Artilheiro do Acre não para trabalho em frigorífico: "50% de quarentena"
O Campeonato Acreano foi interrompido antes do início do segundo turno. Sem previsão de volta por causa da quarentena recomendada no combate à pandemia do coronavírus, a competição tem como artilheiro o meia Ciel, do Atlético-AC, que fez seis gols em seis partidas.
Mas, para o principal jogador do Estado no momento, a vida pouco mudou com a paralisação do calendário de jogos.
É que Ciel mantém há 12 anos um trabalho paralelo à carreira de jogador. Ele é auxiliar de inspeção de um frigorífico na capital, Rio Branco, e o encaixe da atividade como serviço essencial à população pelo Governo impede a realização de pausas ou rodízios. "Continuamos trabalhando, tudo que é de alimentação funciona normal. Não tem como parar. Minha quarentena é de 50%, meio período", brinca, ao UOL Esporte.
O trabalho de Ciel é verificar a qualidade da carne que chega ao local, inclusive, para certificar que não há contaminação ou doenças. Ele fiscaliza e então aprova ou encaminha a veterinários: "Meu trabalho é fazer com que só chegue carne de qualidade para o povo."
Ciel começou a trabalhar em frigorífico aos 22 anos de idade, em maio de 2008. Em janeiro daquele ano, havia começado tardiamente no futebol pela Adesg, que é o clube da cidade onde vive, Senador Guiomard (AC). Pela coincidência — e também por fazer muitos gols —, ganhou o apelido de "Matador" no futebol local.
"Minha rotina de trabalho é bem puxada. Eu acordo às 4h todo dia e pego estrada, são 26 km até Rio Branco e tenho que estar no máximo às 5h na empresa. Meia hora depois já estou trabalhando e 13h30, no máximo 14h, eu termino", descreve Ciel.
Normalmente, ele iria para o treino às 15h e só conseguiria chegar em casa depois de 19h. Mas, como não há atividades no Atlético-AC, hoje aproveita o tempo fazendo exercícios para manter a forma e descansando mais do que seria na rotina tradicional. "O que muda é que antes tinha alguns dias em que o abate [do gado] não terminava no meu horário, então, eu pedia liberação para sair mais cedo e a empresa sempre me ajudou. Agora, nessa pausa, não existe esse problema."
Ciel diz que começou tarde no futebol profissional por falta de oportunidades.
Ele também nunca atuou fora do Acre, justamente para preservar o emprego do outro período. "A maioria das pessoas da região já conhece a minha história, então, são poucas procuras. Já teve algumas de fora do Estado, mas para eu sair teria que ser muito bom, contrato de mais de um ano, com garantias. Eu não posso arriscar o lugar de onde sempre tirei meu pão", diz.
O Estadual, aqui, eu jogo quatro meses e depois não tem mais. Eu tenho família, então, fico com medo de arriscar e não dar certo.
Casado há 15 anos com Rosário e pai de João Paulo, 12, Ciel carrega marcas expressivas no futebol acreano. Em 2018, ele foi artilheiro com nove gols e eleito o craque do Estadual com a camisa do Galvez. Nesta temporada, em que lidera novamente o ranking de goleadores, ele também vive a expectativa de disputar a Copa Verde e a Série D do Campeonato Brasileiro — assim, ter emprego no futebol até o fim do ano.
Ano passado, o artilheiro chegou a cogitar o fim da carreira no futebol por desânimo, mas foi convencido pela família do contrário. "No fim, eu sempre gostei de jogar e tenho apoio. Isso dá mais vontade de lutar e driblar o cansaço. Enquanto eu estiver dando conta eu continuo", diz Ciel, que fará 35 anos em julho.
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