Mais lesões no sintético? O que a ciência diz sobre a nova grama do Allianz
O gramado sintético do Allianz Parque vai provocar mais lesões do que antes? O solo fica mais quente do que a grama natural? O atrito com a "borrachinha" [termoplásticos, no caso da arena] queima a pele? O UOL Esporte se debruçou sobre estudos científicos para esclarecer alguns mitos e boatos sobre o campo artificial do estádio do Palmeiras, que será inaugurado em jogo contra o Mirassol, no domingo (16), e vai receber mais um treino na manhã de hoje (13).
Não há evidências científicas de que a grama sintética aprovada pela Fifa provoque mais lesões do que a natural. A maioria dos estudos publicados sobre o assunto conclui que a incidência de contusões é praticamente idêntica sobre os dois terrenos, que desta forma seriam igualmente seguros para o atleta.
O Allianz Parque diz ter a melhor tecnologia disponível no mercado, segundo a empresa responsável pelo novo campo, portanto tende a não ter impacto na frequência de contusões. A promessa é de que o terreno de jogo se mantenha com a mesma qualidade "do primeiro minuto aos 49 do segundo tempo".
O primeiro ponto importante é que não há um único tipo de grama sintética, mas vários e de diferentes qualidades. Os campos artificiais de alto padrão são totalmente diferentes das quadras de society comuns, por exemplo, o que é essencial no esporte profissional.
Um estudo publicado no Jornal de Medicina Esportiva, na Inglaterra (Jay H. Williams, 2013), encontrou sinais de "menor risco de lesão na grama sintética do que na grama natural". Foram compiladas quase 10 mil lesões ocorridas em 1,5 milhão de horas de treinos ou jogos, incluindo categorias de base e futebol profissional de diversos países. A incidência proporcional de lesões é praticamente idêntica entre o campo artificial e o natural, de modo que os dois terrenos se equivaleriam neste sentido.
O artigo citado acima tomava o cuidado de evitar conclusões definitivas "até que se saiba mais sobre como cada estilo de jogo afeta a incidência de lesões", mas desde 2013 a grama sintética evoluiu.
O modelo usado no Allianz Parque já foi homologado pela Fifa em 25 campos europeus. "O fabricante [da grama do Allianz] tem um laboratório de estudos constantes, é o mesmo laboratório usado pela Fifa. Não existe opção melhor no mundo hoje; isso aqui é um trabalho primoroso de tecnologia", diz Edson Gomes, gerente comercial da Soccer Grass, a empresa que instalou a nova grama.
Risco para os tornozelos
Um artigo mais recente (Sean Calloway, 2019) analisou mais de 2 mil lesões, durante quatro temporadas da liga norte-americana Major League Soccer (MLS), na grama sintética qualificada como "2 estrelas" pela Fifa — o mesmo nível da usada no Allianz Parque. A conclusão é que "a taxa geral de lesões em grama artificial é semelhante à da natural". No entanto as lesões no tornozelo, especificamente, foram mais frequentes no sintético.
O risco para os tornozelos teria a ver com a composição da grama sintética, que é mais resistente e não se solta em tufos. Esta hipótese ainda carece de mais estudos, mas como crença é bastante difundida: há quatro meses, o francês Paul Pogba não jogou uma partida do Manchester United na Holanda porque voltava de lesão no tornozelo. "Eu não teria arriscado a usá-lo na grama sintética", disse o técnico Gunnar Solskjaer na ocasião.
Uma das qualidades do novo gramado Allianz Parque é justamente a firmeza, diz a Soccer Grass. O sintético palmeirense é costurado três vezes na base, e os fios "não saem nem com alicate", diz a empresa, que nega aumento do risco de lesões no tornozelo.
"Temos este tipo em oito estádios na Europa e em Doha. Todos os testes que são feitos na grama artificial são extraídos dos melhores da grama natural. Os laboratórios criam referência de quique de bola, tração e rotação da chuteira e absorção de impacto. Tudo isso deve ser igual ao natural", afirmou Alessandro Oliveira, CEO da Soccer Grass.
"No CT da Holanda, o jogador faz a recuperação de lesão e primeiro pisa na grama artificial antes de ir para o natural, por causa da absorção do impacto. Volta o atleta com lesão e pisa em algo que não possa prejudicar e se recuperar antes de ir para o gramado natural", acrescentou.
Sintético piora com o tempo e carece de cuidados
Um outro estudo (Kohei Fujitaka, 2017) analisou 400 jogadores universitários dos EUA em um período de 12 anos, acompanhando a evolução das lesões antes e depois de a grama natural ser substituída pela sintética. No primeiro ano do sintético —em perfeitas condições —, o número de lesões é praticamente idêntico ao do último ano de grama natural.
Então as lesões aumentam à medida que o campo artificial não recebe manutenção, e só voltam a cair após uma reforma adicionar mais "borrachinhas" ao sintético. "É necessário levar em consideração as alterações que ocorrem no gramado artificial ao longo do tempo", conclui o artigo.
No Allianz Parque, a manutenção será realizada antes de cada jogo: uma máquina passa pelo gramado e recolhe todo o granulado emborrachado, para os peneirar, descartar as impurezas e redistribuir o granulado pelo campo de forma homogênea. É uma forma de manter a grama sempre com a mesma qualidade. A fabricante da grama dá garantia de oito anos, mas a vida útil pode chegar aos 15.
O cuidado com a grama artificial, de acordo com a WTorre, será semelhante ao demandado pelo piso natural. A aposta com este tratamento é aumentar a vida útil do piso instalado na arena, que terá o primeiro jogo competitivo neste fim de semana.
Jogadores ainda temem o sintético
Mesmo que a grama artificial tenha aval da Fifa e dos estudos citados, muitos torcedores e até jogadores e técnicos ainda mostram certa resistência à novidade. Em uma pesquisa feita na MLS (Constantine Poulos, 2014), 94% dos jogadores questionados acreditavam que seria mais provável se lesionar na grama artificial do que na natural. Eles argumentam que o sintético é mais duro, a borracha causa mais atrito e os submete a um "maior custo metabólico" do que o campo tradicional.
Na Escócia, um movimento encabeçados por nove clubes da elite pediu o banimento dos gramados sintéticos. Steven Gerrard, ídolo do Liverpool e atual técnico do Glasgow Rangers, chegou a classificar os campos artificiais como "perigosos" e que "o jogo estaria melhor se eles não existissem".
Outras perguntas e respostas sobre a grama sintética do Allianz:
O sintético esquenta mais do que a grama natural? O atrito com a borracha pode queimar a pele?
O protocolo da Fifa exige que o gramado, natural ou sintético, seja regado uma hora antes de a partida começar. Isso esfria e diminui o atrito com o solo. Por isso não há risco de queimaduras. A própria borracha granulada diminui a temperatura da grama em até 15°C, segundo informa a Soccer Grass. Este cuidado também deve evitar cenas como as do mês passado em Porto Alegre, quando a temperatura do sintético chegou a 61°C durante um jogo do Inter.
Como o gramado vai manter a qualidade durante os anos de garantia?
"Todo ano haverá um teste da Fifa para homologar o campo, até o término da garantia. Então as condições do gramado serão sempre as mesmas exigidas pela Fifa", diz Edson Gomes, representante da Soccer Grass. O primeiro deve acontecer até o meio de março.
Há algum risco de doenças respiratórias por causa das partículas do gramado?
"Nenhum produto utilizado neste sistema de gramado é tóxico. Nem antes nem durante a aplicação", afirma a o representante da Soccer Grass.
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