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Como um goleiro foi "dono" dos refletores do Palmeiras por uma semana

Cesar, goleiro do Palmeiras na final do Campeonato Paulista de 1992 - Folhapress
Cesar, goleiro do Palmeiras na final do Campeonato Paulista de 1992 Imagem: Folhapress

Allan Simon e Vanderlei Lima

Colaboração para o UOL, e do UOL, em São Paulo

16/06/2020 04h00

Resumo da notícia

  • Ex-goleiro César entrou com ação trabalhista contra o Palmeiras
  • Após dificuldade para receber o valor, Justiça penhorou torre de iluminação
  • Ex-jogador atuou pelo clube na transição para a era Parmalat
  • Foi titular no vice-campeonato paulista de 1992 pelo alviverde
  • Prejudicado por lesão, foi terceiro goleiro no título de 1993

O ex-goleiro César está na história do Palmeiras de um jeito inusitado. Depois de atuar com a camisa do time alviverde na campanha do vice-campeonato paulista de 1992 e ter sido parte do elenco na conquista do Estadual de 1993, rompendo um jejum de 16 anos, o jogador foi "dono" de uma das torres de iluminação do antigo estádio Palestra Itália. Por uma semana. A história tem uma explicação trabalhista que ele contou em entrevista ao UOL Esporte.

"Foi na época ainda do Mustafá Contursi [ex-presidente do clube]. Eu não me lembro o ano, mas foi na transação com o Flávio Conceição com o Rio Branco de Americana. Foi assim, naquela época tinha os valores e o jogador tinha o direito dos 15%. O Palmeiras não quis repassar os 15%, aí eu movi a ação trabalhista. Para se ter uma ideia, fiquei dois anos tentando conversar com eles, entrar em entendimento, antes de mover essa ação trabalhista", lembrou o ex-goleiro.

A conversa com o Palmeiras não evoluiu, segundo César, o que acabou obrigando o jogador a levar o clube à Justiça. "Eu tinha todos os documentos. Na época, era o Armindo Borelli o presidente do Rio Branco de Americana e ele me passou todos os documentos, [constava] por quanto eu tinha sido vendido. Eu levei ao Gilberto Cipullo [então advogado e diretor de futebol do Palmeiras] e mostrei para ele. Eles 'não, não sei o quê' e não quis, eu fui esperando e esperando, tentando, tentando e na hora que não deu, eu tive que por na Justiça. E eu ganhei", contou César.

A vitória não significou os ganhos financeiros de imediato. E é aí que entra a história da torre de iluminação do velho Palestra. "Eu ganhei a ação e eles [Palmeiras] ficaram enrolando para pagar, aí a Justiça pegou e penhorou o refletor do Palmeiras. Ainda brinquei assim com o Mustafá. Ele falou: 'Esses refletores do Palmeiras estão ruins mesmo. A gente tem que trocar porque todo mundo reclama da iluminação'. E eu falei: 'Não tem problema nenhum. Se você dá na minha cidade aqui, vão fazer festa. É capaz de fazer fila até pra verem o refletor que era do Palmeiras", brincou.

"Mas aí se conversou com o advogado e teve o acerto, deu tudo certo. Mas é verdade, o refletor do Palmeiras chegou a ser penhorado, o Mustafá, naquela época, era complicado", completou o ex-goleiro.

Palmeirense declarado, César conta que apenas brigou por um direito. "O Flávio Conceição recebeu a parte dele e eu não vou receber a minha? Depois de muito custo eu recebi, mas é chato, para falar a verdade. Qualquer ação que você move tem que ser em última instância, em último caso". O ex-jogador frisou que levou praticamente dois anos tentando acordo com o clube do coração, enquanto "pessoas saem do clube e depois de dois, três meses já colocam na Justiça".

Cesar, goleiro do Palmeiras em 1992, na final do Campeonato Paulista de 1992 - Folhapress - Folhapress
Imagem: Folhapress

Começo complicado

César chegou ao Palmeiras em 1989, ao 21 anos. Tinha a concorrência de Zetti, Velloso e Ivan pela posição de goleiro titular alviverde. Zetti acabou deixando o clube e o técnico do time na época, Telê Santana, preferia Ivan como seu número 1. Com poucas chances, César pediu para ser emprestado. Quando Nelsinho Baptista assumiu o comando do Palmeiras, o goleiro teve um papo sincero: "Eu falei 'Nelsinho, eu preciso sair pra jogar porque aqui é complicado, eu não sou prata da casa, mas é como se fosse. E tem goleiros mais experientes, eu preciso sair'. Aí ele falou 'Ok, está bom, eu vou arranjar um time para você jogar. Foi quando eu fui para o São José", disse.

A chance e a lesão

No time do interior paulista, César disputou a Série B do Brasileirão em uma temporada marcada pela presença do Grêmio na segunda divisão nacional. Naquela edição, devido a uma mudança de regulamento, 12 times conquistaram o acesso. O São José (SP) bateu na trave, mas permaneceu na segundona. O time gaúcho retornou à elite com um nono lugar. O bom desempenho pelo time do Vale do Paraíba na Série B no começo de 1992 rendeu o retorno de César ao Palmeiras.

O goleiro conta que havia outro clube querendo sua contratação após se destacar na segunda divisão, mas Nelsinho Baptista o convenceu a lutar por posição na meta alviverde. Agora, o desafio incluiria o goleiro Carlos, veterano no futebol e nome de seleção brasileira, ainda lembrado por Carlos Alberto Parreira no início de seu trabalho como técnico do Brasil que levaria ao tetracampeonato de 1994.

"O Nelsinho me chamou e eu falei, 'p..., Carlos, seleção brasileira. Eu não jogava com o Velloso, como é que eu vou jogar com o Carlos?' Aí o Nelsinho falou 'É aí que está o negócio. O Carlos não é do Palmeiras. E outra: ele vai pra seleção brasileira e eu vou precisar de alguém que jogue. É aí que eu vou colocando você'", relembrou César.

A promessa foi cumprida e César passou a jogar mais vezes pelo Palmeiras, inclusive já sob comando de Otacílio Gonçalves. "Quando eu entrei, o Carlos operou o joelho e eu comecei a atuar. A gente estava em penúltimo lugar do campeonato, eu passei oito partidas sem tomar gol", disse o ex-jogador.

Nesse período, o Palmeiras estava no começo da parceria com a Parmalat, uma era que entraria na história alviverde por títulos estaduais, nacionais e a Libertadores de 1999. Mas o cenário quando a multinacional italiana chegou ao clube era de um jejum de conquistas que começara no Paulista de 1976. E a chance de quebrar essa marca veio logo na primeira temporada.

César foi o goleiro titular da final contra o São Paulo, mas o título escapou. A máquina tricolor de Telê Santana vinha do Japão, onde conquistou o título mundial interclubes em uma final contra o Barcelona, e ainda faturou também o estadual na decisão diante do Palmeiras no Morumbi. Naquela época, o arqueiro alviverde vivia um drama com o joelho, que se tornaria um adversário bem quando o projeto alviverde finalmente decolaria.

"Eu tive um problema no treinamento e acabei machucando o joelho. Eu quase não conseguia treinar. Eu jogava, mas quase não conseguia treinar. Quando acabou a final do campeonato de 1992, estava ruim o meu joelho, aí eu operei e fiquei alguns meses parado. Quando eu voltei, o Sergio estava jogando, era o titular. Voltei como o segundo goleiro. Foi quando saiu da fila de 16 anos e conquistamos o título de 1993 do Paulista. Fomos os campeões. Estava o Sergio, eu e o Marcos, então eu sou campeão paulista de 1993", contou, lembrando a taça conquistada diante do Corinthians em junho daquele ano, já sob comando de Vanderlei Luxemburgo.

César recorda que a lesão no joelho se deu por um problema de cartilagem. "Antigamente, era um pouco mais forte o treinamento, um pouco mais bruto. E tinha jogos de terça, quinta e domingo. Não é igual agora, que os caras falam 'ah, quarta e domingo, eu não aguento mais jogar', não. A gente jogava de terça, quinta e domingo, tinha Copa do Brasil, essas coisas. Era bem puxado."

Arrependimento por sair do Palmeiras

Sem espaço no time de Vanderlei Luxemburgo, César contou que recebeu uma proposta de José Carlos Brunoro, diretor da Parmalat, para jogar por outro clube patrocinado pela empresa italiana no Brasil, o Juventude. "Ele falou assim: 'você vai ter mais evidência, (aqui) com o Vanderlei Luxemburgo está jogando o Sérgio, lá você me dá uma mão'. E fui eu, o Galeano, e o Odair na época, e a gente subiu, o Juventude estava na Série B do Brasileiro e a gente subiu pra Série A, conseguimos ser campeões lá", recordou o ex-goleiro.

"Eu saí (do Palmeiras) por contusão. Eu teria voltado a jogar? Com certeza, mas eu acabei não tendo a paciência, são coisas que acontecem", disse César, que lembrou que naquele tempo os jogadores não tinham estrutura com empresários orientando as carreiras. E que a falta disso inclusive pode ter prejudicado suas chances de chegar à seleção.

"Quando eu estava oito partidas sem sofrer gols e indo muito bem, chegaram ainda a ventilar a possibilidade de eu ir pra seleção. Só que não é como hoje, que o cara joga três, quatro ou cinco partidas boas e vai lá o empresário e coloca o jogador para aparecer. Você sabe que é assim, para depois vender ou valorizar o clube. Naquela época, não, você tinha que ralar muito pra ser cogitado e ir pra seleção brasileira. Foi isso que o Parreira falou. Ele falou, 'olha eu vejo um futuro muito grande nele, muito grande, mas tem que amadurecer mais'. Então foi aí a minha precipitação de ser novo e querer jogar e não ter aquela paciência de esperar um pouco ali para de novo surgir a oportunidade", afirmou.

Após a passagem pelo Juventude, César foi envolvido na troca do Palmeiras com o Rio Branco de Americana. "Fui eu quem insistiu pra fazer a negociação, porque o Palmeiras não queria. Eu falei 'Quero ver se dali eu vou para outro clube, eu vou me destacar'. Aí que eu falo que fui precipitado. Hoje eu ficaria no Palmeiras, sem duvida nenhuma. Já na época o Palmeiras era um clube bom, não tinha a estrutura que tem hoje, mas eu estava num patamar muito bom. Hoje não faria isso de jeito nenhum. Sou palmeirense, eu sempre fui palmeirense, palmeirense de escutar o radinho de pilha ali quando eu era novo", disse.

Pós-carreira

César pendurou as chuteiras em 2002, após uma passagem pelo Guarani de Campinas. Atualmente ele mora em São João das Duas Pontes, sua cidade natal, onde trabalha como agricultor no negócio da cana-de-açúcar. Mas chegou a ter uma experiência como dirigente de futebol no interior.

"Eu tenho propriedades aqui, sou agricultor, tenho cana. No futebol, o que eu fiz foi porque insistiram muito. Aqui no Fernandópolis FC, foi o ano que subiu para a Série A-3 [do Paulistão], eles me pediram para eu ser diretor de futebol, eles queriam, o time não estava legal", contou César, que comemorou um acesso do clube após 23 anos e não permaneceu por não conseguir conciliar a atividade com seus negócios.

O ex-goleiro disse levar atualmente uma "vida de interiorano" ao lado da mulher, Kátia, e dos filhos Rafael, 27 anos, e Rafaela, 23. O mais velho chegou a ter uma carreira no futebol, atuando por clubes como Rio Claro e Fernandópolis, mas parou de jogar por uma lesão nos ligamentos dos tornozelos. Em 2016, César visitou a Academia de Futebol do Palmeiras. "Eu fui com o Cuca porque a gente jogou junto. Estava lá o Paulo Nobre [então presidente do clube], que é muito gente boa, e na ocasião eu conversei com o pessoal, com o Edu Dracena."

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