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Coronavírus: árbitros ficam sem receber e têm futuro incerto sem calendário

Leonardo Gaciba, chefe da Comissão de Arbitragem da CBF - reprodução/CBF
Leonardo Gaciba, chefe da Comissão de Arbitragem da CBF Imagem: reprodução/CBF

Marcello De Vico e Pedro Lopes

Do UOL, em São Paulo

26/03/2020 04h00

Enquanto clubes e jogadores debatem uma possível redução de salários em meio à crise do coronavírus, os árbitros já estão sem receber. Remunerados por partida, juízes e banderinhas ficaram sem renda com a suspensão de todas as competições no território brasileiro e têm o futuro financeiro incerto. Na elite do futebol brasileiro, vários se dedicam integralmente a apitar jogos, e o clima na categoria é de apreensão.

O receio de falar abertamente é prevalente entre quem ainda está em atividade. Procurados pelo UOL Esporte, árbitros que atuam no futebol brasileiro preferiram permanecer em anonimato, mas três deles revelaram apreensão com a falta de renda sem partidas acontecendo, e com a ausência, até o momento, de qualquer plano de contingência por parte de federações e confederações. Uma das fontes ouvidas explicou que, embora a profissão não seja regulamentada e a remuneração seja por partida apitada, atualmente vários árbitros tiram seu sustento exclusivamente dessa atividade.

Entre quem já pendurou o apito, entretanto, as restrições são menores. O ex-árbitro Márcio Chagas da Silva divulgou na semana passada um texto chamando a atenção para a situação da arbitragem durante a paralisação das atividades do futebol brasileiro.

"Sabiam que durante essa paralisação os árbitros estão sem remuneração pois são contratados a cada jogo? Na rotina do juiz, que é ele próprio que financia seu material de trabalho?", afirmou. "Vocês sabiam que não há profissionalização do árbitro de futebol no Brasil? Essa função é uma atividade não regulamentada como profissão", explicou.

Em contato com a reportagem, o presidente do Sindicato dos Árbitros do Estado de São Paulo e árbitro Aurélio Sant'Anna Martins confirmou as dificuldades vividas por juízes brasileiros e fez críticas ao comportamento de federações e da CBF.

"A situação está feia. Tenho conversado com os árbitros, e muitos se dedicam, às vezes, 100% para a arbitragem, vive disso mesmo. Se não é 100%, mais de 60 ou 70% é dedicado à arbitragem. Infelizmente não temos um respaldo da Federação Paulista, da CBF, no que diz respeito a um reconhecimento dessa dedicação", explicou.

Além de presidente do sindicato, Sant'Anna também é árbitro, e reconhece o receio dos companheiros de profissão em se posicionar publicamente. Na sua opinião, isso acontece porque federações e CBF controlam a escala - consequentemente, o número de jogos nos quais os árbitros irão atuar e, com isso, sua remuneração.

"Muitos dos árbitros terão receio de falar. Eu, como já estou em fim de carreira - ainda estou atuando, mas afastado por causa da presidência, já que o regimento interno proíbe de apitar jogos profissionais -, nunca tive receio de falar. Vinte anos que estou na arbitragem, cheguei na CBF e tudo mais, e sei que, às vezes, não fui muito para frente porque nunca deixei de falar. Só que os árbitros têm muito receio de falar e ficar fora de escala. Estive presente no julgamento do (Diego) Lugano (dirigente do São Paulo), e o árbitro do jogo São Paulo e Corinthians claramente ficou com receio de falar, e o próprio Procurador me questionou isso. E eu falei: 'os árbitros ficam com receio'. Quem fala, fica fora de escala, infelizmente".

Sant'Anna afirmou que já iniciou negociações por um posicionamento da Federação Paulista sobre o assunto, mas, até o início da semana, não tinha tido uma resposta. Caso ela não venha, o dirigente sindical não descarta recorrer à Justiça

"O que fizemos nessa semana foi protocolizar na Federação Paulista um ofício solicitando uma remuneração aos árbitros nesse tempo que os campeonatos ficarem parados. Infelizmente ainda não tive resposta da Federação, e inclusive a maioria dos ofícios que temos protocolizado eles não têm tido uma resposta. Talvez a gente tenha que tomar medidas judiciais para resguardar os direitos e a subsistência dos árbitros", afirmou. "O pessoal está preocupado, alguns até desesperados, e a gente pede bom senso. No protocolo menciono que isso é necessário para a subsistência do árbitro e da família, e menciono também que, em todos os treinamentos, testes físicos, escritos, tudo é à custa do árbitro".

A reportagem entrou em contato por mensagens com o presidente da comissão de arbitragem da CBF, Leonardo Gaciba, no final da semana passada, mas não teve resposta. Diante disso, repetiu o contato no início desta semana, mas novamente não teve nenhuma resposta. Todas as mensagens foram registradas como visualizadas no aplicativo de mensagens poucas horas após o envio.

A Federação Paulista também foi contatada, e enviou o seguinte comunicado:

"A pandemia do novo Coronavírus, que tem paralisado as atividades econômicas em todo o mundo e culminou com a suspensão das competições organizadas pela FPF, gera impacto em todos os setores do futebol: atletas, treinadores, funcionários, árbitros, clubes e todas entidades do esporte, além dos patrocinadores e parceiros de mídia.

Toda equipe da FPF segue trabalhando em regime remoto (home office), em contato com as autoridades e entidades de administração do esporte, para mapear constantemente os efeitos da paralisação.

Mantemos contato constante com todos os agentes envolvidos no futebol, a fim de encontrar maneiras de minimizar o impacto dessa crise para todos, incluindo os árbitros"

Também procurada pela reportagem, a presidente da Comissão de Arbitragem da FPF, Ana Paula Oliveira, preferiu não responder às críticas feitas pelo Sindicato.