Clubes fazem pacto e não contratam autores de ações trabalhistas "abusivas"
Os principais clubes brasileiros elaboraram uma lista de pedidos que consideram abusivos em ações trabalhistas movidas por jogadores, treinadores e funcionários. A partir dela, fizeram um pacto de não contratação de profissionais que tenham processos contendo estes pedidos contra qualquer uma das agremiações participantes, condicionando qualquer contrato à retirada deles. A iniciativa foi gestada no 20jur, grupo que reúne os departamentos jurídicos dos 20 clubes da Série A do Campeonato Brasileiro.
O UOL Esporte teve acesso a um documento que circulou entre os clubes contendo os pedidos considerados abusivos. Dentre eles, estão pontos que causaram polêmicas recentes no futebol brasileiro, como "acréscimo remuneratório pelo trabalho aos domingos independentemente da previsão de folga semanal" e "pagamento de adicional noturno a atleta profissional".
A lista ainda tem pedidos de pagamento de férias quando estas foram concedidas coletivamente, pedidos de estabilidade sem previsão na legislação esportiva, pedidos para que a Justiça considere direitos de imagem ou direitos de arena como parte do salário, pedidos de pagamento da multa rescisória sem previsão na Lei Pelé, além horas extras pelas partidas à noite ou aos finais de semana.
Departamentos jurídicos de vários clubes da Série A confirmam a existência da lista e do acordo para que contratações de autores destes pedidos na Justiça contra qualquer clube sejam evitadas até que eles os retirem. À reportagem, os advogados afirmam que não há qualquer restrição contra autores de ações trabalhistas em busca de seus direitos de forma geral, mas que consideram os pedidos da lista distorções que desconsideram as particularidades do futebol e são explorados por profissionais e seus advogados.
A lista e o acordo não são admitidos nem discutidos publicamente, mas já há exemplos práticos dos seus efeitos. Para assinar com o Palmeiras, o preparador de goleiros Rogério Godoy retirou uma série de pedidos que tinha na Justiça contra o Grêmio. "(Rogerio) reconhece expressamente que não são devidas parcelas como horas extras, sobreaviso, diferenças de adicional noturno e diferenças de intervalos, já que sua relação de emprego detinha condições especiais de trabalho que lhe retiravam a aplicação regular da CLT" diz acordo com o clube gaúcho, ao qual a reportagem teve acesso. Procurada, a advogada de Rogério, Mariju Maciel, preferiu não comentar o assunto.
Advogados que representam jogadores e outros profissionais em processos trabalhistas expressam preocupação com a iniciativa. "Nesse momento que os clubes estão precisando que o jogador dê a mão. É inacreditável que em pleno 2020 ainda exista lista negra, isso leva o esporte para o feudalismo. A gente ouvia falar disso lá na década de 90", disse Leonardo Laporta, autor de mais de 100 ações.
Outros dois profissionais que representam jogadores, treinadores e profissionais do futebol em processos trabalhistas confirmaram o movimento de pressão de clubes condicionando contratações à retirada de pedidos. Eles pediram para não serem identificados por receio de que seus clientes pudessem ser expostos, mas também veem o movimento com apreensão.
O UOL Esporte apurou também que o tema já chegou aos jogadores. Dirigentes de dois grandes clubes brasileiros citaram a lista em reuniões com jogadores sobre reduções salariais causadas pela pandemia do novo coronavírus. O pacto foi citado em tom de alerta para eventuais ações que venham a surgir por causa da crise que a covid-19 provocou no futebol.
A Federação Nacional dos Atletas Profissionais de Futebol (Fenapaf), entidade sindical federal que representa os jogadores, considera qualquer perseguição a atletas imoral, mas defende que clubes, sindicatos e federações trabalhem na elaboração de uma legislação trabalhista específica do futebol que amenize o problema.
"Acho que os clubes devem se reunir com a Fenapaf para, juntos, estudarem uma lei específica e ampla sobre as especificidades inerentes a essa categoria especialíssima, ao invés de ficarem violentando direitos, aproveitando o momento de pandemia. Já disse várias vezes que temas como adicional noturno, horas extras, pré-temporada, calendário, intervalo entre partidas e muitos outros temas devem ser objeto de uma lei especial, todavia, não conseguimos, até hoje ,estabelecer esse debate", diz o presidente da entidade, Felipe Augusto Leite. "Sem isso, o atleta vira um trabalhador comum previsto na CLT, e esses direitos são consagrados subsidiariamente tendo a própria CLT como fonte. Perseguição a atletas é inadmissível e imoral".
*colaborou José Eduardo Martins
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