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Adílson Batista fala de carreira e crise por pandemia: "Valores não davam"

Adilson Batista, quando era técnico do Cruzeiro - Vinnicius Silva/Cruzeiro
Adilson Batista, quando era técnico do Cruzeiro Imagem: Vinnicius Silva/Cruzeiro

José Eduardo Martins

Do UOL, em São Paulo

24/04/2020 04h00

Adílson Batista conhece os bastidores do futebol. Quando era jogador, defendeu alguns dos principais clubes do país e conquistou importantes títulos. Como técnico, dirigiu times de primeira linha e também enfrentou crises. Na última passagem pelo Cruzeiro, viveu a queda para a Série B do Brasileiro, em 2019, e nesta temporada acabou demitido. Em entrevista exclusiva ao UOL Esporte, ele falou sobre a dificuldade para um treinador se firmar, da carreira como atleta e da nova realidade do esporte com a pandemia do coronavírus.

"Às vezes a gente até desconfia de alguns interesses. Dá para retomar devagar [as atividades após a quarentena] com higiene. Fico preocupado com a situação. Vai ter de ter uma conscientização de todos. Você olha o Messi e o Neuer que querem reduzir [os salários], e o [Guilherme] Arana [jogador do Atlético-MG] não. Os valores, do jeito que estavam, não davam. Até como ser humano nós precisamos melhorar, digo isso em todos os sentidos", afirmou Adílson Batista.

Após a saída do Cruzeiro e agora no período de quarentena, o treinador aproveitou o tempo livre para estudar ainda mais sobre o esporte. Além de conversar com outros colegas, ele tem lido livros e revisto partidas. A ideia é se recolocar no mercado da bola quando as atividades forem retomadas.

"Eu ainda tenho condições de ficar em casa, de estar com a família, acho que até estava precisando. É como se fosse um período importante para descansar, mas fico preocupado com a população, com a saúde, com a economia e o ser humano. Esperamos que encontre uma vacina. Pressão quando você é técnico tem em tudo quanto é lugar, mas acho que falta mais profissionalismo de muita gente. Vou ter de retomar a carreira, mas, primeiro, é preciso esperar tudo voltar", explicou o treinador.

Confira mais alguns trechos da entrevista com Adílson Batista:

Como lida com jogador que causa problema no elenco

Não tenho problema com ninguém, se não cumprir sai. Já tirei jogador de treino e não foram poucos, pronto. É simples. Assim que eu faço.

Futebol moderno

As pessoas precisam entender isso. A Alemanha não driblou ninguém e ganhou a Copa. Hoje não tem mais o drible.

Críticas

Sou bem tranquilo. Não dá para ficar escutando lendo ou ouvindo essas coisas. Está raso o debate, faltam critério e conhecimento. As pessoas nos cobram isso, mas e quem julga? Ficamos tristes por ver o que muitos falam. Não vou remoer, trabalho muito e vou dormir com a consciência tranquila. Hoje, ficamos reféns de blogueiro, de dirigente amador e de torcida organizada. Gostaria que organizadas fossem atrás de políticos, porque faltam educação e saúde. Fico triste, porque tentamos fazer o melhor. Nunca tive problemas [com jogador]. Trabalhei com Rivaldo, Ceni, Edmundo...

Carreira de técnico e decepções

A nossa profissão é difícil e fiz grandes trabalhos. Iniciei sendo vice-campeão da Série C, com o Mogi Mirim (em 2001). Fui para o América-RN e lá sou campeão. No Avaí tinha um baita time, por detalhe terminamos em quinto na Série B. Livrei o Grêmio do rebaixamento. Trabalhei no Figueirense e no Júbilo Iwata, no Japão. Recebi o convite do Cruzeiro. Quase acertei com o Goiás nessa época e fui para o Cruzeiro. Ficaram chateados comigo no Goiás e por isso não me chamaram mais. Em três anos de Cruzeiro, fui campeão. No Corinthians, errei em carga de trabalho. Alguns tiveram lesão. Errei também em querer mudar um pouco a estrutura tática. No Santos, achei injusta a minha demissão. Só tinha uma derrota. Faltou critério, foi uma montagem nossa e foram campeões com o Muricy... No São Paulo, empatei demais...

Avaliação

O que eu gostaria que as pessoas fizessem era consultar os atletas para saber a opinião deles. Saber se é uma boa gestão, para saber se estava tudo organizado. É claro que fico triste, queria ter ficado mais nesses clubes. Fico triste por isso também, pela falta tempo. No Brasil, um vai ganhar e os outros 19 não prestam.

Liderança quando era jogador

Já era mandão. Tem de organizar, posicionar, corrigir, dar uma chegada mesmo nos outros, porque depois estoura em nós, que estamos lá atrás. O que foi pedido tem de cumprir, e às vezes os jogadores são peladeiros e não cumprem.

Brigas com outros jogadores

Já teve enfrentamento, sempre tem a turma que acalma. Já teve gente abaixando a cabeça e enfrentando.

Aprendizado com outros técnicos

Com todos você aprende, até no Jubilo eu aprendi. Aprendi com Levir, Nelsinho, Carlos Alberto, Felipão, Vadão... Você vai amadurecendo, entendo o jogo e melhorando em todos os aspectos.

Diferença entre Libertadores e outros campeonatos

Não é que é mais difícil. O ritmo é diferente. Você joga o Estadual e o Brasileiro e vê que são outros estilos de jogo. Jogar na Argentina é diferente. É mais acirrado, truncado, com a arbitragem deixando correr mais. Deveria ser igual em qualquer lugar, mas às vezes o clima é mais tenso.

Jogadores estrangeiros abrem mão do Mundial?

Acho que alguns casos pode até ser, mas quando entra no campo a coisa muda. O jogo foi duro contra o Real [Madrid, pelo Corinthians]. Naquele Mundial, o Vasco tinha um timaço. É difícil falar. Falam do Mundial, porque o europeu não quer ganhar. Fui com o Grêmio [contra o Ajax] e você vê que os caras queriam ganhar. Tem clube daqui que vai dez ou 15 dias antes para o outro país antes do Mundial e é uma tortura. Eles foram três dias antes, e queriam ganhar. O Corinthians tinha um bom time, não se pode tirar o mérito. Hoje, relembrando, o Vasco tinha um baita time também. O nosso time também era bem bom. Mas ganhar a Libertadores com o Grêmio foi mais difícil [do que o Mundial pelo Corinthians] até quantidade de jogos.

Técnicos estrangeiros no Brasil

Vejo com bons olhos o técnico estrangeiro no Brasil. A troca é muito importante. Ricardo Gomes, Carlos Alberto, Felipão... Poucos foram trabalhar lá fora; Mas vejo que acrescenta. Tem coisas importantes, coisas que podemos aprender. A troca é salutar. Infelizmente, a literatura é pouca, e daria um material riquíssimo. No curso da CBF vemos vários trabalhos.