Do primeiro ao último: clássico Fla-Flu 'enterra' favoritismos desde 1912
Flamengo e Fluminense começam no domingo, na final do Campeonato Carioca de 2020, a 63ª disputa por taça na história do clássico de 108 anos. E desde o primeiro Fla-Flu, em 1912, o embate entre as duas equipes costuma "enterrar" o favoritismo, seja de qual lado estiver.
O Rio de Janeiro respirava o remo como paixão no início do século 20, e o futebol ainda era restrito às elites e a grupos de jovens. Em 1902, o Tricolor das Laranjeiras deu seus primeiros passos no esporte, e, nove anos depois, uma briga interna fez nascer seu maior rival.
O Rubro-Negro já existia enquanto clube de regatas e, a partir da cisão com o Flu, criava o departamento que hoje é sua razão de existir pelas mãos de Alberto Borgerth, que remava pelo Fla e jogava bola nas Laranjeiras.
No primeiro confronto, nove ex-titulares que vestiam verde, branco e grená passaram a atuar de vermelho e preto. O favoritismo do Flamengo, claro, era amplo. Mas a partida terminou em 3 a 2 para o Fluminense, com gols justamente daqueles que ficaram: Osvaldo Gomes — até hoje o maior vencedor da história do Campeonato Carioca, com oito títulos — e James Calvert.
Fla inicia história sem dar chance
Dali para a frente, entretanto, a lógica tratou de aparecer. Foram 11 jogos seguidos de invencibilidade do Rubro-Negro sobre o Tricolor, que ficou de 1912 até 1916 sem bater seu maior rival. Até que em 1919, a dupla, já com muita rivalidade, decidiu seu primeiro caneco, do Estadual daquele ano. O Fla, novamente, era favorito. Quem venceu? O Fluminense, com uma goleada de 4 a 0.
Nas decisões, o Tricolor reinava absoluto até 1936, quando era favorito para a final contra o Rubro-Negro no Torneio Aberto do Rio de Janeiro. Dentro das Laranjeiras, o Flamengo venceu por 1 a 0 e faturou sua primeira taça sobre o arquirrival. O que demoraria a acontecer novamente.
O maior clássico do país
Era 15 de dezembro de 1963 e o Fla queria tirar das costas o histórico de decisões contra o Flu. Por isso, 194.603 pessoas, em sua maioria rubro-negros, lotaram o Maracanã. No maior público da história em jogos entre clubes de todo o mundo, o Flamengo segurou o 0 a 0 e levantou a taça do Campeonato Carioca.
A essa altura, o time da Gávea já detinha larga vantagem de vitórias sobre o Fluminense em números gerais — o que segue até os dias atuais — e começava a enfileirar também títulos de expressão. A torcida rubro-negra, hoje famosa pela alcunha de Nação, já era considerada a maior do Brasil. O Tricolor era a pedra no sapato. Pela dimensão do Rio de Janeiro e dos clubes à época, o clássico de nome fácil era o maior do país.
Em 1969, outra decisão histórica. O Tricolor vinha de resultados ruins nos anos anteriores, tinha um time ainda em formação, e, a bem da verdade, o Botafogo era o grande time do estado, mas não chegara à final. O Flamengo, treinado por Tim, chegou ao jogo decisivo como favorito, mas foram os tricolores que, mais uma vez, rasgaram o favoritismo: 3 a 2, gol de Flávio, o Minuano, artilheiro da competição, aos 38 minutos do segundo tempo.
A forra veio em 1972. O Flu vencera o Brasileirão em 1970 e tinha Félix, Marco Antônio e Gerson, todos titulares no tri da seleção na Copa do Mundo do México. Com grande atuação do time comandado pelo também campeão do mundo Zagallo, o Flamengo calou os tricolores e ficou com a taça: 2 a 1, gols de Doval e Caio Cambalhota.
Anos de ouro do Fla com títulos do Flu
Os anos 1980 deram o mundo ao Flamengo. O time de Zico, Leandro, Júnior e companhia fez chover nos gramados de todo o Brasil e pintou o país de vermelho e preto.
O Galinho, já ídolo nacional e principal jogador do país apesar da tragédia do Sarriá, na Copa do Mundo de 1982, partiu em 1983 para a Udinese. E é importante lembrar que o camisa 10 rubro-negro nunca disputou uma final contra o Tricolor com a camisa rubro-negra. A "Era Zico" registrou mais vitórias que derrotas para o time da Gávea, é claro.
Mesmo sem seu maior artilheiro na história do clássico, o Fla, campeão brasileiro, da Libertadores e do mundo, enfrentou um Flu cheio de garotos e apostas na busca do título do Campeonato Carioca de 1983. Um triangular final, que também tinha o Bangu, definiu aquela edição.
Aos 45 minutos do segundo tempo do Fla x Flu, Assis invadiu a área pela ponta direita e tocou por baixo de Raul. O time tricolor, com a vitória por 1 a 0, deu a volta olímpica.
O camisa 10 tricolor repetiria a dose em 1984, quando o Flu já equilibrara o favoritismo, é bem verdade, com o título brasileiro daquele ano. Aos 30 do segundo tempo, sozinho na área, cabeceou sem chances para Fillol — que declarou que teria pegado a bola do ano anterior — e deu o bicampeonato ao Fluminense. O eterno parceiro Washington no Casal 20, não à toa, foi apelidado para sempre de Carrasco.
O gol de barriga de Renato Gaúcho
Os anos 1990 começaram com nova vitória do Flamengo sobre o Fluminense, em 1991. A base rubro-negra que venceu a Copa do Brasil em 1990 e seria campeã também em 1992 não deu nem chance ao Tricolor, liderado por Ézio, que marcou um golaço na decisão. Sob a batuta do "Maestro" Júnior, o Fla enfiou 4 a 2 no Flu na decisão e levantou mais uma taça.
Quatro anos mais tarde, a diferença parecia gritante. Enquanto o Fluminense ainda vivia a época do "bom, bonito e barato", política que tentava repetir os anos 1980 — após dívidas deixadas pela Máquina Tricolor —, o Flamengo comemoraria seu centenário. De presente, o presidente Kleber Leite, nome conhecido da crônica esportiva, contratou nada mais nada menos que o melhor jogador do mundo: Romário, ídolo nacional e grande líder do tetracampeonato da seleção na Copa do Mundo de 1994.
Badalado, o Rubro-Negro era o franco favorito para a decisão. O rival mais próximo, à época, parecia ser o Botafogo — que acabaria campeão brasileiro naquele ano — de Túlio. No octogonal final, o clássico entre as duas equipes foi chamado de "final antecipada". O Flamengo venceu e precisava só empatar com um Flu de nomes desconhecidos para ser campeão e coroar seus 100 anos de história.
Até os 41 minutos do segundo tempo, em um jogo com chuva, expulsões e casa cheia no Maracanã, era isso que acontecia. O placar marcava 2 a 2, com gols de Romário e Fabinho para o Fla. Até que Ailton, de passado rubro-negro, tirou Charles Guerreiro para dançar e acertou a barriga de Renato Gaúcho, a única estrela tricolor. Para muitos, este foi o maior jogo da história do clássico. E o Flu saiu campeão.
Jejum de 25 anos do Flu não parece estar perto do fim
A ressaca do gol de barriga, entretanto, já dura 25 anos. E ainda que só cinco finais de turno — com três vitórias tricolores, em 2005, 2017 e 2020, e duas rubro-negras, em 2001 e 2004 — e uma decisão de Campeonato Carioca (em 2017, com vitória do Flamengo) tenham sido disputadas, o Fluminense não "faz valer" seu histórico sobre o rival em decisões desde então.
O jejum já dura 25 anos, e, para piorar, o Tricolor viu seu maior rival ultrapassá-lo em conquistas estaduais (hoje em 35 a 31) após 103 anos. A hegemonia, hoje, é rubro-negra. Mesmo que em linhas gerais, contando disputas de menor expressão, o Flu tenha vencido 40 taças, e o Fla, 22 troféus quando se enfrentaram valendo títulos.
Para piorar, com conquistas expressivas nos anos 1990 durante a Era Eurico Miranda, o Vasco passou a ser, para muitos, o grande adversário do time da Gávea no Rio de Janeiro.
Além disso, o Fla também conquistou mais uma Libertadores (que o Flu ficou no máximo com o vice, em 2008), dois Brasileiros (em 2009 e 2019, mesmo número do Fluminense no espaço), duas Copas do Brasil (2006 e 2013, contra uma do Tricolor, em 2007) e outros três títulos sul-americanos (Copa Ouro, em 1996, Copa Mercosul, em 1999 e Recopa Sul-Americana, em 2020), conquistas que o clube das Laranjeiras não possui.
A diferença também aumentou e muito no poderio financeiro. Dono da maior torcida do país, o Flamengo atropelou não só o Fluminense como todos os outros clubes brasileiros com gestões eficientes do ponto de vista financeiro, e o retorno esportivo, que já começou, tende a aumentar. Em 2020, o Fla é de novo favorito sobre o Flu na final do Campeonato Carioca, status que promete continuar no futuro próximo.
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