Como estreante na elite de PE tem CT de ponta e resiste à pausa do futebol
A paralisação do futebol não faz distinção de tamanho do clube: atinge os grandes, que se mexem, tomam medidas para lidar com folhas milionárias e recorrem à Confederação Brasileira de Futebol (CBF); chega com tudo aos pequenos, que sofrem e cortam elencos inteiros em meio ao hiato no calendário. Mas há uma exceção nesta conta. O Retrô FC, time estreante na Série A do Pernambucano e dono de uma estrutura imponente no grande Recife.
Fundado em 2016 como um projeto social, o clube se tornou profissional no ano passado e hoje mantém uma estrutura com centro de treinamento de 15 hectares e capacidade para dez campos, categorias de base desde o sub-7 no futsal, entrevista pessoal na hora da contratação de jogadores e salários em dia, mesmo em tempos de crise. Como?
A resposta não parece fácil, mas o presidente do Retrô explica de maneira simples como nunca atrasou os vencimentos — nem deve atrasar agora, com os problemas do novo coronavírus — e em quatro anos pretende levar a agremiação à Série B do Brasileirão.
"A gente não está tendo nenhum problema de caixa porque, como falei, a mantenedora é a instituição. É um projeto social que virou um clube de futebol", disse Laércio Guerra ao UOL Esporte. A instituição que ele cita é o Centro Universitário Brasileiro (Unibra), de ensino superior. Guerra é dono do centro de educação que dá o suporte financeiro e banca o futebol.
"Estamos [o clube] trabalhando como uma empresa. E esse problema que está acontecendo no Brasil é um problema que a gente tem que passar também. Isso [negociação por salário] nunca foi discutido. Temos que nos preparar como empresários, inclusive, para essas ondas ruins. Aqui no clube trabalhamos muito certinho com isso."
Com folha salarial de cerca de R$ 350 mil/mês, o Retrô seguiu o roteiro de times grandes. Deu férias de 20 dias para todo mundo, esvaziou o CT e vai aguardar novos posicionamentos da CBF e da federação para prosseguir com os planos para 2020. Atualmente, a equipe está na terceira colocação do Estadual e a um empate de garantir-se na Série D do Nacional, faltando uma rodada da primeira fase.
Apesar de ter estrutura incomum para um estreante na elite pernambucana, o clube ainda não consegue garantir contrato anual para a maioria do elenco profissional. Muitos têm vínculo até o fim de abril e serão procurados após o término do recesso. Diminuir a folha não está descartado. "Como o campeonato acabaria em abril, alguns atletas vamos avaliar se vamos estender o contrato, ou não, porque temos uma base de sub-20 muito forte, e pode ser que alguns atletas que não estejam sendo muito utilizados a gente não estenda".
Um dos jogadores com contrato no fim é Rodrigo Carvalho. O goleiro de 35 anos faz parte dos experientes do plantel, já passou por Náutico, Santo André, ABC e outros times de maior expressão, e destaca a estrutura à disposição.
"Eu costumo dizer que é um clube pequeno que já nasceu grande, entendeu? É um clube que tem dois anos e começa com um CT de R$ 35 milhões é fora da curva", afirmou à reportagem. "Desses clubes que fogem do cenário dos grandes, o Retrô passa essa tranquilidade [sobre os vencimentos]. Tenho colegas de outros times que estão passando um aperto bem diferente da gente."
Mais velho do elenco, Carvalho é três anos mais novo que Rômulo Oliveira, o técnico do Retrô. Diferentemente dos jogadores, o treinador tem contrato CLT, seguirá como funcionário após o Estadual e dirigiu a base antes de assumir o profissional, no fim de novembro do ano passado.
A responsabilidade dada a Oliveira é parte da filosofia da direção para o futebol. Ter no comando alguém que conheça o clube, jogue de forma ofensiva e utilize, cada vez mais, garotos da base. Ele tem experiência com garotos de grandes clubes do Nordeste, como Náutico e Santa Cruz, e aponta diferenças do clube-empresa para uma agremiação tradicional.
"A operacionalidade é diferente. As coisas são muito mais operacionais, a gente para tomar qualquer decisão não precisa passar por conselho ou diretor A, B. As coisas são resolvidas de uma forma mais simples e objetiva. E isso reflete de maneira mais rápida no campo, no jogo", destacou o técnico.
CT de R$ 35 mi tem pista de boliche e programa de estágio
A estrutura do Retrô chama a atenção. A área de 15 hectares em um bairro nobre de Camaragibe, grande Recife, com seis campos prontos e quatro em construção, é imponente por diversos motivos. São 64 apartamentos, um salão de eventos para 1,5 mil pessoas, academia de ponta, piscina e até mesmo uma pista de boliche. A intenção de Laércio Guerra era a de fazer um grande empreendimento imobiliário no local, mas o projeto social, inicialmente dedicado a atender crianças de 7 a 13 anos no futsal, cresceu e o lugar virou centro de treinamento.
"Tem psicólogo, nutricionista, parte financeira extremamente organizada, academia de outro mundo. A gente tem boliche dentro do CT, perto do hotel, mesa de sinuca", contou o goleiro Rodrigo Carvalho.
Para atender tanto o profissional como as categorias de base, Guerra criou um programa de estágio e utiliza a mão de obra jovem da Unibra, principalmente a da área de saúde. "Temos por volta de 500 atletas de base, e eles são gerenciados pela parte de odontologia, farmacologia, análises clínicas. Eles são cuidados", afirmou o presidente, ressaltando a oportunidade dada para jovens vivenciarem seus ofícios na prática. Os estagiários, inclusive, compõem muitas vezes a torcida nos jogos.
Meta é chegar à Série B em 4 anos, e com "camisa limpa"
Ainda fora do Campeonato Brasileiro, o Retrô tem uma meta ousada para que, em 2023, esteja na Série B — as paralisações ainda não interferiram nesta meta, garante o presidente. O primeiro passo está próximo: um empate no Estadual, ainda sem data para retornar, garante a vaga na quarta divisão e a chance de disputar a Copa do Brasil. De acordo com Guerra, o projeto está traçado para manter o clube até um possível acesso à Série B com a "camisa limpa", sem nenhum patrocínio.
"Não quis colocar nem o [patrocínio] da universidade. Tenho que solidificar a marca agora, e quero que o Retrô passe essa ideia de uma 'camisa limpa', de uma identidade nova."
Guerra ressaltou que, caso atinja o objetivo, irá repensar o modelo de negócio da camisa. Ele ainda destacou o fato de o uniforme de linha ser personalizado com golas como da década de 1950.
A incerteza de 2020, no entanto, freou outro desejo: o da criação de um estádio para 12 mil pessoas em Camaragibe, que iniciaria obras ainda este ano. A ideia ficará para depois, a princípio para 2021, afirma.
Inspiração na seleção de 82 e estilo ofensivo
Retrô tem uma explicação. O time é inspirado no futebol para frente, e tem como uma das maiores referências a seleção brasileira de 1982. É por isso que, desde as categorias de base, há pilares a serem seguidos quanto ao estilo em campo.
Jogo em campo reduzido desde o futsal (a ordem passa pelo sub-13, primeira categoria no campo, e vai até o profissional); drible no último terço do campo; e saída de bola sem chutão, a não ser em casos muito específicos; são alguns dos tópicos da cartilha. Há também o objetivo de, em três anos, ter o elenco profissional formado por 70% de jogadores da base.
"Vim, justamente, por ter esse perfil de propor o jogo. O mais interessante é que no Retrô o treinador se adapta à filosofia do clube, e não o contrário. O clube já tem a filosofia de jogo bem pré-definida", disse o treinador Rômulo Oliveira. "O nome [do time] já diz: resgatar aquele futebol antigo, da seleção de 82, ter posse o tempo todo, independentemente do adversário e a situação da partida."
De acordo com a diretoria, o modelo já mostra resultado: há atletas emprestados ou negociados com grandes times do Brasil, como Flamengo, Corinthians, Palmeiras e Grêmio. A ideia é lucrar em possíveis vendas futuras e expandir as fontes de receita.
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