mais famoso do mundo".

A presença da equipe de filmagem na concentração durante a preparação e a disputa da Copa América chamou a atenção de toda a imprensa que cobria a seleção brasileira. Acesso aos bastidores de um mês que começou com Neymar sendo acusado de estupro, sofrendo uma lesão dramática e sendo cortado aos prantos, passou por vitória sobre a Argentina e terminou com título no Maracanã. A receita tinha potencial para resultar em um registro histórico, emocionante e inédito na história da camisa amarela, mas é frustrada por uma abordagem conservadora, de ar institucional.

Pretende-se aqui evitar ao máximo os "spoilers", mas, até para prestar um serviço ao leitor e potencial espectador, é importante tirar algo do caminho: a série não explora com nível algum de detalhes o drama vivido por Neymar. A denúncia de estupro da modelo Najila Trindade e suas repercussões são tratadas em poucos minutos.

Reações do camisa 10 e dos outros jogadores à notícia, a dimensão do seu impacto no ambiente da seleção, as visitas da polícia à Granja Comary, o choro de Neymar e o apoio do pai no vestiário após a lesão que o tirou da Copa América. Nada disso é mostrado. A maior parte das falas e reações apresentadas sobre a tempestade que a acusação — posteriormente arquivada pelo Ministério Público — provocou no ambiente da delegação é retirada das entrevistas coletivas dadas à imprensa na época.

Tite é personagem central ao longo dos quatro episódios. Não se pode negar que a série documental prova a autenticidade do comandante brasileiro. As cenas de preleções e interações com outros membros da delegação mostram um Tite original, aquele que se apresenta à imprensa e aos torcedores é o mesmo dos atletas. Desde a terminologia usada, o já tradicional "titês", passando pela postura serena nas interações e a habilidade no discurso motivacional.

O retrato do comportamento do técnico nos bastidores interessa nos primeiros episódios, mas acaba se tornando repetitivo. A tal autenticidade joga contra o documentário: o que é mostrado de Tite em ação não traz revelações surpreendentes para quem acompanha sua longa carreira.

A incapacidade de surpreender é um dos problemas recorrentes de "Tudo ou nada: seleção brasileira". O acesso aos bastidores aparece nas imagens, mas o conteúdo que se retira dele, na maior parte do tempo, passa longe de ser inédito. Preparadores físicos falando sobre individualizar trabalho dos jogadores, atletas falando sobre o privilégio de representar o país ou de enfrentar Messi, Tite dizendo que não existe nada mais gratificante do que defender a seleção. Pode ser o suficiente para entreter quem é fã de futebol, mas não passa muito longe do que acontece nas entrevistas coletivas do dia a dia ou vídeos institucionais da própria CBF. Até a frase "gol é o momento mais importante do futebol" faz uma aparição.

Isso não significa que não haja bons momentos na produção. Richarlison é um deles. Em cada minuto que aparece, o atacante do Everton rouba a cena e provoca risadas com suas frases e brincadeiras. Há também momentos genuínos e emocionantes nas incursões que a série faz nas cidades e comunidades de origem de vários atletas, seus amigos e familiares. Entusiastas táticos devem curtir a montagem da estratégia brasileira para conter Guerrero e Messi nos confrontos contra Peru e Argentina. As imagens das partidas na caminhada rumo ao título também merecem ser vistas.

De modo geral, entretanto, a abordagem conservadora e problemas de tom impedem que a produção alce voos mais altos. Em um momento, a série tenta abordar a politização da camisa amarela, sem explicar ou explorar a polarização política que atinge o Brasil. O resultado é confuso e superficial, e deve deixar espectadores estrangeiros coçando a cabeça — esta é a primeira produção em língua não-inglesa da série "All or Nothing". A delegação brasileira é retratada como uma engrenagem quase perfeita, permeada pela espiritualidade e caminhando em harmonia, de mãos dadas em direção ao objetivo e ao bem maior. Falta uma pitada da velha falibilidade humana.

A narrativa é construída de modo a mostrar o reacendimento do amor entre torcida e seleção brasileira que sai da descrença e termina na conquista da Copa América. Existe aqui o suficiente para entreter os fãs de futebol, mas despertar paixões requer algo mais emotivo, cru e visceral. "Tudo ou nada: seleção brasileira" até merece ser visto, mas a oportunidade de transformar a tempestade que se abateu sobre a delegação brasileira entre maio e julho de 2019 em um registro histórico e emocionante é desperdiçada.

Produzida pela Pitch International, parceira antiga da CBF, e pela bigBonsai, a série pode ser assistida por meio do aplicativo Amazon Prime Video para Smart TVs, dispositivos móveis, Fire TV Stick, Apple TV e Chromecast, além de transmissão online. A assinatura custa R$ 9,90 mensais, e há possibilidade de um mês de teste gratuito.