Bruno alertou clube do Acre antes de ser contratado: "vai comprar a briga?"
O anúncio da contratação do goleiro Bruno Fernandes pelo Rio Branco-AC foi o desfecho de uma negociação que durou três meses e só existiu porque o clube sofreu uma goleada por 6 a 2 na penúltima rodada da fase de grupos do Campeonato Acreano. A derrota fez o time perder a vaga da semifinal pelo critério de saldo de gols. Isso forçou o presidente Neto Alencar buscar um novo arqueiro no mercado. Foi quando Bruno surgiu no caminho do Rio Branco-AC.
A negociação com o jogador de 35 anos, condenado a 20 anos e 9 meses pelo assassinato da ex-companheira e modelo Eliza Samudio, também envolve ensinamentos bíblicos, exigências de salários em dia, alertas do próprio jogador ao clube sobre eventual repercussão negativa e vídeos de treinamentos enviados pelo goleiro ao presidente por WhatsApp durante a quarentena.
Bruno se apresentou ao Rio Branco-AC em 30 de julho. A expectativa era de que o goleiro chegasse um dia depois, mas uma previsão de protesto no aeroporto da capital do Acre fez o clube adiantar a passagem.
O goleiro desembarcou às 15h (horário de Brasília), sendo recebido pelo presidente Neto Alencar. Ambos almoçaram juntos em um restaurante, e Bruno seguiu para o hotel. Ele trocou de roupa e vestiu a camisa de um clube profissional pela primeira vez desde a rápida passagem pelo Poços de Caldas-MG, em 2019, logo após permissão para cumprir a pena no semiaberto domiciliar.
Bruno participou de todos os treinos ao longo dos últimos três dias no CT José de Melo. Antes da primeira atividade, o goleiro reuniu o grupo ao meio do campo e falou por alguns minutos e logo depois cumprimentou um por um. Ele também tirou um tempo para cobrar faltas e fez um gol no coletivo de sábado (1.º).
Campeão brasileiro pelo Flamengo em 2009, chegou a ser tietado por torcedores do Rio Branco-AC após o treino, inclusive, por mulheres.
A forma física de Bruno surpreendeu a diretoria e equipe técnica do Rio Branco-AC. O jogador, que fixou residência em Arraial do Cabo (RJ), seguia treinando na quarentena com um personal trainer e um preparador de goleiros.
"Ele veio preparado, está fino e treinando muito. Estava como personal trainer em Arraial do Cabo esperando apenas uma oportunidade. Quando chegou aqui, veio mais preparado que outros", disse ao UOL Esporte, o presidente Neto Alencar.
"O Bruno vem pagando pelo o que fez, tem filhos e esposa para sustentar, então não vejo nada de errado na atitude do clube em contratá-lo. Por isso insisti e não voltei atrás. Ninguém conseguiu me provar onde está o erro", acrescenta.
Negociação surge de uma goleada
Maior campeão do Acreano, com 47 títulos —somadas as eras amadora e profissional— o Rio Branco-AC não conseguiu passar da fase de grupos no primeiro turno deste ano. A equipe empatou em pontos e perdeu a vaga na semifinal no saldo de gols para o Plácido de Castro-AC, clube que impôs uma derrota por 6 a 2 na penúltima rodada ao Estrelão, como também é conhecida a nova equipe de Bruno.
A campanha forçou a barca do Rio Branco-AC, com a dispensa da maioria do elenco. Para o segundo turno, foram 15 novas contratações. Após perder a vaga na fase final pelo saldo de gols, a posição de goleiro virou prioridade no mercado.
O presidente do clube Neto Alencar ligou para o agente Bruno Kling, que agora cuida da carreira do ex-Flamengo. A relação do empresário com o Estrelão surgiu no primeiro turno, quando a agência indicou outros dois jogadores para compor o elenco.
Segundo Alencar, ao dizer que tinha um goleiro à disposição, a princípio o empresário não revelou que se tratava de Bruno.
"Perguntei se tinha algum goleiro. Sem dizer que era o Bruno, ele disse que sim, mas que havia dado problema em todo canto. Eu perguntei o motivo. Foi quando ele respondeu que era o Bruno. Falei que primeiro deveria ver se a situação dele na Justiça estava em dia e nisso amadurecemos a ideia. Ao todo, duraram três meses a negociação", conta.
Bruno convenceu com vídeos por WhatsApp e alertou clube
Revelado em 2005 pelo Atlético-MG, Bruno se consagrou no futebol durante a passagem pelo Flamengo, tornando-se ídolo ao ganhar o Brasileirão 2009.
Desde que progrediu de regime para o semiaberto domiciliar e deixou a prisão pela segunda vez em 2019, Bruno não disputa uma partida oficial por algum clube. Ele negociou com agremiações em vários estados sem conseguir retomar a carreira por desistências das diretorias após repercussões negativas e perdas de patrocínios.
Neste período, o goleiro fixou residência em Arraial do Cabo, na Região dos Lagos, no Rio de Janeiro, onde mora com a filha e a esposa. Na cidade carioca o ex-Flamengo também mantinha a forma física à espera de ser chamado por algum clube.
Ao ligar para o empresário de Bruno, o presidente do Rio Branco lembra que conversou com o goleiro por menos de dez minutos. O jogador garantiu que estava treinando e passou a enviar vídeos para Neto Alencar enquanto a negociação desenrolava.
"Falamos rápido por telefone sobre questão salarial e se estava treinando. Ele mandou uns vídeos e vi que estava em grande forma", recorda.
O mandatário lembra que o próprio goleiro o alertou sobre uma eventual repercussão negativa, como ocorreu com outros clubes.
"Até o próprio Bruno alertou para a repercussão. Eu disse: 'se a Justiça que condenou foi a mesma que liberou você, a sociedade não pode impedi-lo de trabalhar'", detalha Alencar. "Ele me perguntou: 'vai comprar a briga?'. Respondi que dava para brigar. O Bruno ficou assustado quando eu disse que daria e não teria medo de enfrentar nada. A minha visão parte da legalidade e estávamos atrás de um goleiro", completa.
Maior salário do elenco e exigências de pagamento em dia e publicidade
Neto Alencar garante que não ofereceu "nada extraordinário" em termos salariais para Bruno atuar pelo Rio Branco-AC, porém afirmou que os vencimentos do goleiro são os maiores do elenco. O contrato é de seis meses, vigente durante o Acreano, Série D e Copa Verde.
Com o anúncio de Bruno, o Estrelão perdeu o patrocínio de uma rede de supermercados, que fornecia alimentação para a categoria de base, porém conseguiu outros dois. Um dos novos investidores é a empresa B-Kling Soccer, que agencia o goleiro.
De acordo com o presidente, o Rio Branco-AC é autossustentável, apesar de todo dinheiro a mais ser bem-vindo aos cofres. As receitas são dos aluguéis de 27 imóveis e um estacionamento de propriedade do clube no centro da capital acreana. "É daí que vem o sustento", afirma.
Sobre o contrato, o Rio Branco-AC não colocou nenhuma cláusula relacionada direta ou indiretamente ao assassinato pelo qual Bruno cumpre pena. Por outro lado, o goleiro não exigiu bônus financeiro para assinar o contrato ou regalias, a exemplo de imóvel ou seguranças. Ele pediu apenas salários em dia e espaço em banner de publicidade do clube para expor a marca da empresa que patrocina suas luvas.
Bruno, por enquanto, está em um hotel. Ao longo da próxima semana deverá mudar para um dos 17 apartamentos do alojamento do Rio Branco-AC. Ele dividirá o espaço com mais um atleta durante a temporada. A mudança ainda não aconteceu porque resta ser mobiliado.
"O que oferecemos foi uma oportunidade de trabalho, algo que os outros times ainda não haviam dado. Agora mordomia não teve, nada de diferente dos outros 23 atletas do nosso elenco. Foi uma chance de recomeçar a carreira. O Bruno viu que não iríamos retroceder na nossa palavra e isso o fez acreditar no clube. Em termos de valores salariais, não é nada extraordinário. Ficou bom para ele e pagável para a gente", avalia Alencar.
"Retorno financeiro com o Bruno, eu não espero nada. Quero é ganhar o campeonato e garantir a vaga para a Copa do Brasil, além do acesso à Série C".
Princípio bíblico guiou negociação
Para encarar a repercussão, Neto Alencar diz que partiu de dois princípios. "O primeiro é o legal. O Bruno não está aqui foragido. Está de maneira legal, tanto que nesses três meses, teve todo o aval da Justiça. Então não tem ilegalidade alguma".
O outro princípio, de acordo com Alencar foi um ensinamento bíblico: o perdão.
"Quem nunca errou que atire a primeira pedra. Tem outra passagem bíblica, quando Pedro pergunta se deveria perdoar o seu irmão por sete vezes, Jesus diz que o perdão deveria ser 70 vezes 7. Em outro trecho, vemos a passagem: 'Quem és tu para julgar o seu irmão?' Então, na justiça do homem ele vem pagando e na divina existe o perdão. Quem sou eu para julgá-lo?", argumenta.
"Se não desse uma chance, estaria condenando a nunca trabalhar e pendurar a chuteira. A sociedade é hipócrita. As pessoas falam em moral, mas isso é muito subjetivo. O que é moral para um é imoral para outro", finaliza.
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