Técnico brasileiro virou ídolo na Coreia e até 'roubou' fãs do beisebol
Resumo da notícia
- André Gaspar virou ídolo na Coreia após 5 anos comandando o Daegu
- Técnico conta como time 'roubou' até fãs de beisebol após um título
- Atualmente, André Gaspar comanda o Al-Hazem, da Arábia Saudita
- Ele é um dos 3 técnicos brasileiros no país, junto com Chamusca e Carille
Revelado pelo Santos no início dos anos 90, André Gaspar teve passagem discreta pelo time da Vila Belmiro e pode não ter ficado gravado na memória dos torcedores alvinegros. Mas vai falar dele lá na Coreia do Sul... O ex-jogador que se aposentou no Bragantino no fim de 2008 e por lá mesmo iniciou a carreira de treinador, a princípio como auxiliar de Marcelo Veiga, passou cinco anos inesquecíveis no Daegu FC, onde fez história e se tornou ídolo dos sul-coreanos.
A primeira grande conquista de André Gaspar na Coreia do Sul foi o marcante acesso à primeira divisão, em 2017. No ano seguinte, com o time em baixa, ele ganhou a chance de assumir a equipe interinamente, e não saiu mais. Conquistou o inédito título da Korean FA Cup — espécie de Copa do Brasil do país — e levou o time a participar pela primeira vez da Champions League Asiática. Para completar, em seu último ano de trabalho (2019), levou o Daegu ao melhor resultado de sua história na Liga da Coreia do Sul — um quarto lugar.
"Eu estava de auxiliar quando subimos da segunda divisão para a primeira. No ano seguinte, quando o campeonato começou, o treinador não foi muito bem e eu assumi. O time estava na última colocação e tivemos uma arrancada muito boa, terminamos em oitavo colocado, e, no ano seguinte, fomos campeões da Copa. Em 2019, batemos vários recordes num ano, disputamos a Champions da Ásia e terminamos na quarta colocação da liga, um fato histórico do clube", diz André em entrevista ao UOL Esporte.
Por divergências com o presidente do clube, André Gaspar não acertou a renovação de contrato para 2020 e acabou aceitando uma proposta do Al-Hazem, da Arábia Saudita. Hoje, ele é um dos três técnicos brasileiros que atua no país, ao lado de Fábio Carille, ex-Corinthians, e Péricles Chamusca, ex-Santo André e Botafogo.
"Foi um baque para todo mundo, ninguém esperava, mas a coisa já estava rolando internamente, comigo e com o presidente. Eu já não estava muito satisfeito com ele, que estava colocando algumas imposições com a minha comissão, 'leva aquele, não leva esse', e aí apareceu essa oportunidade, e a torcida ficou muito chateada, inclusive, tive muitos recados, com muita educação, 'por que saiu?, volta, estou com saudade'. É um povo muito carinhoso, e eu tinha muitos fãs lá, e isso foi o mais triste, por ter saído de lá", acrescenta o técnico.
Durante o longo período em que esteve no comando do Daegu, André Gaspar se acostumou a ver a torcida lotando o estádio. Mas não era sempre assim. Ele conta que o título inédito da Korean FA Cup, em 2018, fez com que o time ganhasse vários novos aficionados, inclusive, alguns do time de beisebol da cidade — que não andava agradando muito.
"Aqui [na Arábia] tem pouca torcida, mas no Daegu a torcida lotava o estádio, 95% em todo jogo, cheio, e inflamou bastante depois que a gente teve aquele título da Copa. Tem o beisebol na Coreia, e a torcida do time da cidade, que não andava muito bem, foi toda para o futebol. Eu sinto essa saudade, essa adrenalina da torcida. Aqui é coisa para 4, 5 mil por jogo, então, é muito pouco perto do que tinha lá", conta o ex-jogador que ainda defendeu clubes como Portuguesa Santista e Marília.
CONFIRA O BATE-PAPO COM O TÉCNICO:
Coronavírus: "campeonato ainda está indefinido"
André Gaspar: Aqui, há 21 dias, o campeonato parou, e os treinamentos também. O campeonato está indefinido. Na quinta ou sexta-feira, terá uma reunião na federação com os presidentes dos clubes para definir, deram um prazo até o dia 10 para ver o que acontecer. Mas, a princípio, não deve ter jogos até julho. São duas possibilidades: a gente volta em julho e termina esse campeonato, que faltam oito jogos, e ,já na sequência, se inicia o campeonato que começaria em agosto; ou definem esse campeonato agora... Dá o título pra quem está na frente, não rebaixa ninguém esse ano, essa está sendo a discussão entre eles.
"3h da tarde ninguém sai mais na rua, senão é multa"
André Gaspar: Aqui o país [Arábia Saudita] é bem fechado. O número de casos não é tão elevado, e acho que não chegou nem a cem mortes [já foram registradas oficialmente 38 mortes no país]. Logo que começou [a pandemia], eles já fecharam o país, as cidades... Na capital, 3h da tarde ninguém sai mais na rua, senão é multa. Aqui, no interior [ele mora na cidade de Ar Rass], 19h ninguém pode mais sair de casa. O povo respeita bastante e a gente espera que isso se resolva o mais rápido possível. Tem restrições. Restaurantes estão até abrindo, mas só levando a comida para casa. Nos mercados todo mundo está de máscara, luva, bem similar ao que está no Brasil. Mas aqui tem isso: o povo vai dormir muito tarde, e por isso que restringiram a noite. Tiraram a noite deles. Eles acordam quase 12h aqui, e acabam quase não saindo de casa.
"O time estava numa crescente boa..."
Eu trabalhei durante cinco anos no Daegu, fui para lá, mas acabou não dando certo a renovação de contrato, e aí apareceu essa proposta, do Al-Hazem, que estava no fim da temporada. Eu cheguei aqui tinham 15 rodadas, e são 32. Nós jogamos seis jogos e agora faltavam dez para terminar o campeonato. O time estava beirando a zona de rebaixamento, chegamos com duas vitórias, empatamos uma, perdemos outra e agora empatamos com o time do Carille, Romarinho... A gente estava numa crescente boa, os jogadores pegando o jeito, a nossa forma de trabalho, porque é difícil você chegar no meio do campeonato, o time beirando a zona de rebaixamento, e o time dar uma alavancada. As coisas estavam dando certo. Mas essa parada é geral no mundo inteiro, a gente entende, é obrigado a aceitar e agora é rezar para que isso passe o mais rápido possível.
"Tive uma impressão muito boa da Arábia"
Eu não conhecia a Arábia, só de ouvir por amigos. Mas quando cheguei tive uma impressão até que boa. Tudo bem que eu estava na Coreia, tudo organizado, país de primeiro mundo, mas aqui não foi muito diferente, não. Me deram todo apoio quando cheguei, minha cidade [Ar Rass] é um pouco interior, 150 mil habitantes, tem muita terra e pouca gente. Mas o clube tem uma estrutura muito boa e a gente vê um crescimento muito boa.
Brasileiros se unem para tentar voltar ao país
A princípio vim com um contrato de seis meses, mas com um aditivo para mais dois anos. Infelizmente, teve essa interrupção e não sei como vai ficar. Esperar essa reunião para poder definir minha vida. Inclusive, os brasileiros aqui do futebol estão se reunindo, uma média de 150, com familiares e tudo mais, e a gente está pedindo até para a Embaixada do Brasil aqui na Arábia entrar em contato com os poderes aí para poder fazer voo daqui para o Brasil, para quem quiser ir embora. Isso se confirmar realmente que o campeonato volta só em meados de julho ou agosto. A ideia é renovar o contrato. Gostei daqui e, infelizmente, aconteceu essa situação. Meus filhos estão aí no Brasil, são grandes já, e minha comissão é de brasileiros; tenho preparador físico, preparador de goleiros e fisiologista, além de três brasileiros no meu time: Muralha, ex-Flamengo, Cafu, ex-Avaí que estava no Bordeaux, e o Alemão. A ideia é voltar, já que o campeonato vai demorar para voltar. Se for mais de 30, 40, 50 dias, dois meses para voltar o campeonato, aí eu queria voltar para o Brasil, sim, mesmo porque provavelmente depois não vamos ter nem férias, já deve engatar tudo direto.
"No Brasil a cada três jogos é faca no pescoço"
Eles respeitam bastante. O povo da Coreia é muito educado, e os dirigentes também, eles dão credibilidade ao treinador para mostrar o trabalho. Não é que nem no Brasil, onde o treinador vive de resultado e a cada três jogos é faca no pescoço, se não trouxer resultado. Lá não. Aqui, na Arábia Saudita, eu diria que é o intermediário. Tem a Coreia, que o povo é bem-educado, é tranquilo, tem o Brasil, que é essa loucura, e aqui é o meio termo. Eles dão um tempo para o treinador se adaptar, mas também não é todo esse tempo, não, como na Coreia.
"Quando cheguei na Coreia, era só eu de estrangeiro"
Antes de mim teve o Sérgio Farias, que fez muito sucesso. Foi campeão da Champions, e como treinador abriu as portas. Mas depois dele não tiveram muitos brasileiros. Quando eu cheguei, em 2015, era só eu de brasileiro, e até estrangeiro. É um povo bem fechado, é difícil eles confiarem no treinador, mas como eu já tinha jogado lá, tinham uma certa confiança para seguir em frente.
Gol decisivo de falta contra time de Cerezo
Essa história é engraçada. Foi na Champions da Ásia, semifinal, a gente jogando contra o Kashima, time do Cerezo, e a gente jogava pelo empate. Aos 44min do segundo tempo, sai uma falta na entrada na área e eu fui e fiz o gol. E a gente estava concentrado tudo no mesmo hotel, e depois, na janta, a gente sentou para conversar e o Cerezo falou: 'car..., André, quando saiu aquela falta e eu vi que tinha um brasileiro no time da Coreia eu falei 'fod.., é caixa, não tem jeito'.
Apelido de pé de anjo: "tenho Marcelinho como ídolo"
Pé de anjo é por causa do Marcelinho. Meu amigo, e trabalhei muito tempo no Bragantino, a gente concentrava em Atibaia, no sítio dele, e pra mim é top 3 do mundo de batedor de falta. Sempre me espelhei muito nele e tenho ele como ídolo.
Recepção de brasileiros durante o coronavírus
Eles treinaram alguns dias, mas como exigiram até 3h da tarde todo mundo na sua casa, não vieram mais. Vem às vezes pra jogar um futevôlei, tem uma área grande aqui, só pra dar uma suada, não perder o contato com a bola, e pra passar o tempo. A gente não sabe quando vai voltar, e se voltar vai demorar, daqui a dois, três meses, então vai ter tempo suficiente para treinar e manter a forma para iniciar um novo campeonato ou a continuação desse.
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