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Transmissão da final de 1994 reforçou Galvão impaciente e 'birra' com Pelé

Neal Simpson/EMPICS via Getty Images
Imagem: Neal Simpson/EMPICS via Getty Images

Gabriel Vaquer

Colaboração para o UOL

26/04/2020 19h03Atualizada em 26/04/2020 23h06

A reprise do tetracampeonato da seleção brasileira em 1994 pela Globo neste domingo (26) trouxe algumas constatações interessantes. Galvão Bueno, em seu auge técnico como narrador, soltou as cornetas na final entre Brasil e Itália. Sobrou para todo mundo, o que se explica pelo nervosismo claro pela situação: italianos, Cafu, Zinho, entre outros, todos detonados pelo narrador. Galvão também nem sequer ligou para uma aposta pedida por Pelé, comentarista da época: a entrada de Ronaldo, então um menino de 17 anos. O jogo também reforçou que o narrador e o maior ídolo do futebol não eram muito amigos.

A reprise manteve o padrão que a Globo apresentou nas últimas semanas: um narrador em estúdio comandando a transmissão, com Galvão Bueno em sua casa e convidados - desta vez, a clássica dupla Romário e Beteto trocaram figurinhas. Nada de muito novo foi dito no pré-jogo.

Algo que podemos ver na transmissão do Tetra com os olhos de hoje é que Galvão Bueno não teve pudor ao secar os italianos, mas de forma até constante do que normalmente faz. Por toda a partida, disse que Roberto Baggio "era craque, mas estava sem condições". Além de Baggio, Galvão pediu para seleção ir para cima do "velho Baresi" porque ele tinha operado o joelho 25 dias antes e não iria aguentar. Como se sabe, Baresi aguentou - e perdeu inclusive um pênalti na disputa decisiva.

Quem também sofreu bastante foi Luigi Apolloni, um dos símbolos da equipe do Parma, que fez muito sucesso no futebol italiano durante os anos 90. Em toda a partida, Galvão disse que Apolloni "não sabe nada" de futebol. "Vai pra cima dele que ele é horrível", cansou de falar o narrador. Mesmo com a corneta predominando, os italianos também foram elogiados. Donadoni, chamado de "grande jogador de habilidade" e Maldini, considerado "um monstro na zaga".

Mas a corneta de Galvão Bueno estava ligada também para o Brasil. Cafu, lateral-direito histórico e que entrou naquele jogo após uma lesão de Jorginho, foi a principal vítima. Ao bem da verdade, Cafu fez uma boa partida. O lateral deu dois cruzamentos que deixaram Bebeto e Romário na cara do gol, e em um deles, Romário perdeu um gol inacreditável na prorrogação. Antes, Galvão foi criticado pela falta de acerto no cruzamento. "O problema do Cafu é esse aí: ele corre, mas na hora de cruzar...". Já Pelé chegou a chamar ele de "atabalhoado" no segundo tempo.

Além disso, Galvão pediu o jogo todo para o lateral "se achar na partida". No segundo tempo, quando tomou um cartão amarelo bobo, Galvão soltou os cachorros contra Cafu: "Copa do Mundo é coisa séria, Cafu! É a coisa mais séria do mundo". Cafu, pelo visto, levou à sério a corneta de Galvão: jogou outros três mundiais, além de outras duas finais.

Zinho foi outro nome que Galvão Bueno pegou no pé o jogo inteiro. No segundo tempo, irritado com a inaptidão criativa brasileira e com a falta de chances criadas, Galvão descascou o meia brasileiro: "O problema do Zinho é esse, ele quer girar essa bola sempre". Na prorrogação, usou a boa entrada de Viola para novamente cornetar Zinho: "Viola já deu dois chutes no gol, o Zinho deu isso na partida toda".

Outro ponto que já incomodava na época, e que salta aos ouvidos nos tempos atuais, são os óbvios comentários do rei Pelé. No início do jogo, sua majestade falou que a Itália jogava no "4-4-2", como a escalação original já havia mostrado. Depois, chamou Arnaldo Cezar Coelho de "Armando" para falar de um lance polêmico da arbitragem. Por fim, na clássica furada de Mazinho no primeiro tempo, Pelé disse que foi culpa da "pressa", algo que qualquer pessoa notou.

Galvão ignora Pelé

Vendo com os olhos de hoje, é possível dizer que Galvão Bueno ignorava os comentários do Pelé, mesmo quando ele parecia ter razão. Um exemplo claro é quando Pelé imagina a entrada de Ronaldo, então um jovem de 17 anos, no lugar de Romário. "Imagine se surge um novo rei?", disse Pelé.

Galvão ignorou completamente, como em diversas outras ocasiões durante o jogo. Como se sabe, Ronaldo não virou um novo rei, mas um fenômeno tão grande quanto a majestade maior do esporte mais popular do mundo, que decidiu a já reprisada pela Globo final da Copa do Mundo de 2002.

O jogo, sem dúvida, reforçou que Galvão e Pelé não eram lá grandes amigos. Anos atrás, um vídeo de Galvão Bueno reclamando de Pelé para os seus chefes e seus comentários durante as partidas caiu na internet. Na ocasião, Galvão disse que tudo não passava de intriga. Prestando bem atenção, dá para notar mesmo que havia, no mínimo, um clima estranho entre ele e o rei.

Na prorrogação, com o cansaço dos jogadores e o jogo mais lento, o próprio Galvão Bueno perde técnica e deixa o nervosismo tomar conta. Sobrou até para Taffarel, exaltado todo o jogo com o bordão "sai que é sua, Taffarel". No primeiro tempo, após hesitar ao chutar uma bola para a lateral, Taffarel tomou bronca: "Tá esperando o italiano chegar? Chuta pra fora!".

A disputa dos penaltis coroou uma narração, de fato, histórica de Galvão Bueno. Mas é inegável que Galvão Bueno não parecia ter controle do que ele estava dizendo, deixando se guiar pela emoção exacerbada e sendo mais torcedor que narrador, algo que até ele reconheceu na conversa com Romário, Bebeto e Luís Roberto antes da reprise dos penais. Normal, era uma final de Copa do Mundo após 24 anos. Mesmo com os exageros, com o nervosismo, com todos os contras, a reprise do tetracampeonato mostrou porque Galvão Bueno é Galvão Bueno. 26 anos depois, o clássico "É tetra!" emociona muito. Uma Copa sem ele é bem sem graça.