Guru (e agora auxiliar) de Guardiola inspirou Sampaoli e nunca foi campeão
O ex-meia brasileiro Jamelli foi comandado pelo técnico espanhol Juan Manuel Lillo no Real Zaragoza, em 2000. Guarda lembranças de alguém revolucionário e bem-humorado.
"Ele tirava sarro de mim porque tenho dupla cidadania, brasileira e italiana. Ele dizia que os italianos são os melhores defensores do mundo e os brasileiros os melhores para atacar. E que eu era italiano para atacar e brasileiro para defender, que devia ser ao contrário", diverte-se.
Vinte anos depois da zoeira, Lillo está no noticiário: ele foi anunciado na última terça-feira (9) como novo auxiliar do Manchester City. Aos 54 anos, ele substitui Mikel Arteta, que se tornou técnico do Arsenal na virada do ano.
Para trabalhar com Guardiola, o espanhol pediu demissão do Qingdao Huanghai, em que venceu segunda divisão chinesa em 2019. Antes, tinha trabalhado no Japão, onde comandou o zagueiro brasileiro Dankler: "Sempre comentávamos entre os jogadores que ele tinha características de Guardiola, exigia bastante a posse de bola da equipe, trabalhava muito isso. Éramos o time com mais posse de bola do Campeonato Japonês quando ele estava. Se perdíamos a bola, dois ou três já tinham que dar pressão, jogávamos muito para cima e com intensidade."
Também deixou para trás uma carreira de mais de 35 anos como treinador que teve só duas interrupções, quando aceitou convites para ajudar o argentino Jorge Sampaoli, hoje no Atlético-MG, na seleção do Chile e no Sevilla.
Tanto Guardiola, quanto Sampaoli veem Juanma Lillo como um mentor, uma inspiração. Por que?
Ascensão precoce
Lillo foi o técnico mais jovem da história a dirigir um time na elite da Espanha, antes dos 30 anos. Ele subiu de divisão três vezes seguidas depois de acumular, desde os 17, experiências em times amadores e regionais e categorias de base. Inclusive, os únicos títulos que ostenta no currículo antes da China são deste momento da carreira. Na elite, nunca venceu.
Mas isso é o de menos, porque desde sempre seus times peitaram os mais ricos e fortes. Depois que chegou à La Liga, começou a rodar, com passagens por Oviedo, Tenerife, Zaragoza, Murcia, Terrassa, Real Sociedad e Almería no país. Na maioria das vezes, suas ideias fora do convencional custaram os empregos, como relembra Jamelli.
"Ele era novo na profissão e tinha ideias muito diferentes. Naquela época, começo dos anos 2000, a pré-temporada era muito física, você corria e levantava peso. Ele já colocou treino com bola no primeiro dia, até estranhamos. Era circuito, jogos 2x2, 3x3, 4x4, o que todo mundo faz hoje, ele fazia naquela época. Eram ideias diferentes e revolucionárias e o time estava bem. Mesmo assim, ele ganhou uma fama na imprensa de inventar porque mudava muito o time", conta o brasileiro.
"A demissão do Lillo foi assim: tínhamos uns 18 jogadores de seleção no Zaragoza e ele fazia revezamento de minutos entre todos. Na Copa da Uefa, ganhamos de 4 a 1 do Wisla Krakóvia em casa. Na volta, ele deixou a mim, Acuña e Kily González no banco para revezar. Tomamos 4 a 1 e fomos eliminados nos pênaltis com um time muito melhor. Voltamos muito criticados, aí ele perdeu um jogo para o Valencia e foi demitido."
Demissões por "inventar demais" foram marcas ao longo da carreira. Assim como o bom humor e a condução do dia a dia com leveza: "Tínhamos um sueco chamado Gary Sundgren no elenco, todo sério, alto. Numa preleção, o Lillo perguntou: 'onde você se vê jogando no Zaragoza?'. Ele era super sério, falou que pensava em jogar mais de lateral do que de zagueiro. Quando ele acabou de falar, o Lillo responde: 'Te vejo mais no banco de reservas mesmo'. Todo mundo deu risada. Ele tinha muito dessas tiradas."
"Fora da casinha"
A definição de Jamelli ajuda a explicar a relevância de Lillo no futebol, mesmo sem ser consagrado por um grande título. Nos anos 90 e começo dos anos 2000, ele escalava seus times no (então incompreensível) esquema tático 4-2-3-1, do qual é considerado um dos criadores e teóricos.
A cultura da posse de bola, de recuperar a bola rápido e do jogo curto e vertical teve nele um símbolo. E mais do que isso: ele era figura frequente como comentarista de TV, inclusive na Copa do Mundo de 2002, e expunha ideias de forma simples e didática, a ponto de ganhar seguidores em todo o mundo.
Minha filosofia de futebol é minha forma de vida: você joga como você vive e joga como você sente."
A essência do jogo que ele propunha em campo e na TV foi difundida após Pep Guardiola mencionar que se inspirava nele. Houve aproximação antes e depois de jogos do Campeonato Espanhol, especialmente uma partida em que o então veterano volante pediu para conhecer o técnico adversário, do Oviedo. Anos mais tarde, Pep jogou sob o comando do compatriota no Dorados, do México. Dali nasceu uma relação estreita, apesar de terem sido só dez jogos.
Quando Guardiola assumiu o Barcelona B como técnico e começou a colocar em prática seus conceitos, Lillo era uma espécie de auxiliar informal. Ele se tornou assistente de fato, e largou o protagonismo à beira do campo, ao lado de Jorge Sampaoli no fim de 2015, primeiro na seleção chilena e depois no Sevilla. De novo, uma relação iniciada pelo que pensavam de futebol, assim como aconteceu com Marcelo Bielsa, Juan Carlos Osorio e Mauricio Pochettino.
Lillo, por sua vez, foi tutorado por Cesar Luis Menotti, técnico da Argentina campeã mundial de 1978, que dirigia o Atlético de Madri quando ele estudava para ser treinador, aos 22 anos. Uma longa conversa de sete horas sobre futebol é lembrada pelos dois. Assim como o apelido "monstrinho".
Cult até na Colômbia
O treinador espanhol carrega algumas peculiaridades que o fazem ser considerado cult, ou alternativo, no meio do futebol. Ele não comemora com frequência os gols de seus times, por exemplo. Alega que isso é usurpar a festa de quem merece, os jogadores. Também fica sentado quase o tempo inteiro no banco, porque ficar de pé gritando e gesticulando significa que não trabalhou bem na preparação do jogo.
Um dos poucos jogos em fez questão de sair do banco para mostrar que era parte do processo foi numa goleada sofrida pelo seu Oviedo por 8 a 0. Para o Barcelona. De Guardiola.
Nos últimos anos, antes de ser convidado para o reencontro com Guardiola, deu uma de andarilho: trabalhou na Colômbia (Millonarios, em 2013, e Atlético Nacional, em 2017), no Japão (Vissel Kobe, em 2018) e na China até aparecer a proposta do City.
No Atlético Nacional, ele substituiu Reinaldo Rueda - que logo depois iria para o Flamengo. Uma entrevista em que falava sobre sua filosofia de jogo viralizou rapidamente, aumentando o culto em torno da figura. Mas duas eliminações em 22 jogos custaram o emprego em seis meses. Depois foi para o Japão comandar Iniesta, David Villa, Podolski e Dankler: "Ficou marcado para mim esse lado comunicativo, de passar ideias de jogo muito bem, de ser exigente e ter um lado explosivo que só ajudava."
Agora, o momento é de acompanhar o "filho".
"Não sou pai biológico do Guardiola, não (risos). Paternidade de carinho, ok. Ele é meu filho, meu irmão mais novo, meu amigo..."
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