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Cavadinha, defesa, talismã e 'ligação': Botafogo levava Carioca há 10 anos

Botafogo levanta a taça do Campeonato Carioca de 2010 - Fernando Soutello/AGIF
Botafogo levanta a taça do Campeonato Carioca de 2010 Imagem: Fernando Soutello/AGIF

Alexandre Araújo e Bernardo Gentile

Do UOL, no Rio de Janeiro (RJ)

18/04/2020 04h00

Na frente, uma cobrança de pênalti com a leveza e ousadia de um atacante 'Loco'. Atrás, a firmeza nas mãos que fez o goleiro Jefferson ser capaz de parar um Imperador. No lugar mais alto do pódio, um Botafogo que deixava para trás traumas recentes e pintava o Rio de Janeiro de preto e branco novamente. Há 10 anos, todos esses elementos estiveram unidos no Maracanã lotado, em tarde inesquecível aos torcedores do Glorioso.

O título veio depois de três frustrações seguidas, quando chegou às finais de 2007, 2008 e 2009, mas havia perdido todas para o Flamengo. A rivalidade entre os clubes tinha ficado ainda mais à flor da pele naquela época e um triunfo alvinegro era necessário para tirar o peso de, talvez, toda uma geração.

Vale lembrar que o Carioca veio após a conquista da Taça Guanabara e Taça Rio — à época, se um time vencesse os dois turnos, era campeão automaticamente —, algo que não acontecia desde 1998, com o Vasco.

Loco Abreu, do Botafogo, comemora gol sobre o Flamengo na final da Taça Guanabara de 2010 - Fernando Soutello/AGIF - Fernando Soutello/AGIF
Imagem: Fernando Soutello/AGIF

Aquela conquista fez alguns nomes ficarem gravados na memória dos alvinegros. Loco Abreu, Jefferson, Leandro Guerreiro, Antônio Carlos, Joel Santana... Mas, em meio a jogadores que colocavam mais uma taça na prateleira, um jovem celebrava o primeiro título e ganhava destaque no cenário nacional.

Uma década depois, Caio Canedo, ou Caio "Talismã", como ficou conhecido, está no Al Ain, dos Emirados Árabes Unidos. Ele ressalta a importância que aquela conquista teve para a carreira, que na ocasião ainda começava, e lembra que ela veio após, talvez, de um dos maiores vexames do Botafogo.

"Aquele título de 2010 é marcante na minha carreira e levo comigo até hoje. Pelo carinho que recebi e sempre venho recebendo da torcida botafoguense, por ser um dos mais jovens do elenco, pelo impacto que tive. Tinha uns 19 anos e pude ser peça importante naquela caminhada. Foi um time de guerreiros. Nos juntamos e formamos uma família dentro e fora de campo", disse, ao UOL Esporte, o atacante, que completou:

"Foi, sem dúvida, muito marcante. Até pela forma que foi. Vínhamos de um revés para o Vasco, uma goleada de 6 a 0 no Engenhão. Depois disso, o Joel [Santana, treinador] chegou e alavancou para o título. Da maneira que foi, a história é bem bacana e vou levar para a minha carreira toda".

Caio Canedo posa com placa com o apelido, após final da Taça Rio de 2010, entre Botafogo e Flamengo - Satiro Sodre/AGIF - Satiro Sodre/AGIF
Imagem: Satiro Sodre/AGIF

A chegada de Joel Santana, que substituiu Estevam Soares, mudou o panorama do Alvinegro na competição. Com o já conhecido jeito irreverente, o 'Papai' arrancou risadas do elenco antes mesmo da primeira palestra.

"O Joel, todo mundo sabe, é um cara bem bacana, brincalhão... Um papai de verdade. Excelente profissional. O Joel assumiu e o jogo seguinte era contra o Tigres. Estávamos na academia e ele seria apresentado para conversar com o elenco. Ele já chegou gritando: 'Eu não quero saber se a gente vai jogar contra jacaré, contra o morcego, lagartixa, nós temos de ganhar'. Aí, alguém gritou: 'É Tigres, professor Joel'. E ele: 'É isso aí, Tigres. Mas não quero saber' e todo mundo caiu na gargalhada".

Caio, inclusive, caiu nas graças do treinador e se tornou um 12º jogador, sendo opção constante a um ataque formado por pelo uruguaio Loco Abreu e o argentino Herrera. O jogador passou a entrar no segundo tempo e fazer a diferença. Não à toa, ganhou o apelido de 'Talismã'.

"O apelido foi bacana. É um apelido carinhoso, que a torcida do Botafogo me chama até hoje. Pegou bastante. Até mesmo em outros clubes o pessoal usou e eu levo com carinho porque sei que veio com muito amor da torcida do Botafogo", apontou.

Se, no ataque, surgia um xodó, no gol, nascia um ídolo. Jefferson, que havia defendido o Glorioso entre 2003 e 2005, retornava em 2009 em meio à certa desconfiança, após passagens por Trabzonspor e Konyaspor, ambos da Turquia.

Jefferson, do Botafogo, defende cobrança de pênalti de Adriano, do Flamengo, no Carioca de 2010 - Ricardo Ramos/AGIF - Ricardo Ramos/AGIF
Imagem: Ricardo Ramos/AGIF

Naquela final, porém, defendeu um pênalti cobrado por Adriano, um dos destaques da conquista do Fla no Brasileiro de 2009, e, a partir dali, começou uma caminhada que o fez chegar à seleção brasileira. Jefferson se aposentou na temporada de 2018 e, hoje, é um dos jogadores retratados em um muro em frente à sede do Glorioso.

"Eu voltei para o Botafogo em 2009 e aceitei receber bem menos. Fiz uma boa reta final e renovei meu contrato. Então, o Carioca era importante também para mim nesse sentido. Tinha que mostrar serviço. E acabou mudando minha vida. Peguei o pênalti do Adriano e fomos campeões em cima do Flamengo. Foi ali que tudo começou a dar certo para mim. Tive minha primeira convocação com o Mano Menezes e virei referência para a torcida", recorda.

Conquistar o Carioca não era novidade para Antônio Carlos, que, inclusive, foi o herói do Fluminense no Estadual de cinco anos antes. O zagueiro lembra a pressão sobre o time alvinegro para que aquele título sobre o rival se tornasse realidade.

"O Botafogo vinha de três anos consecutivos que tinha perdido para o Flamengo na final e, quando chegamos àquela decisão, ouvíamos o pedido dos torcedores pela vitória. Tinha muita gente também chegando ao clube e querendo se firmar. O próprio Loco Abreu, que teve um sangue frio danado para cobrar aquele pênalti de cavadinha (risos). A felicidade é grande. É um título que vai ser sempre muito lembrado."

Zagueiro Antônio Carlos quando defendia o Botafogo - Fernando Soutello/AGIF - Fernando Soutello/AGIF
Imagem: Fernando Soutello/AGIF

Antônio Carlos recordou ainda de uma frase usada na preleção, pouco antes de o time ir a campo, e que foi até motivo de 'cobrança' da torcida anos depois.

"Eu falei: 'Temos de ganhar esse título para, daqui a 10 anos, um ligar para o outro e poder comentar'. Até colocaram um trecho disso no canal do Botafogo e teve torcedor me perguntando se eu liguei para o pessoal. Falei que tinha ligado porque ainda tenho muitos amigos daquela época", disse, com bom humor.

Em 2018, o zagueiro voltou a atuar ao lado de Loco Abreu. Eles estiveram juntos no Magallanes, do Chile.

"Jogamos na segunda divisão do Chile. Campeonato bom, gostei de lá. Infelizmente, não me adaptei muito e tive duas lesões, que foi um coisa que me atrapalhou bastante", apontou.

Jair Ventura acompanha o jogo entre Botafogo e Corinthians - Thiago Ribeiro/AGIF - Thiago Ribeiro/AGIF
Jair Ventura esteve em conquista do título do Botafogo há dez anos
Imagem: Thiago Ribeiro/AGIF

Mas outro personagem participou daquela conquista. Jair Ventura foi quem fez a transição da chegada de Joel Santana. Auxiliar técnico do clube à época, ele comandou o Botafogo pela primeira vez em 2010. Ele esteve às margens do gramado na vitória por 2 a 1 sobre o Tigres e, depois, voltou a trabalhar como assistente da comissão técnica fixa do clube.

"Meu primeiro jogo como treinador é em 22 de janeiro. A gente perde para o Vasco por 6 a 0. O Estevam Soares era o treinador, mas acaba saindo. Aí já contratam o Joel Santana. O Joel chega e fala que não assumiria imediatamente e que eu comandaria o jogo seguinte. Eu faço o jogo contra o Tigres, a gente vence por 2 a 1. E aí o Joel assume contra o América. A gente vai bem, vai bem, ganha a Taça Guanabara, a Taça Rio e é campeão direto", relembrou.

"Foi o último título no Maracanã. O Maracanã fecha depois do Carioca para a Copa do Mundo. Eu fiquei feliz porque foi o primeiro jogo como treinador e, consequentemente, eu consegui o título. Foi muito marcando para mim. Marca dez anos do título e dez anos do meu primeiro jogo. Eu apareci em 2016 e muita gente falou que eu era muito jovem para ser treinador. E, para você ver, só hoje faz 10 anos que fiz meu primeiro jogo. Eu comecei em 2005, foi quando fiz o primeiro curso para ser treinador", concluiu.

*Colaborou Thiago Fernandes, do UOL, em Belo Horizonte

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