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Rafael Marques amplia carreira no Japão após ano "desumano" no Figueirense

Atacante Rafael Marques no período em que defendeu o Figueirense - Matheus Dias/FFC
Atacante Rafael Marques no período em que defendeu o Figueirense Imagem: Matheus Dias/FFC

Alexandre Araújo e Bruno Braz

Do UOL, no Rio de Janeiro (RJ)

30/04/2020 04h00

Atualmente no Ventforet Kofu, do Japão, Rafael Marques tem 36 anos e um vasto currículo no futebol, mas diz que nunca viveu uma experiência parecida com a que teve no Figueirense em 2019. Em meio a bastidores conturbados e atrasos salariais, a equipe chegou a se recusar a entrar em campo, mas, com uma arrancada na reta final, evitou o rebaixamento à Série C do Campeonato Brasileiro, que era dado como certo. O desgaste fez com que o jogador pensasse em voltar para o país asiático para prolongar sua carreira sem repetir um estresse do tipo.

Rafael Marques acertou com o clube catarinense em abril, depois de ter defendido o São Caetano no Campeonato Paulista. A expectativa pela chegada, porém, logo deu espaço à frustração diante dos problemas financeiros e do rompimento com a Elephant, então gestora do futebol do Figueirense.

"O que vivi no Figueirense foi a primeira vez no futebol, e espero que não aconteça com mais nenhuma equipe. Foi um caso desumano. Não só com o profissional, mas com o ser humano em si. Foram decisões difíceis para todos os jogadores, comissão, categoria de base, funcionários... Nunca foi visando só o profissional, mas, sim, a instituição Figueirense. Foram meses complicados. Infelizmente, por causa de uma má pessoa que dirigia o clube, que, no meu modo de ver e acho que de todos, entrou no clube para ter vantagem própria. Isso que temos de acabar no meio do futebol, pessoas que querem só usufruir, sugar o máximo do clube e depois deixar endividado. Sempre quem paga esse pato é a associação, o torcedor", afirmou Rafael, ao UOL Esporte.

Lidando com direito de imagem atrasado desde maio, assim como o salário de julho, o não recolhimento de FGTS, plano de saúde cortado e até mesmo ausência de alimentação no Orlando Scarpelli, o elenco cumpriu a promessa e não entrou em campo contra o Cuiabá, pela Série B, em agosto. O grupo já havia paralisado os treinamentos.

Um dos mais experientes do grupo, Rafael Marques, na ocasião, se manifestou pelas redes sociais. Ele publicou uma imagem do escudo do Figueirense com a legenda "Paramos hoje, pela sobrevivência do amanhã".

"O grupo que foi montado não concordava com essa situação, e tomamos decisões que nunca foram planejadas, mas sempre no decorrer do que ia acontecendo a cada dia. E não eram poucas [situações], eram muitos problemas. Deixar de fazer o que a gente ama doeu muito no grupo todo. Deixamos, até o último segundo, as coisas que tínhamos combinado com o suposto presidente. Chegamos a ir para o vestiário na expectativa que o combinado seria quitado, mas, infelizmente, por uma má pessoa, que quis fazer o conflito, acabou que damos o W.O.", lembra.

Para o atacante, porém, a atitude foi o estopim para uma mudança de panorama. Em setembro, o clube conseguiu a rescisão unilateral com a empresa por descumprimento de contrato, e Chiquinho de Assis, então presidente do Conselho Deliberativo, passou a gerir o Figueira.

O time chegou a ficar 18 jogos sem vencer no Brasileiro, mas o grupo conseguiu uma sequência de bons resultados e um empate com o CRB, restando uma rodada para o fim do campeonato, decretou a permanência na Série B - Vila Nova, Criciúma, São Bento e Londrina caíram.

"Acho que ali foi o primeiro passo para que a gente conseguisse essa reviravolta, que muitos não esperavam. Já davam como rebaixado o Figueirense, mas, graças ao grupo, torcedores, funcionários, todos os envolvidos com o clube, conseguimos essa reviravolta. Conseguimos que o presidente saísse e deixasse o Figueirense, ao menos, na situação onde pegou. Obviamente, penso em coisas boas para esse ano. Essa é minha torcida e expectativa para o Figueirense".

Mas se a situação em Santa Catarina foi inédita, o que Rafael está vivendo no Japão, com o coronavírus, não chega a ser totalmente novo. O atacante atuava no Omiya Ardija quando o país passou por uma situação devastadora devido a um tsunami que atingiu o litoral e provocou o acidente nuclear de Fukushima, deixando 18.446 mortos e 123.000 deslocados.

"Em minha primeira passagem, passei por uma catástrofe natural, que foi um tsunami por causa de um terremoto de magnitude alta. Estava aqui e, realmente, parou o país. Ficaram todos em alerta. Mas, ali, eu vi a conscientização que o povo japonês tem, o quanto eles pensam no próximo, se ajudam, têm consciência de quando é preciso tomar certa medidas e cumprem. Então, isso, por um lado, me ajudou a ser um pouco da pessoa que sou e também me motivou mais ainda para voltar ao Japão. Agora, mais uma vez, uma catástrofe. Desta vez, não é natural, mas espero que isso nos deixe mais fortes. Que a gente tenha a conscientização que o povo japonês tem", pediu.

"Desde o começo [da pandemia], a cultura japonesa e a consciência que o povo japonês tem ajudaram muito. Usar a máscara e o álcool em gel faz parte da rotina deles, sempre usaram. Qualquer estabelecimento que você vá, tem o álcool em gel na porta. Máscara, sempre usaram em lugares aglomerados. Com esse vírus, não foi diferente. Mantiveram mais ainda a atenção. Acho que isso ajudou a ter menos casos que em outros países, mas estamos em alerta".

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"País que morei por três anos, país que conheço bem, a cultura também... Estou muito feliz. Feliz porque queria muito voltar ao Japão, e o Ventforet Kofu abriu as portas para mim. Obviamente, não está sendo mil maravilhas por tudo que a gente vem passando, mas estou gostando muito. Fui muito bem recebido. Ainda tenho o carinho de quando eu passei aqui, muitos jogadores, [membros da] comissão e torcedores lembram da minha passagem. Isso me ajudou bastante".

Rafael Marques ampliou para o Cruzeiro contra o Atlético-PR - Jason Silva/AGIF - Jason Silva/AGIF
Imagem: Jason Silva/AGIF

Você esteve no Cruzeiro entre 2017 e 2018. Como viu o rebaixamento no Brasileiro em 2019?

Sempre fui um jogador que evitei ter muito contato com dirigentes. Sempre que precisava, ou que tivesse algum problema, contatava meu advogado ou meu empresário para falar com o clube, assim, eu podia sempre estar com a cabeça focada dentro do campo. No Cruzeiro não foi diferente. Tive muito pouco contato com dirigente, apesar de conhecer alguns que entraram em 2018. Mas o contato que eu tinha mais era com a primeira diretoria, o Klaus [Câmara], como diretor [de futebol], o próprio Tinga, que foi um exemplo de jogador profissional e também um exemplo como diretor no período em que estive lá. Acho que os problemas começaram mesmo no ano seguinte, né? Em 2018, se não me engano. Em 2017 tinham alguns problemas financeiros, mas nada fora do normal dentro do futebol brasileiro. Acho que os problemas começaram mais a partir de 2018, com algumas pessoas que só querem encher o próprio bolso e deixar os clubes endividados. Infelizmente, aconteceu isso. Torci muito para que não acontecesse [o rebaixamento], por ter amigos lá, companheiros que mantenho contato até hoje. Mas creio que o errado é errado o certo sempre vai ser certo. Não tem como planejar um trabalho de forma errada e esperar resultados positivos. Creio que foi isso que aconteceu. Foram coisas mal planejadas e, no final, acabou acontecendo o rebaixamento".

Rafael Marques comemora gol do Palmeiras contra o Mirassol - MARCELLO FIM/FRAMEPHOTO/FRAMEPHOTO/ESTADÃO CONTEÚDO - MARCELLO FIM/FRAMEPHOTO/FRAMEPHOTO/ESTADÃO CONTEÚDO
Imagem: MARCELLO FIM/FRAMEPHOTO/FRAMEPHOTO/ESTADÃO CONTEÚDO

Após passagem pelo futebol chinês, você volta ao Brasil para defender o Palmeiras...

Falar de Palmeiras, para mim, é diferente. Apesar da minha volta para o Brasil... Minha passagem no Botafogo foi muito boa também, tive chance de ser campeão carioca, levar o Botafogo à Libertadores, mas minha passagem no Palmeiras foi a mais vitoriosa que eu tive até hoje. Por isso, talvez, é um carinho enorme que tenho pelo Palmeiras, torço muito para o Palmeiras. Em 2015, a chegada de mais de 15 jogadores novos, se especulava muito como seria isso, essa readaptação de todos. E logo no primeiro ano pudemos ser campeões da Copa do Brasil, resgatando o respeito que o Palmeiras sempre mereceu. É uma das grandes equipes do futebol mundial e, ali, foi um passo para o Palmeiras voltar a se tornar respeitado. Como disse nosso grande Zé Roberto: 'Palmeiras é grande'. Foi montado um grupo, talvez, não de tantas estrelas, mas de jogadores muito competitivos, que vestiam a camisa do Palmeiras quando entravam em campo. Ter ganho a Copa do Brasil foi prova disso. É um campeonato muito competitivo, soubemos ir jogo a jogo. Então, para mim, foi maravilhoso. E logo em 2016 ser campeão do Brasileiro... Minha intenção era permanecer, mas por estar tendo poucas oportunidades e ver que poderia estar jogando em outras equipes, ou atuando em mais jogos... Optamos por sair, mas feliz por ter deixado um legado, feito parte deste recomeço, desta nova fase no Palmeiras".

Palmeiras é o único hoje que pode bater o Flamengo?

"Não só o Palmeiras, mas qualquer equipe é, sim, capaz de ganhar do Flamengo. Obviamente, hoje são as equipes com maior investimento, mas não podemos deixar de citar o Grêmio, que há anos vem ganhando títulos. Renato tem um grupo muito competitivo na mão, de grandes jogadores, jogadores de qualidade. Como outras equipes, que têm investido bem. No futebol, favoritismo fica para fora das quatro linhas. Quando a bola começa a rolar, tudo muda. Não existe favorita, existe a equipe que tiver mais competência no jogo. Favoritismo faz parte da competitividade das quatro linhas para fora".

Você tem 36 anos. Já tem algum planejamento em relação à aposentadoria?

"Dentro do meu planejamento, um [objetivo] era voltar ao Japão neste momento. Creio que se eu tivesse ficado no Brasil, estaria pensando em me aposentar, talvez, esse ano ou o próximo. Não por não ter condicionamento físico ou capacidade de jogar, e sim por ter um desgaste muito grande extracampo no Brasil. Atrasos de salário, problemas de não ter privacidade... Hoje, por ser um jogador experiente, estar sempre na linha de frente, tendo de questionar um possível salário atrasado, um possível problema de funcionários com salários, como foi no Figueirense... Isso gera um desgaste grande. Por isso, dentro do meu planejamento, era voltar para o Japão porque sei que aqui as coisas são muito profissionais, temos a preocupação só de jogar futebol e depois que sair do treino ou do jogo, voltar para casa, ter uma vida normal como qualquer pessoa. Isso me agrega muito, me dá condição de, talvez, jogar mais uns três anos. Mas, obviamente, tenho de mostrar resultado em campo, mostrar o motivo de ser contratado, até porque, aqui, ocupo uma vaga de estrangeiro. Então, tenho de mostrar futebol para o clube ver o resultado do investimento que tem feito em mim"