Ele revelou Firmino e Willian José e ainda evitou que Pepe fosse agredido
"Nós tivemos que correr para o meio do campo. Iam pegar o Pepe. Juntei com os jogadores e com o resto do pessoal que viajou comigo e fizemos um cordão de isolamento. 'Ninguém chega perto dele', eu disse. Nesse dia, o Pepe se livrou de apanhar."
"O Firmino começou como volante, mas era muito habilidoso. Esse controle e batida na bola que todo mundo vê hoje, eu já via no CRB. O potencial sempre estava lá e nós tivemos um bom tempo para lapidá-lo."
Essas são duas memórias de Guilherme Farias, que trabalhou por muito tempo na formação de jogadores alagoanos que obviamente viriam a causar grande impacto no futebol mundial e em seleções nacionais. O curioso aqui é notar que, de todas as coisas que ele pensava em fazer há 36 anos, o esporte passava pouco pela sua cabeça. Não gostava. Pior: sequer torcia para o CRB, time em que mais trabalhou durante todos esses anos.
Não fosse por uma longa série de coincidências, Guilherme jamais teria participado da projeção de Pepe, Firmino e outros tantos e jogadores alagoanos que brilhariam mundo afora, como o centroavante Willian José. Essa história começa em 1984, quando o técnico foi contratado para trabalhar como roupeiro no CRB.
À época, teve de aprender como desempenhar a função. Demorou pouco para desenrolar. Depois, fez as vezes de massagista, porque havia uma necessidade no clube. A cada vez que podia, dava uma olhadinha nos treinos dos times para aprender uma coisa ou outra. Descobriu, enfim, o gosto pelo futebol e pensou se não poderia crescer um pouco mais na profissão.
Em 1989, Guilherme se tornou técnico do time Sete de Setembro. Era a sua primeira experiência no comando, mas se saiu bem: até foi campeão em cima da base do CSA naquele ano. Guilherme, então, só voltaria ao CRB em 1996, quando o clube não conquistava título há dez anos.
Três décadas e muita história para contar
Um pouco depois do retorno, Guilherme conheceria o seu primeiro atleta de alcance internacional. Era Képler Laveran de Lima Ferreira, mais conhecido como Pepe, que mostraria talento e seria convidado pelo técnico em pessoa para jogar no CRB. Foi aí que também conheceu o temperamento já intempestivo em campo quando muito jovem.
"O Pepe jogava em um time no Benedito Bentes, bairro em que morava, e ele me chamou a atenção. Conversei com alguns amigos e descobri onde era a casa dele. Fui lá, falei com o pai dele, o seu Anael, e conseguimos levar ele para o CRB. Ele tinha 13 anos. Só que, imagine, o Pepe me deixou na mão duas vezes", contou o técnico, aos risos.
A primeira vez foi numa competição fora de Alagoas. Estava o time inteiro na Bahia e era um jogo pegado. Guilherme não lembra qual era o time adversário, porque se atordoou no meio da partida: Pepe tinha metido a mão em um dos atacantes e o clima fechou. Até a torcida desceu para bater no menino, conforme relatado na declaração que abre esse texto.
Na outra oportunidade, menos engraçada, Pepe foi expulso antes de uma final que seria disputada entre CRB e seu maior rival, o CSA. O time alvirrubro venceu o jogo, mas o zagueiro alagoano teve de assistir à partida da arquibancada. "É um jogador que sempre fiz questão de acompanhar e espero encontrar novamente", afirma o alagoano, que só treinou times nas categorias de base e tem 81 títulos conquistados.
Firmino foi o craque
Quando a mãe de Firmino encontrou Guilherme, só pediu que o filho fizesse um teste no clube. Era uma tarde de quarta-feira, e o técnico mandou que o menino se vestisse e fosse a campo. Viu três jogadas e garantiu a assinatura do contrato. Foi assim, sem cerimônia: estava claro que valia o investimento.
Com Guilherme, Firmino viajou para várias competições, inclusive em São Paulo. Como o pai do menino estava desempregado e as condições financeiras eram complicadas, o técnico e o clube o ajudavam a complementar os recursos. O futebol poderia tirá-los daquela realidade. E tirou.
Firmino tinha também uma inocência. Sempre sorria, mas falava pouco. Lembro da última vez em que nos encontramos, na despedida de solteiro dele, em que pude abraçá-lo e dizer que estava muito feliz por ele estar tendo sucesso no futebol. A cada transferência dele, eu me empolguei. Quando ele foi para a seleção brasileira, chorei e me arrepiei, como se fosse eu
Guilherme Farias
Talvez Firmino nunca soubesse, mas Guilherme o acompanhou de perto quando ele saiu do CRB para o Figueirense. O técnico comprou o pay-per-view disponível e assistiu a todos os jogos do garoto até que ele fosse para o Hoffenheim, da Alemanha. Há anos, entretanto, não se falam.
Willian José foi a surpresa
Calado, humilde e quase sempre no banco de reservas. Assim foi o começo de Willian José, da cidade de Porto Calvo, interior de Alagoas, e que também passou pelo CRB. Tem pouca história para contar sobre o clube; foram apenas seis meses e não teve o contrato renovado.
"No começo, não fazia muitos gols, mas depois evoluiu", conta o treinador,
Dos atletas que Guilherme treinou, Willian foi considerado a maior surpresa quando começou a crescer no futebol. Assim como Firmino e Pepe, conseguiu chegar à seleção e também ao sucesso na Europa. Quando criança, não indicava isso.
O que me alegra na história do Willian é que ele merecia muito. A gente percebia o quanto ele era esforçado, o quanto queria. As coisas não aconteceram muito para ele no CRB, mas depois disso ele cresceu bastante. Fico muito feliz
Guilherme Farias
O menor da turma e a caneta em Neymar
Otávio Henrique, de todos, era o menor e também o mais novo. Saiu do Jacintinho para o CRB e fez toda a base em Alagoas com Guilherme, antes de ir para o Athletico-PR e depois Bordeaux, fazendo seu nome na França. É o único que mantém contato constante com o ex-treinador, hoje com 61 anos.
O jogador passou a ser considerado um dos mentores que ajuda Guilherme com a categoria de base do clube na busca por novos talentos. Otávio sempre atende quando Guilherme liga, conversa com os jogadores da base e dá conselhos aos futuros do CRB e da seleção brasileira, a pedido do técnico.
Autor do lance que mais chamou a atenção nos treinos da seleção em maio do ano passado — a caneta em Neymar —, o lateral direito Weverton Guilherme também surgiu do mesmo ninho do Galo, mas não chegou a jogar na seleção principal.
Depois do lance, foi anunciado que ele não iria mais participar das atividades na Granja Comary. O Cruzeiro pediu à Confederação Brasileira de Futebol (CBF) a liberação do jogador e ele foi substituído por Klebinho, do Flamengo, hoje jogando no Tokyo Verdy.
Trabalho da base ainda precisa melhorar
Uma das grandes dificuldades que Guilherme enfrenta até hoje é a falta de paciência de alguns atletas e empresários. Segundo ele, muitos querem antecipar o que deve ser feito com o jogador e isso dificulta a curva de crescimento.
"Nós temos um planejamento. Nosso Estado é pequeno, mas temos boas condições para dar a esses meninos, para prepará-los para fazer testes em São Paulo, no Rio de Janeiro. O que acontece é que, às vezes, as pessoas tentam queimar essas etapas e aí os meninos não passam nos testes, voltando desmotivados", lamenta o técnico.
Para ele, entretanto, tudo isso é um combustível. Não o fez enriquecer, mas o alegra.
Neste ano, cinco atletas da categoria de base foram promovidos ao time principal. Destes, três passaram pelo técnico. Adson, Ruan e Darlisson, este último, inclusive já teve sua história contada pelo UOL Esporte, não graças às suas habilidades, que são definidas como primorosas pela imprensa alagoana, e sim devido ao seu pai que chamou atenção ao assisti-lo pela primeira vez jogando pelo time principal no Estádio Rei Pelé, em Maceió.
Dário José, pai de Darlisson protagonizou momentos de fortes emoções ao assistir o filho jogar contra o time do ASA, no Campeonato Alagoano. Responsável por cuidar do gramado do Centro de Treinamento do CRB, ele, isolado no canto da arquibancada, não conseguiu segurar a emoção e chorou diante da estreia. A imagem viralizou imediatamente nas redes sociais.
"Para trabalhar com futebol, nós temos que gostar muito. Nós temos grandes histórias com esses meninos, cada um deles que passou por aqui e está no profissional. Esses jogadores são uma façanha, uma alegria, e eu não sou rico por causa disso. Tenho minhas coisas, mas continuo por aqui. É o que eu gosto de fazer", diz Guilherme.
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