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Ingressos virtuais amenizam impacto financeiro causado pela pandemia

Protocolo especial de saúde contra o coronavírus no estádio de futebol Nilton Santos - Thiago Ribeiro/AGIF
Protocolo especial de saúde contra o coronavírus no estádio de futebol Nilton Santos Imagem: Thiago Ribeiro/AGIF

Do UOL, em Belo Horizonte

29/06/2020 14h00

Se o futebol já retornou nas principais ligas da Europa, no Brasil ainda existem algumas dúvidas de quando isso vai acontecer. Sem opções, os clubes enfrentam dificuldades financeiras e procuram alternativas para substituírem suas fontes de renda. Também vítimas da falta que o esporte nacional faz, as emissoras de televisão transmitiram partidas históricas da seleção e clubes brasileiros.

Desta forma, os torcedores puderam matar a saudade de ver seus times do coração em campo ao reverem partidas que renderam títulos memoráveis. Assim, criou-se uma maneira da torcida também conseguir ajudar os clubes. A alternativa encontrada pelas equipes foi a venda de ingressos simbólicos para as transmissões desses jogos.

Clubes como Botafogo, Santos, Vasco e Fortaleza aproveitaram as reexibições de algumas partidas históricas para realizar essas ações. Além disso, o Botafogo-SP inovou e lançou em abril a campanha do Ingresso Solidário Botafogo x Covid-19. Nela, os torcedores podem comprar vouchers que poderão ser trocados futuramente por ingressos nas partidas restantes do clube em casa, no Estádio Santa Cruz. Todo o valor arrecadado será entregue para a prefeitura de Ribeirão Preto na luta contra o vírus.

O seu xará do Rio, por exemplo, teve seu título brasileiro de 1995 reprisado e usou o dinheiro arrecadado com a venda dos tickets simbólicos em prol de seus funcionários. Em troca, os torcedores que garantiram as entradas receberam um ingresso virtual, um pôster da equipe campeã e promoções exclusivas em lojas parceiras.

"A grande certeza que temos é que essa pandemia trouxe a tona o ambiente digital, que era antes um coadjuvante no futebol. Hoje é protagonista, e serve como canal de relacionamento, conteúdo e também opção de monetização. Todas as iniciativas pensadas devem passar por esse viés, que já era uma tendência, mas que agora é uma necessidade. É possível perceber que vários clubes já entenderam isso e estão criando ações propiciando alta qualidade de conteúdo e receita", analisa Gustavo Herbetta, fundador e diretor de criação da agência de marketing esportivo da Lmid, e que já foi superintendente de marketing do Corinthians entre 2015 e 2017.

Já os santistas puderam rever Neymar com a camisa do Peixe, na transmissão da final da Libertadores de 2011. Com 8 mil ingressos virtuais vendidos e R$ 55 mil arrecadados, a equipe usou o dinheiro para as suas categorias de base. O time já organiza nova venda de ingressos para a reprise da partida contra o Fluminense, válida pela semifinal do Campeonato Brasileiro de 1995.

Bruno Maia, ex-vice-presidente de marketing do Vasco, CEO da 14, agência de conteúdos estratégicos e digital, vê as ações como positivas, mas ressalta a importância dos times conhecerem o perfil de seus torcedores: "A ideia é excelente e a execução dos clubes têm sido bem feita. A grande questão, porém, por trás deste tipo de ação seria aprofundar uma camada de conhecimento de quem são os seus fãs mais fiéis, aqueles capazes de pagar por algo que não vai acontecer, que não tem um retorno direto".

"Os dados deste tipo de torcedor são muito valiosos, pois eles tendem a ser os chamados 'first users', capazes de puxar muitas ações de engajamento e de geração de receita. É importante que os clubes tenham esses dados internamente e estejam trabalhando, tratando-os. Isso poderá gerar novas frentes de receitas planejadas no futuro", completa.

Enquanto isso, o Vasco conseguiu vender ingressos para a reprise da virada heróica de Romário e companhia contra o Palmeiras, em 2000, pela Copa Mercosul. Já a transmissão da final da Libertadores de 1998, contra o Barcelona-EQU, teve mais de 16 mil ingressos virtuais vendidos. Com 212 mil reais arrecadados da partida do título das Américas, o Cruzmaltino conseguiu pagar 192 funcionários. O time também vive um bom momento com o sócio-torcedor. Mais de 89 mil vascaínos renovaram ou se afiliaram ao ST do clube desde maio.

André Monnerat, diretor de negócios da Feng Brasil, empresa especializada em programas de sócios e engajamento de torcedores, que atende o Vasco, além de clubes como Flamengo e Santos, ressalta a força do sócio-torcedor no momento que o mundo do futebol vive: "A quarentena forçou os departamentos de marketing dos clubes a saírem da zona de conforto e serem criativos em novos formatos de ações e conteúdos. Os ingressos virtuais, apelando para a ligação emocional do torcedor, é um dos melhores exemplos, junto com as lives com as mais diferentes atrações. Acredito que muito dessa experiência poderá ser levada para o período com jogos, o que vai representar uma evolução geral no trabalho dos clubes e a geração de novas oportunidades de ativação e mesmo de geração de receita".

Enquanto isso, o Fortaleza decidiu reprisar em seu canal do YouTube a final do Campeonato Cearense de 2015, que contou com o gol decisivo de Cassiano aos 47 minutos do segundo tempo. Com o nome de "#CassianoDay", foram vendidos mais de 15 mil ingressos virtuais, o que somado com promoções e ofertas-relâmpago durante a partida, um faturamento de 140 mil reais.

Presidente do Leão, Marcelo Paz destaca as ações que têm sido feitas para os torcedores: "A torcida tem abraçado, dentro das possibilidades dela, a promoção de venda de produtos, campanha do sócio-torcedor e, por último, a live. Tem sido muito importante o apoio durante o período que estamos chamando de produzir no deserto, sem jogos, sem perspectiva para agora".

"A ação deu ao torcedor um sentimento de ver o Fortaleza novamente, interagir em um clima de jogo. Foi algo bem planejado que envolveu várias diretorias e teve um resultado satisfatório", completou.

Em algum momento o futebol vai voltar, é verdade. Mas durante esses exatos 100 dias de quarentena, os clubes aprenderam - e de certa maneira conseguiram - resgatar a nostalgia de tempos gloriosos de seu passado, fizeram com que seus públicos se engajassem cada vez mais nessas causas e, como cereja do bolo, reverteram, mesmo que timidamente, essas ações em retorno para os cofres tão combalidos em tempos de pandemia.