Kerlon se aposentou aos 29 por dor e teve drible "foquinha" criado pelo pai
Resumo da notícia
- Kerlon ganhou o apelido de "foquinha" por uma jogada característica
- Ele levantava a bola e a conduzia com a cabeça, fazendo embaixadinhas
- Ex-Cruzeiro se aposentou aos 29 anos por não aguentar mais as dores
- Foram seis lesões graves no joelho, sendo 3 no Brasil e 3 na Europa
- Kerlon também passou por clubes como Internazionale de Milão e Ajax
Quem não se lembra de Kerlon? O ex-atacante do Cruzeiro ganhou os noticiários em 2005 depois de executar, durante um clássico contra o Atlético-MG, o 'drible da foquinha', em que levantava a bola e a conduzia com a cabeça, fazendo embaixadinhas. Recurso para uns, provocação para outros, a jogada foi inventada pelo próprio pai do jogador, que observou a qualidade do filho no controle de bola desde cedo, ainda aos 8 anos de idade.
Campeão sul-americano sub-17 com a seleção brasileira e jogador da Inter de Milão (Itália) e do Ajax (Holanda) ao longo da carreira, Kerlon chegou longe, mas poderia ter chegado ainda mais. Uma sequência de lesões no joelho - foram seis no total - fez o atacante pendurar as chuteiras muito antes do que imaginava, ainda aos 29 anos, por não aguentar mais as dores.
"A decisão realmente foi pela dor. O último clube que eu estava era o Spartak Trnava, da Eslováquia, com um ano e meio de contrato, e na Europa a intensidade é muito alta. Ali eu não consegui render, porque eu já estava com seis cirurgias no joelho muito sérias, tudo de ligamento cruzado. Eu jogava, treinava em alto nível e sentia muitas dores musculares. Isso foi me cansando mentalmente até que chamei minha esposa e falei: 'Não aguento mais'. Foram três lesões sérias no Brasil e três na Europa", recorda em entrevista exclusiva ao UOL Esporte.
Mesmo depois de pendurar as chuteiras, o drible da foquinha continua sendo espalhado, mas de outra forma. Morando há três anos nos Estados Unidos, Kerlon tem uma escolinha de futebol chamada Seal (Foca, em inglês) Soccer, e também trabalha com agenciamento de atletas.
"Hoje, eu tenho uma soccer academy que se chama Seal Soccer, uma escolinha de futebol, e eu trabalho com agenciamento de atletas e até mesmo intercambistas. A gente manda atletas para vários programas na Europa, nos Estados Unidos, e fazemos negócios com atletas profissionais de alto rendimento. Hoje sou sócio de uma empresa no Brasil, a Seven Pro, que trabalha nesses dois aspectos, tanto na parte de intercâmbio como na parte do profissional. Estou aqui, mas no ramo do futebol... Estou fazendo o que nasci para fazer, que é mexer com futebol", acrescenta.
Em uma conversa descontraída com a reportagem, Kerlon aborda uma série de outros assuntos: a lesão no Cruzeiro - já mesmo vendido - que adiou a sua ida para a Inter de Milão; a saída do time italiano, após a chegada de José Mourinho; as reclamações de Coelho, após o polêmico drible da foquinha no clássico mineiro; e a visão que tem de Neymar em relação ao apelido de cai-cai.
CONFIRA O BATE-PAPO COM KERLON:
UOL Esporte: Há quanto tempo está nos Estados Unidos?
Kerlon: Já tem três anos que moro aqui com a minha família. Depois que eu parei de jogar futebol, decidimos vir para cá porque é um país que eu adoro, que já conhecia... Adaptação é bem complicada no início, principalmente quando se tem criança, mas é um país que te dá toda estrutura legal.
UOL Esporte: O que você faz hoje?
Kerlon: Hoje eu tenho uma Soccer Academy que se chama Seal Soccer, uma escolinha de futebol, e eu trabalho com agenciamento de atletas e até mesmo intercambistas. A gente manda atletas para vários programas na Europa, nos Estados Unidos, e fazemos negócios com atletas profissionais de alto rendimento. Hoje sou sócio de uma empresa no Brasil, a Seven Pro, que trabalha nesses dois aspectos, tanto na parte de intercâmbio como na parte do profissional. Estou aqui, mas no ramo do futebol... Estou fazendo o que nasci para fazer, que é mexer com futebol.
UOL Esporte: Quais as suas atividades aí? Trabalho como administrador ou apenas como professor da escolinha?
Kerlon: Quando eu vim para cá, eu acreditava que aqui seria uma terceira maior potência de atletas, que teriam jovens atletas promissores, mas aqui ainda está muito distante do que eu imaginava. Ou seja: os atletas aqui realmente não têm muito interesse em jogar futebol, mas em outros esportes... Hoje, aqui, uma criança de 8, 9, 10 anos de idade, que é onde no Brasil o foco total é o futebol, aqui é o basquete. Então, esse atleta faz, no mesmo dia, um beisebol, e chega na minha escolinha com o uniforme de beisebol, e tem que se trocar para poder jogar o soccer.
Aqui a metodologia é diferente, e até eu me adaptar a isso foi difícil, porque eu chegava a cobrar dos meninos algo que eles não iriam me dar, que seria qualidade técnica, passe, enfim... Aqui ainda está um nível muito abaixo. E, dentro disso, começamos a fazer um tipo de business, ou seja, quanto mais criança você tem, mais rentabilidade você tem. E comecei a trazer projetos do Brasil, palestras... Hoje eu trabalho a minha parte - tenho um sócio aqui -, trabalho com essa escolinha, dou aula também e ensino os treinadores como tem que ser feito e assim a gente vai adquirindo mais aluno.
UOL Esporte: Como foi a decisão de se aposentar? Foram muitas lesões...
Kerlon: A decisão realmente foi pela dor. O último clube que eu estava era o Spartak Trnava, da Eslováquia, com um ano e meio de contrato, e na Europa a intensidade é muito alta. Ali eu não consegui render, porque eu já estava com seis cirurgias no joelho muito sérias, tudo de ligamento cruzado, e aí eu jogava, treinava em alto nível e sentia muitas dores musculares. Isso foi me cansando mentalmente até que eu chamei minha esposa e falei: 'Eu não aguento mais'. Eu não estava feliz jogando futebol, já tinha pessoalmente realizado o que eu queria com jogador, que era jogar num grande clube, servir uma seleção brasileira - nem que seja de base -, ter o nome lembrado no futebol... Então, esses três aspectos eu consegui.
Achei justo, com 29 anos, ter terminado por fisicamente não conseguir mais produzir. Não produzir, mas conviver com muita dor. Hoje eu convivo com muitas dores. Se eu vou jogar uma pelada com os amigos, eu fico quatro, cinco dias para me recuperar. Ou seja, não sinto falta, entendi, me preparei para isso e hoje estou focado em poder ajudar outros atletas a chegarem no objetivo. Aquele atleta semi-profissional que tem um objetivo, atletas mais jovens, ou até mesmo atletas de alto rendimento que a gente tem portas abertas espalhadas...
UOL Esporte: Você chegou na Inter de Milão, em 2009, e na época o time era um dos melhores do mundo... Você esperava mais na sua carreira? As lesões atrapalharam muito?
Kerlon: Sem dúvida nenhuma, o atleta que hoje tem uma, duas lesões de ligamento cruzado, ele volta a jogar normalmente e isso não é um problema para ele. Agora, seis é muito. Cada tempo para recuperar [das operações] é de seis a oito meses. Você perde muito o ritmo... Hoje, o futebol está muito mais intenso. E, realmente, eu fiz uma autocrítica, decidi que estaria abaixo, que não poderia render, e decidir parar. Hoje, você vê muitos jogadores que não conseguem acompanhar o ritmo, mas estão batendo em time pequeno, estão rodando, ficando 'véio', mas não larga o osso de jeito nenhum [risos]. Eu também esperava mais para mim, porque a minha vida toda, desde os 6 anos de idade, me preparei para viver momentos no futebol, aqueles de jogar em alto nível, jogar em clube, e fiz uma preparação toda correta. Mas tem coisa na vida que é Deus quem permite... Sou grato a ele por tudo que vivi, me permitiu passar por isso, e saí fortalecido de todas as dificuldades. Vida que segue. O futebol é muito imprevisível, a gente nunca sabe... Entrou dentro de campo e tudo pode acontecer. Mas não tenho nenhuma mágoa, nenhum arrependimento. Pelo contrário. Sou quem sou hoje devido ao que o futebol me proporcionou.
UOL Esporte: Como foram as passagens pela Inter de Milão e pelo Ajax?
Kerlon: Naquela época, para ir para um time desses, era muito concorrido. Mas bons jogadores têm bons empresários, né, e é o que eu procuro fazer hoje como empresário, aquilo que eu aprendi muito com o Mino Raiola. Pra mim, é o maior que tem na história de empresários... Ele é como um paizão que ainda tenho contato, mas quero seguir minha postura de empresário também. Mas, naquela época, ele tinha toda força já para poder me colocar lá. Inclusive, eu já estava vendido num jogo anterior, o Cruzeiro não me liberou, fez com que eu jogasse, e nesse jogo da Libertadores eu rompi o ligamento do joelho. Ou seja, um dia antes do jogo eu estava vendido, o Cruzeiro pediu para jogar mais um jogo e eu rompi o ligamento, e a negociação foi cancelada pela Inter.
Aí, eu viajei para a Itália para fazer a cirurgia lá, me recuperei lá com a parte médica do clube, e sete meses depois, quando me recuperei, a Inter foi e fez uma proposta para o Cruzeiro. E aí sim, quando voltei de lesão, eles me emprestaram para o Chievo Verona, joguei, e quando retornei e comecei a fazer a pré-temporada, aqui nos Estados Unidos, o Mourinho assumiu essa época e fez uma limpa, trouxe um novo time para ele, pediu a muitos atletas que já tinham contrato para poder seguir o caminho, procurar outros clubes, e nessa chegada do Mourinho o Mino me encaixou no Ajax. Lá encontrei o Suarez, o Eriksen, vários jogadores, e comecei a jogar no Ajax um ano depois de ter me recuperado de lesão. No segundo jogo, eu rompi novamente o joelho e fiquei mais um ano sem poder jogar. Ainda assim, tinha cinco anos de contrato com a Inter, financeiramente as coisas estavam muito boas, mas o atleta quer jogar, e isso começou a me frustrar. Então, foram três lesões sérias no Brasil e três lesões sérias na Europa.
UOL Esporte: De onde você tirou a ideia para o drible? O pessoal olhava torto no começo?
Kerlon: Essa jogada foi inventada pelo meu pai. Desde menino eu tinha um controle muito bom, batia embaixada com a cabeça, com o pé, e num dos treinos que eu fazia com ele, com 8, 9 anos de idade, ele viu que eu controlei a bola na cabeça e ela não caiu, e para um menino de 9 anos de idade era uma coisa muito acima. E nisso a gente começou a ter ideias de como seria se a gente colocasse no campo, porque ficaria muito mais difícil para um marcador tirar essa bola da cabeça. Então, ele começou a ler livros sobre visão periférica, para aumentar a amplitude da visão no campo, para ter um controle de bola melhor, e comece a treinar isso dia e noite, com 9 anos de idade.
Eu cheguei num nível tão avançado, de tanto que eu treinava, que dentro de campo, se a bola batia no meu peito, ao invés de eu controlar ela pra descer, ela já batia e subia, era automático. E eu cresci assim, nunca parei de treinar. Então, por isso que, naquele canto do campo que eu fiz a jogada contra o Atlético-MG, era o lado do campo onde eu mais treinava. Ali, qual opção que eu tinha para poder driblar? Eu estava sozinho, no canto do campo, encurralado, e a primeira ideia que me veio na cabeça era colocar a bola na cabeça. E ele só tiraria com falta. Se você vê o lance, estou a um passo da grande área. Meu objetivo era receber um pênalti ali, e quase que eu consigo. Foi um negócio treinado, planejado, não foi por sorte. Eu estudei ela, e hoje sou muito grato por isso, por ter feito história e as pessoas ainda lembrarem. Isso é muito marcante para mim.
UOL Esporte: Você acha que o time do Atlético-MG estava encarando o drible como provocação? Você sentia isso dos adversários?
Kerlon: Sem dúvida. No futebol, os jogadores criam uma barra de proteção daqueles atletas que aparecem mais que outro por uma qualidade excessiva, por exemplo. E o ego do jogador - aquela época era torcida meio a meio, então tinha metade Cruzeiro, metade Atlético-MG -, e você faz uma coisa que ninguém nunca fez, num clássico, eles podem pensar: 'esse cara só quer aparecer e não vai aparecer em cima do meu time'. Então, tem esse ego horrível que o jogador brasileiro tem, ao invés de poder apoiar mais atletas a levarem a arte para o futebol, inclusive, para o futebol brasileiro, até porque hoje nós que somos o país do futebol. E você vê que, com o passar desses anos, o futebol acabou. Você vai em campo e não vê nada de diferente. Se alguém hoje quiser dar uma caneta ou um chapéu, esse atleta está menosprezando. O próprio jogador cria isso e é horrível, até para um jovem cheio de talento e é intimidado por zagueiros que falam que vão quebrar as pernas dele. Comigo foram várias vezes. Luiz Alberto, esses zagueiros que na época eram muito grossos fisicamente e falavam que 'tinha que ir para o circo', que 'tinha que quebrar as duas pernas mesmo', enfim... Coisa de jogador estúpido. Mas sempre soube sair numa boa. Graças a Deus, não foi esse o motivo para ter as lesões, consegui mostrar realmente tudo que treinei e acredito que no futebol você é o tanto que você repete. Eu repeti muito e consegui realizar.
UOL Esporte: Como você essa perseguição sobre o Neymar e o apelido de cai-cai? É parecido com o que você sofria com esse drible?
Kerlon: O raciocínio do Neymar, hoje, está três vezes à frente de um zagueiro. Jogador assim já sabe a hora que o zagueiro vai dar o bote. Ele tem muito recurso, e muito recurso te dá qualidade no drible, dificilmente você perde. Se você está enrascado, consegue criar em fração de segundos um drible, e isso frustra jogadores que não têm essa capacidade. Então, essa perseguição de vários jogadores sobre ele, de cai-cai... A forma de cai-cai dele é uma forma de ele preservar o corpo. Por ele saber que o cara vai bater nele em frações de segundo, antes mesmo do zagueiro, ele se auto protege como? Pulando. Quando você toma uma porrada no ar, você não quebra nada. Mas se ele está com as duas pernas no chão, ele vai ter uma lesão muito séria. É um talento que nasce assim, mas não todos os dias. Infelizmente, estamos perdendo isso, e isso é um pecado para o futebol brasileiro.
UOL Esporte: O Dyego Coelho (atual treinador da equipe sub-20 do Corinthians) chegou a conversar com você? Pediu desculpas?
Kerlon: Ah, segue o jogo, né?. Inclusive, foi na imprensa falar um monte de baboseira. Acho que ele pegou cinco jogos de suspensão, falou um monte de mer... É isso que não consigo entender. É complicado. Mas não teve papo depois, não.
UOL Esporte: Olhando para a sua carreira inteira, qual o maior momento de alegria e qual o momento de maior tristeza que você teve?
Kerlon: Alegria, sem dúvida nenhuma, o momento que eu fui campeão sul-americano sub-17 com a seleção brasileira e, logo depois, sabendo que, saindo do sub-17, eu iria integrar o profissional. Foi um momento marcante. E juntando com a primeira vez que eu joguei como profissional contra um clube grande, que foi contra o Santos, e eu fiz a minha jogada da foca em cima do Wendel. Então, para mim, ali, foi uma explosão de alegria e realização que eu nunca vou esquecer. A primeira vez que eu entrei no Mineirão lotado contra o Santos do Pelé e eu fazer uma jogada dessa, da foca, no Mineirão, com a minha torcida, foi muito marcante.
A maior tristeza que eu tive foi esse episódio que eu falei, que eu já estava vendido para a Inter de Milão e entro em campo para jogar o primeiro jogo da Libertadores e tenho uma lesão confirmada com apenas dez minutos em campo. Ali, para mim, o mundo desabou e foi uma tristeza.
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.