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Elogiado por Tite, técnico revelação de SP desafia "inversão de valores"

Thiago Carpini é técnico do Guarani, que tem cinco pontos a mais que o Corinthians no Estadual  - Rebeca Reis/AGIF
Thiago Carpini é técnico do Guarani, que tem cinco pontos a mais que o Corinthians no Estadual Imagem: Rebeca Reis/AGIF

Gabriel Carneiro

Do UOL, em São Paulo

15/05/2020 04h00

Paralisado depois de dez rodadas por causa da pandemia do novo coronavírus, o Campeonato Paulista 2020 contava com um monte de surpresas. Uma das principais é o mau desempenho do Corinthians, que briga nas últimas posições. Quem se aproveitou da crise do gigante da capital foi o Guarani, cinco pontos à frente e na segunda posição do Grupo D — o Red Bull Bragantino, já classificado, é quem lidera a chave.

Vencedor no clássico campineiro contra a Ponte Preta, que marcou a última vez da bola rolando o Estado, em 16 de março, o time alviverde é comandado pelo técnico Thiago Carpini, de apenas 35 anos. Aposentado da carreira de jogador há três, ele não completou nem uma temporada na nova função e desponta como a revelação entre os treinadores em 2020. Tanto é que recebeu elogios até de Tite, treinador da seleção brasileira.

"Depois do jogo contra o Santos recebi uma mensagem do Tite para elogiar o trabalho, o padrão de jogo do Guarani e a maneira que atuamos. Fiquei muito feliz, imagina isso para um treinador de 35 anos, no primeiro clube, que acabou de pendurar as chuteiras e já vê tudo acontecer", conta, ao UOL Esporte.

Ex-volante de pouco destaque com passagem pelo próprio Guarani, além de Atlético-MG e Bahia, Thiago Carpini parou de jogar em maio de 2017 e no mesmo ano aceitou o convite do técnico Evaristo Piza para ser assistente no XV de Piracicaba. De lá a dupla foi para o Botafogo-PB vice-campeão da Copa do Nordeste de 2019. No segundo semestre, o ex-meia Fumagalli (então superintendente de futebol) fez o convite para Carpini ser auxiliar no Guarani. "Em 40 dias tiraram o técnico, assumi dois jogos como interino e estou aqui até agora."

Roberto Fonseca foi demitido após a 17ª rodada da Série B de 2019, com o Guarani na lanterna e 97% de chances matemáticas de rebaixamento. Thiago Carpini assumiu o time nesse período para dar tempo de a diretoria encontrar algum louco que topasse. O impossível aconteceu: com nove vitórias nas rodadas restantes, o time terminou em 13º e se livrou da Terceira Divisão do Campeonato Brasileiro.

Carpini - Divulgação - Divulgação
Guarani acabou com tabu de oito anos contra a Ponte e Carpini comemorou na rua com jogadores
Imagem: Divulgação

Neste ano, a boa campanha no Paulistão (só duas derrotas em dez partidas) rendeu um convite do Red Bull Bragantino, segundo apurou o UOL. "Situações surgiram, sim, mas eu não saí. Quis terminar o ciclo e participar de todo projeto do Paulistão. O Guarani precisa resgatar o respeito e temos conseguido. Além disso, o carinho que recebo é maravilhoso e me fortalece. Esse ciclo vai acabar, seja eu mandado embora ou topando um novo desafio, e preciso disso em algum momento, mas antes disso quero deixar um legado."

"Só querem postar frase bonitinha"

Em fevereiro, uma entrevista coletiva de Thiago Carpini no Brinco de Ouro teve repercussão fora dos limites do clube. Era uma crítica à nova geração de jogadores e às categorias de base do futebol nacional motivada pela decisão de rebaixar para o sub-20 um jogador do elenco profissional — o zagueiro Pedro Moraes. O jovem treinador acha que há, de modo geral, pouco comprometimento.

"Esses jovens perderam o brilho no olhar, de jogar no clube onde estão sendo formados e fazer história. Eles não olham o profissional como uma chance, há uma inversão de valores e os clubes são culpados porque dão tudo na mão. Nenhum jogador está acima da instituição, por mais que tenha potencial de mudar a história financeira do clube."

Hoje você vê subirem jogador com 18 anos que tem tudo de jogador: estilo, cabelo e carro. Só não tem o gesto técnico, a leitura tática. É isso que precisamos resgatar.

"Na minha época de base, o jogador mais velho emprestava chuteira aos garotos para lacear. Você pensava: 'vou encher meu pé de bolha, mas p* que pariu, que bom, olha a chuteira que eu vou treinar'. Hoje, eles têm mais chuteira que o cara do profissional. Eles querem viver todo o status, postar frase bonitinha no Instagram, mas não querem pagar o preço. Não sou contra os garotos, eu coloco para jogar. Eu sou contra a maneira que são formados, coisas que aceitamos de maneira passiva na base e quando eles chegam no profissional criticamos."

Carpini 2 - Divulgação - Divulgação
Ex-jogador do Guarani e da Ponte, técnico nascido em Valinhos recebeu o título de cidadão campineiro
Imagem: Divulgação

Thiago Carpini reconhece que há uma questão geracional na discussão, por serem meninos que cresceram hiperconectados: "Não vamos conseguir mudar o vestiário frio por estarem todos no celular, isso eu sei. Mas você precisa conciliar com comprometimento. É muito fácil para eles".

No Guarani, o treinador ajudou a lançar nomes como Davó (hoje no Corinthians), Bidu, Renanzinho, Carlos, Eliel e Mateusinho.

Veja outros trechos da entrevista:

Passado bugrino

"Aos 14 e 16 anos de idade eu fiz avaliações no Guarani, mas fui recusado. Tinha o sonho de começar lá, mas não deu certo e segui a carreira por outros clubes. Comecei no Etti Jundiaí, nem existe mais, depois fui para o Athletico-PR, para a Ponte Preta com o Vadão e rodei. Só realizei o sonho de jogar no Guarani mais para o fim da carreira, com 30 anos."

Transição para técnico

"Parei de jogar cedo por uma sequência de lesões que me atrapalhou, problema de cartilagem, era muita dor e sacrifício para treinar. Não tive uma carreira maravilhosa, mas conquistei algumas coisas e administrei bem, tinha uma segurança que dava para parar. Ainda como jogador voltei a estudar, fiz cursos da CBF. Tive o plano de ser técnico, mas não imaginava tudo tão rápido, que desse grande desafio no Guarani surgisse uma grande oportunidade."

Campanha no Paulista

"Temos folha enxuta, menos da metade do ano passado, mas jogadores comprometidos com a ideia que pude escolher para o nosso modelo de jogo, nossos conceitos. Buscamos dentro da realidade. Minha parcela é a mínima possível, de administrar, tomar boas decisões e não errar na relação com os jogadores. Eles pegaram a filosofia, compraram a ideia, e hoje brigamos pela primeira posição do grupo. Os resultados mostram que esse é o caminho.

Relação com jogadores

"Eu tive muitos treinadores que contavam uma história e quando tinham oportunidade de colocar na prática não faziam. Até ontem, quase literalmente, eu estava no lugar dos jogadores, então, minha política é fazer o que falo para ter sintonia com grupo. Eles veem essa parceria e eu dou liberdade."

Carpini 3 - Acervo pessoal - Acervo pessoal
Ele é pai de Hugo, um ano, e Caio, de sete
Imagem: Acervo pessoal

Rotina na quarentena

"Aproveitamos para assistir todos os jogos do Paulistão, editar vídeos e ajustar material para trabalhar na reapresentação. Fizemos duas vezes a programação com perspectiva de volta e não aconteceu, aguardamos dia a dia. E particularmente eu tenho aproveitado mais as crianças, a família, o tempo que não temos durante a competição, e atualizando meus trabalhos da CBF. À noite, colocamos as crianças para dormir e vemos séries com a esposa, Netflix bombando."

Volta do futebol

"Eu acredito que não é momento do retorno, são dias muito difíceis, precisaria esperar mais um pouco. Mas clubes e atletas teriam que ter alguma direção. Mais uma, duas semanas seria um tempo suficiente para segurar um pouco mais, mas não vejo o futebol com muito mais gordura para esperar. Falo pelo Guarani como é difícil sobreviver sem renda, cota, receita. Pelo menos em junho tem que ser retomado. Tenho fé que a gente se cuide e em breve possa ser liberado para trabalhar com segurança."

Saudades que fala né... ?? #tudopassa #facasuaparteficandoemcasa

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