Topo

MP do Flamengo: por que ela gera tanta divergência no futebol brasileiro

Presidentes de Vasco (Alexandre Campello) e Flamengo (Rodolfo Landim) com o presidente Jair Bolsonaro e um de seus filhos, o senador Flávio Bolsonaro - Reprodução/Instagram Flávio Bolsonaro
Presidentes de Vasco (Alexandre Campello) e Flamengo (Rodolfo Landim) com o presidente Jair Bolsonaro e um de seus filhos, o senador Flávio Bolsonaro Imagem: Reprodução/Instagram Flávio Bolsonaro

Pedro Lopes

Do UOL, em São Paulo

22/06/2020 04h00

A Medida Provisória 984, editada pelo presidente Jair Bolsonaro, é clara ao dar aos clubes mandantes a prerrogativa de negociarem seus direitos de transmissão. Há, entretanto, uma grande divergência no meio do futebol sobre a sua validade. Um grupo entende que ela produz efeitos imediatos. Outro grupo entende que ela não afeta contratos assinados antes de sua edição.

A discussão tomou conta do futebol brasileiro na semana passada, e pode deflagrar uma nova disputa de interesses e visões, com repercussões grandes para o futuro do esporte. Por isso, o UOL Esporte tenta responder às perguntas mais frequentes sobre o assunto, e situar a posição atual dos vários clubes, emissoras e federações envolvidos.

O que diz a MP 984?

A Medida Provisória 984 tem como principal ponto dar aos clubes a prerrogativa exclusiva de negociarem os direitos de transmissão das partidas das quais são mandantes. O texto da medida diz que "Pertence à entidade de prática desportiva mandante o direito de arena sobre o espetáculo desportivo, consistente na prerrogativa exclusiva de negociar, autorizar ou proibir a captação, a fixação, a emissão, a transmissão, a retransmissão ou a reprodução de imagens, por qualquer meio ou processo, do espetáculo desportivo".

A MP também diz em seu parágrafo único que "Serão distribuídos, em partes iguais, aos atletas profissionais participantes do espetáculo de que trata o caput, cinco por cento da receita proveniente da exploração de direitos desportivos audiovisuais, como pagamento de natureza civil, exceto se houver disposição em contrário constante de convenção coletiva de trabalho".

A medida precisa ser aprovada pelo Congresso ou já está valendo?

A Medida Provisória passa a valer imediatamente após ser editada pelo presidente. No prazo de 60 dias ela é avaliada pelo Congresso e mantida ou derrubada, mas produz efeitos durante todo esse período. A MP 984 está, atualmente, em pleno vigor, com efeito de lei. Há entretanto, divergência sobre quais efeitos ela produz no futebol brasileiro.

O que pode mudar nas transmissões com ela?

Antes da medida provisória, para que pudesse transmitir uma partida, uma emissora precisava ter os direitos de ambos os clubes que iriam se enfrentar. Assim, um confronto entre times que assinaram com empresas diferentes ficava no escuro, sem transmissão. Com a nova regra, a emissora que tiver contrato com o clube mandante passa a ter direito de transmitir o jogo, mesmo que o adversário tenha cedido seus direitos a um concorrente - ou seja, com a MP, nenhum jogo fica proibido de ser transmitido.

Há, entretanto, divergências entre emissoras, clubes, federações e CBF sobre os efeitos da MP 984. Alguns acreditam que ela atinge os contratos assinados antes de sua publicação - ou seja, em caso de uma partida entre Palmeiras, que vendeu direitos de fechada para a Turner, e São Paulo, que vendeu para a Globo, a emissora do mandante está autorizada a fazer a transmissão. Outros, defendem que nada muda até que os contratos atualmente em vigor terminem - nesse cenário, essa partida hipotética não poderia ser transmitida na TV fechada por nenhuma das duas emissoras.

Por que alguns a chamam de MP do Flamengo?

O Flamengo está sem contrato com a Globo para a transmissão do Campeonato Carioca e, por isso, seria o único clube imediatamente beneficiado imediato pela MP 984. Se prevalecer o entendimento de que ela se aplica mesmo com contratos assinados antes de sua publicação, o Rubro-Negro passa a ter direito de transmitir em seus canais seus jogos no estadual. Além disso, a medida foi editada na esteira de uma série de encontros e articulações do presidente flamenguista Rodolfo Landim com o presidente Jair Bolsonaro. O Flamengo também capitaneou o movimento pela volta do futebol no Rio de Janeiro, um desejo do Planalto.

Foi sob o rótulo de "MP do Flamengo", inclusive, que a medida provisória foi recebida no Congresso. Por isso, a ideia, antes de decidir pela sua aprovação ou não, é iniciar um debate envolvendo todos os clubes brasileiros, algo que ainda não aconteceu.

O que diz a Globo sobre os efeitos dela?

A Globo defende publicamente que a MP 984 não afeta as partidas imediatamente, já que elas são regidas por contratos assinados antes da existência da nova regra. Com isso, para transmitir as partidas, as emissoras continuariam precisando ter direitos de ambas as equipes envolvidas. A Globo, inclusive, promete tomar medidas judiciais caso considere que seus direitos tenham sido violados

"A Globo continuará a transmitir regularmente os jogos dos campeonatos que adquiriu, de acordo com os contratos celebrados, e está pronta para tomar medidas legais contra qualquer tentativa de violação de seus direitos adquiridos", diz posicionamento publicado na última quinta-feira.

O que dizem os concorrentes da Globo?

A Turner, que adquiriu os direitos de transmissão em TV fechada de oito clubes (Palmeiras, Bahia, Santos, Ceará, Fortaleza, Athletico-PR, Internacional e Coritiba) trata o cenário com cautela. Oficialmente, a empresa diz apenas que "está analisando a medida provisória e avalia possíveis impactos da nova regulação". Nos bastidores, há receio de deflagrar uma batalha jurídica longa e custosa e uma tendência, em um primeiro momento, em concordar com a interpretação da concorrente Globo.

A Record chegou a ser procurada pelo Flamengo para tratar de transmissões do Carioca, mas não quis avançar nas negociações, por receio da possibilidade de a Globo iniciar uma batalha nos tribunais, e por não estar atraída por eventos esportivos, ao menos neste momento. Esse é um consenso, por ora, entre as emissoras que teriam interesse em jogos do Flamengo.

O que diz a CBF?

Embora seja parceira comercial da Globo há mais de 30 anos, a Confederação Brasileira de Futebol tem, neste primeiro momento, uma interpretação contrária à da emissora. Para a CBF, as empresas que tem contrato com os clubes mandantes das partidas podem, desde já, transmiti-las. A entidade considera que a MP aumenta o número de partidas na grade de todas as emissoras e, com isso, pode atrair novos investidores e valorizar o produto futebol brasileiro.

"Amazon, Google e Facebook ainda não chegaram aportando dinheiro no futebol brasileiro. Talvez seja um mote para que eles tenham mais interesse para chegar firme no mercado do Brasil", disse o presidente Rogério Caboclo em entrevista à Folha de S. Paulo na sexta-feira.

Como a MP foi recebida pelos clubes?

A maioria dos clubes observa, com cautela e em silêncio, a reação do mercado à Medida Provisória. Em um primeiro momento, parte dos oito clubes que tem contrato com a Turner se animou —há entre alguns dirigentes o entendimento de a medida trará um aumento drástico na grade, mas a própria emissora não dá sinais de empolgação com a mudança. No Rio Grande do Sul, Internacional e Grêmio não gostaram da criação das novas regras sem diálogo envolvendo todos os clubes e se posicionam contra a MP. O Flamengo, principal beneficiado por ela, pretende transmitir em seus canais de Youtube e redes sociais as partidas das quais for mandante no Carioca.

O que dizem os especialistas em direito?

A resposta sobre a repercussão da MP 984 entre especialistas em direito desportivo segue o tom que domina a maior parte da discussão em torno da medida: divergência. "No caso do Carioca, os demais clubes tem contrato vigente com a Globo e os termos deste contrato devem ser respeitados devido ao princípio do ato jurídico perfeito, valendo, desta forma, a regra anterior, onde ambos os clubes participantes do jogo devem ter cedido para a mesma operadora os direitos para a transmissão da partida, independentemente de quem seja o mandante", disse o advogado Eduardo Carlezzo, especialista em direito esportivo, ao Blog do Rodrigo Mattos.

Marcos Motta, também advogado e experiente no futebol brasileiro e europeu, tem uma visão diferente. "Qual o produto? É o campeonato Carioca. Flamengo não tem contrato com o Globo. Quem é mandante? Flamengo. A data da MP é da assinatura, e está válida", afirmou o advogado, que presta serviços para o Flamengo em outros assuntos como negociações de jogadores.