Técnica do Rio Branco se demite após anúncio de Bruno: "Triste e revoltada"
A técnica do time feminino do Rio Branco-AC, Rose Costa, pediu demissão do clube após a notícia da contratação do goleiro Bruno Fernandes. Rose estava à frente da equipe desde outubro do ano passado e, ao UOL, alega que se sentiu triste, revoltada e que sua ética profissional a impediu de compactuar com a decisão do reforço.
"Foi uma decisão unilateral, uma vez que parte da diretoria não concordava com essa contratação. Soube que o o presidente havia fechado negócio com o Bruno por meio da imprensa, acredita? Mesmo com apelo —tanto de torcedores como de funcionários do clube—, não houve como negociar", afirma.
Me sinto muito triste, revoltada, e, por mais que eu ame o Rio Branco, não tenho mais vontade de continuar".
Em vídeo publicado no Instagram do Rio Branco-AC, o presidente do clube, Neto Alencar, classificou a negociação como uma das "maiores da história". O goleiro, que cumpre pena no regime semiaberto domiciliar em Varginha (MG), já havia voltado a treinar mesmo durante a quarentena. Ele foi condenado pelo homicídio triplamente qualificado da ex-companheira, Eliza Samudio.
Rose conta que, no mesmo dia em que o vídeo foi publicado, ela informou à direção do Rio Branco seu desligamento. A equipe, que treinou até março, disputaria o Campeonato Acreano feminino neste ano, adiado por causa da pandemia.
"Sou profissional de Educação Física há mais de 30 anos, sei que o esporte de rendimento —principalmente o futebol— tem uma conotação importante de formação cidadã. O atleta não é um mero profissional, ele é um exemplo para a sociedade, para os jovens. E como um homem que cometeu um crime bárbaro como esse pode ser exemplo para alguém?", questiona.
A decisão de perder a única fonte de renda em meio a uma pandemia, Rose explica, foi muito bem pensada. Ela sabe que vai ser difícil se recolocar "devido aos estragos causados pelo novo coronavírus", entretanto, garante não haver outra opção que não se desconectar do time. "Eu não acredito que a justiça tenha sido feita. Acho, sim, que a ressocialização é importante, mas, será que em sete anos de prisão ele não teve tempo de aprender outro tipo de trabalho?".
Para Rose, o papel social do futebol não deve estar atrelado a um crime —principalmente a um crime em aberto: o corpo de Eliza Samudio, até o momento, não foi encontrado. "Assumir a posição do principal goleiro da principal equipe de um clube é se colocar como exemplo, principalmente, para atletas da categoria de base. É quase um reconhecimento pelo crime que cometeu".
No ano passado, em entrevista ao UOL, a mãe de Eliza, Sonia de Fátima, reforçou o mesmo posicionamento: "Ver pais levando os filhos para exaltar um assassino é uma inversão de valores. Eu acredito muito na ressocialização, inclusive na dele. Mas não no esporte. O esporte envolve ser ídolo e como um assassino vai ser ídolo de alguém?", disse, logo que Bruno foi contratado pelo Poços de Caldas (MG).
A técnica se solidariza à família de Eliza. "Se a lei é omissa e entende que esse homem cumpriu sua pena, não posso interferir, afinal, não sou formada em Direito. Só que não posso compactuar com isso. Em todas as entrevistas que dá, Bruno não demonstra arrependimento, empatia com a família da ex-companheira dele, que até hoje não pôde fazer um rito de passagem. Em nenhum momento, pensou na vida do próprio filho. Como achar que isso é aceitável?", questiona.
Não posso manchar minha história no esporte, até porque, eu sempre digo: nunca será só futebol. É solidariedade e sororidade, também, muito além da prática esportiva. Tenho obrigação de ser um exemplo para as minhas atletas, e esse é o melhor exemplo que posso dar. Estou com a consciência tranquila".
Rose Costa, ex-técnica do Rio Branco
Perda de patrocínio
Além do desligamento de Rose, o Rio Branco-AC perdeu seu único patrocinador após anunciar a contratação de Bruno Fernandes. A rede de supermercados Arasuper anunciou, em seu Facebook, que suspendeu o contrato com o clube acreano devido ao acerto com o jogador.
A relação entre a empresa e o clube também envolvia as categorias de base, com o fornecimento de alimentos aos jogadores que ainda não se profissionalizaram. Leia o comunicado:
"A Rede Arasuper informa que está suspendendo —a partir desta data— o patrocínio do Rio Branco Futebol Clube em virtude da contratação do goleiro Bruno, anunciada no último domingo. O apoio era de fundamental importância para o trabalho realizado pelo time junto aos jovens e crianças das categorias de base, que serão duramente penalizados. Cabe ressaltar que a empresa não tem qualquer interferência nas decisões tomadas pela diretoria do RBFC".
Outro lado
Apesar de ter divulgado, em janeiro, o retorno do futebol feminino do clube após três anos longe dos gramados —e anunciado o nome de Rose Costa como técnica do time—, o Rio Branco-AC afirma que não tem equipe feminina de futebol. Leia na íntegra a nota enviada pelo clube ao UOL:
"O Rio Branco FC não possui equipe feminina de Futebol. Com relação à declaração da treinadora Rose Costa, o clube esclarece que foi procurado por ela e por outros auxiliares, que manifestaram, em fevereiro, o interesse de introduzirem no clube o futebol feminino. O presidente Valdemar Neto foi simpático à proposta, pediu que fosse elaborada e, posteriormente, apresentada e submetida à apreciação e aprovação do Conselho Deliberativo. Logo em seguida, veio a pandemia, e todas as atividades foram suspensas. No entanto, em nenhum momento a treinadora Rose Costa comandou qualquer atividade nas dependências do CT José de Melo, local dos treinamentos, ou tampouco assinou contrato de prestação de serviços com o clube. As afirmações da treinadora, de que ocupava o cargo de técnica da equipe feminina do Rio Branco, são inverídicas."
Em entrevista ao Globo Esporte, Valdemar Neto confirmou que, com a técnica, tinha um "negócio apalavrado" e que havia, além dela, três treinadores a fim de comandar o time. Ele explicou que optou por Rose pelo fato de ela ser uma mulher à frente de um time feminino.
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