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Após denúncia, Cruzeiro cedeu direitos de criança de 12 anos a conselheiro

Estêvão Willian é joia das divisões de base do Cruzeiro - Reprodução
Estêvão Willian é joia das divisões de base do Cruzeiro Imagem: Reprodução

Thiago Fernandes

Do UOL, em Belo Horizonte

10/06/2020 04h00

Resumo da notícia

  • Depois de vender 20% dos direitos de Estêvão Willian, de 13 anos, a um empresário, o Cruzeiro fez nova divisão dos direitos do jovem
  • Itair Machado, cedeu 15% dos direitos econômicos do garoto à Estrela Sports Ltda, do conselheiro Fernando Ribeiro de Morais, em 1º de junho de 2019
  • O clube permanece com 70% dos direitos econômicos, e a família do atleta segue com outros 15%

Pouco mais de um ano depois de vender 20% de Estêvão Willian ao empresário Cristiano Richard dos Santos Machado (em março de 2018), o Cruzeiro fez uma nova divisão dos direitos econômicos do garoto, revogando o que ocorrera inicialmente. Em 1º de junho de 2019, dias após o primeiro contrato se tornar público, o então vice-presidente de futebol, Itair Machado, cedeu 15% dos direitos econômicos do menino à Estrela Sports Ltda, do conselheiro Fernando Ribeiro de Morais. O garoto tinha, à época, 12 anos.

O clube permanece com 70% dos direitos econômicos, e a família do atleta segue com outros 15%. O compromisso tem assinaturas do empresário Fernando Ribeiro de Morais, de Itair Machado de Souza, do próprio garoto e de seus pais — Ivo Gonçalves e Hetiene Almeida de Oliveira Gonçalves.

De acordo com o contrato, "o ATLETA (Estêvão Willian) é integrante das categorias de base do CRUZEIRO, ali havendo iniciado suas atividades por meio da atuação do PARCEIRO (Estrela Sports Ltda)". O mesmo documento explica que "em função da referida atuação do PARCEIRO, as partes passam a estabelecer um condomínio de direitos sobre o proveito econômico líquido, obtido em eventual transferência onerosa (cessão) dos direitos econômicos federativos do ATLETA, direitos estes que doravante se denominam direitos econômicos".

A cláusula primeira é a que estabelece a divisão dos direitos econômicos a partir de 1º de junho de 2019 (conforme imagem abaixo).

Cruzeiro cedeu 15% dos direitos de Estêvão Willian ao conselheiro Fernando Ribeiro de Morais - Reprodução - Reprodução
Cruzeiro cedeu 15% dos direitos de Estêvão Willian ao conselheiro Fernando Ribeiro de Morais
Imagem: Reprodução

Procurado para falar sobre o tema, Fernando Ribeiro de Morais não vê ilegalidade, mesmo que se trate de uma criança.

"É um acordo de comissionamento futuro, se caso ele vier a se tornar um atleta profissional. É o único documento que poderia ser feito depois de eu ajudar a família por tantos anos. Eu ajudei pagando aluguel, ajudei de todas as maneiras que você me perguntar, mas nunca comprei passe de jogador nem nada. Eu fiz um acordo com o Cruzeiro, não fiz nada de ilegal. Eu só queria ter algo documentado com o clube. Se você colocar aí que me manifestei dessa maneira, é isso", disse ao UOL Esporte.

"Eu ajudei a família e terei um retorno, é diferente do que saiu na televisão que alguém comprou um percentual do 'passe' dele. Eu não comprei. Eu banquei a família e queria uma participação. Esse tipo de negociação, se ele vier a ser um atleta profissional e seguir no Cruzeiro, é uma coisa inclusive que podem manter ou não na atual direção. Eu não quis ficar só na palavra, porque gente que frequenta o clube sabe que eu o ajudei muito. Ele contou com o nosso auxílio", acrescentou.

O empresário alega ainda que irá à procura de Sérgio Santos Rodrigues, atual presidente do clube, a fim de manter o contrato válido.

"Eu tenho esse documento que você [repórter] teve acesso. Eu vou procurar a diretoria do Cruzeiro para saber o que pode ser feito, explicar o que aconteceu. Provavelmente vou procurar e contar toda a história. Quem documentou isso foi o próprio jurídico do Cruzeiro. Eu vou procurar a diretoria e perguntar o que pode ser feito. Eu, como empresário, fiz isso aqui pelo atleta, pela família e pelo clube. Quero saber o que o clube vai poder fazer. É a única coisa que tenho a dizer para você", concluiu.

Itair Machado sustentou a versão dada pelo empresário: "Direito de venda futura é legal. Ele que trouxe o jogador para o Cruzeiro. E o jogador estava indo para o Flamengo ou Palmeiras", escreveu por meio de mensagem telefônica ao UOL Esporte.

Afinal, é legal o contrato?

A Fifa impede que terceiros sejam detentores de direitos econômicos de atletas desde maio de 2015. O acordo foi assinado em 1º de junho de 2019. Para explicar o caso, o UOL Esporte entrou em contato com o advogado Louis Dolabela, especialista em direito desportivo. Ele explica a situação:

"Prefiro opinar de uma maneira geral. A Lei Pelé veda e diz que são nulos os contratos, cláusulas contratuais e instrumentos de procuração, firmados pelo atleta ou por seu representante legal [por exemplo, pais] que resultem vínculo desportivo, impliquem vinculação ou exigência de receita total ou parcial exclusiva da entidade de prática desportiva, restrinjam a liberdade de trabalho desportivo e versem sobre o gerenciamento de carreira de atleta em formação com idade inferior a 18 anos. Por sua vez, nenhum clube pode ajustar ou firmar contrato que permita a qualquer das partes, ou a terceiros, influenciar em assuntos laborais ou relacionados a transferências, independência, políticas internas ou atuação desportiva, em obediência ao art. 18bis do Regulamento da Fifa sobre o Status e a Transferência de Jogadores e à legislação nacional", disse.

"Por força do art. 18ter do Regulamento da Fifa sobre o Status e a Transferência de Jogadores, é vedado que um terceiro obtenha o direito de receber parte ou a integralidade de valores pagos ou a serem pagos por uma eventual transferência de atleta entre clubes, ou de obter qualquer direito em relação a uma eventual transferência. Assim, nos parece, salvo melhor juízo, viola disposições da Fifa. Aliás, constitui exigência indispensável para a efetivação de transferência nacional ou internacional a anexação de declaração conjunta firmada pelo atleta e pelo clube cessionário de que nenhum terceiro, pessoa física ou jurídica, detém a propriedade, total ou parcial, dos direitos econômicos do atleta, nos termos do art. 18ter do Regulamento da Fifa sobre o Status e a Transferência de Jogadores. Caso a declaração indique a cessão, integral ou parcial, de direitos econômicos a terceiros, cabe ao clube cessionário remeter à CBF uma cópia integral, em arquivo digital, do correspondente contrato ou acordo com terceiros ou com clubes nos quais o atleta tiver sido registrado anteriormente, inclusive com anexos e aditivos", acrescentou.

"Configurada alguma infração por parte do clube, o mesmo se sujeita as seguintes sanções a serem aplicadas pela Câmara Nacional de Resoluções de Disputas: I - bloqueio e repasse de receita ou premiação econômica que tenha direito de receber da CBF ou de federação; II - devolução de premiação ou título conquistado em competição organizada pela CBF (apenas para clubes); III - proibição de registrar novos atletas, por período determinado não inferior a seis meses nem superior a dois anos (apenas para clubes); V - proibição de registrar novos atletas por um ou dois períodos completos e, se for o caso, consecutivos de registro internacional (apenas para clubes); V - suspensão dos efeitos ou cancelamento do Certificado de Clube Formador (apenas para clubes); VI - desfiliação ou desvinculação, respeitada a legislação federal. Se sujeita, ainda, a eventuais punições junto a Fifa", concluiu.

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