Jovem trans se emociona ao vestir camisa do Paysandu e ganha surpresa
Dizem que o futebol é o esporte mais democrático de todos. Mas será que todas as pessoas se reconhecem nele? E em si mesmas? Identidade de gênero e futebol são assuntos historicamente distantes, mas nesta semana um vídeo que viralizou nas redes sociais reforçou que o debate sobre diversidade e inclusão no esporte deve estar sempre em pauta.
O protagonista é Noah, um garoto trans de 17 anos que se emocionou ao vestir uma camisa e enxergar, pela primeira vez, o corpo que sempre quis ter.
Ele fez isso ao lado da namorada, Luana, que o ajudou a ocultar os seios com a técnica de binding - uso de bandagens e materiais elásticos ou esportivos para prender o tecido mamário e ficar com a aparência de um peito liso.
Aquele instante foi tão especial que Noah caiu no choro e no abraço da companheira. E foi bem aí, entre sorrisos largos e lágrimas de felicidade que a mágica aconteceu: a camisa escolhida para registrar o momento foi a do Paysandu. Justamente por ser uma edição especial e criada para homenagear a seleção brasileira na Copa do Mundo de 2018, ela foge das tradicionais cores azul e branca do clube paraense.
Na realidade aquela camisa é feminina e é muito apertada. Por conta disso, minha silhueta e meus seios ficam muito marcados. Com a fita, meu peitoral ficou liso. Mesmo com uma camisa super apertada, ainda assim ficou do jeito que eu sempre quis", contou Noah.
O amarelo da camiseta pode ter desviado os olhares de alguns, mas não passou despercebido pelo clube. No Twitter, o Paysandu celebrou fazer parte deste momento e se posicionou a favor de um futebol mais inclusivo.
A camisa no vídeo não é de Noah, mas sim de sua mãe, com quem não tem uma relação muito próxima. O garoto nasceu em Belém, mas viveu seus primeiros anos com a avó na cidade de Vigia de Nazaré, a cerca de 100km da capital do Pará.
Noah não sabe dizer exatamente quando começou a se identificar como homem trans, mas desde jovem não se reconhecia em seu próprio corpo. "Era em coisas comuns como não gostar de vestido, não me sentir à vontade usando maquiagem, me sentir muito desconfortável em ficar de biquíni porque não gosto do formato do meu corpo", lembrou.
A sensação de angústia devido à incompatibilidade entre a anatomia e a identidade de gênero tem nome: disforia. E não foi só com isso que Noah teve de lidar ao longo dos anos: "Na escola eu sofri muito bullying desde sempre por conta do meu corpo e por andar só com garotos. Me chamavam de 'Maria Macho'. Eu comecei a me fechar muito, tive depressão, bulimia, passei um tempo sem comer e desmaiava no colégio", contou.
Assim como boa parte dos paraenses, Noah gosta muito de futebol. Assim como a grande maioria da população LGBTQIA+, Noah enfrenta alguns problemas psicológicos e de saúde desencadeados pela dificuldade de inclusão e aceitação, e por isso se afastou das quadras e campos de futebol. O torcedor do Paysandu não é frequentador dos estádios e na única vez em que foi a uma partida não viu o time do coração jogar, mas sim seu maior rival. "Eu lembro até hoje, foi um jogo do Remo, no Baenão. Não lembro agora contra quem foi, mas foi 2 a 0 pro Remo. Eu era muito pequeno e estava com muito sono porque o jogo era de noite", disse.
Paysandu e Remo dominam amplamente o futebol do estado, colecionando 93 dos 108 campeonatos paraenses disputados até hoje. Inclusive, na próxima semana tem clássico para decidir o campeão deste ano. E não é só no estádio Mangueirão que tem Re-Pa: "A minha família é literalmente dividida entre pessoas que torcem para o Paysandu e pessoas que torcem para o Remo. O meu pai é remista e minha mãe é Paysandu, e eles sempre fizeram minha cabeça pra eu escolher qual era o melhor", riu ao contar.
Hoje em Belém, Noah sonha em se mudar para o Rio de Janeiro e finalizar seu processo de transição com a mastectomia, que é a cirurgia de remoção das mamas. E se depender do Paysandu, o garoto vai poder celebrar esse momento importante muito bem acompanhado. Ainda na noite passada, ele recebeu um pacote inesperado e muito especial do Papão da Curuzu e, de manto novo, vai poder comemorar este e outros golaços do Paysandu.
"O futebol é de todos e para todos, assim como o Paysandu", diz um trecho da carta que chegou junto com a camisa dois oficial do time. "Você é um vencedor e nós temos orgulho em te ter na nossa torcida".
Os sonhos fazem parte da vida de qualquer pessoa. Então, que a história do Noah e que a atitude do Paysandu permitam sonhar com um futebol e com uma sociedade mais inclusiva e igualitária, sem preconceitos e com espaço para todos aqueles que quiserem ocupá-lo. Que sejam vitórias todos os dias, dentro e fora de campo, com uma torcida onde todas as cores sejam bem-vindas.
"Não existe prazer maior do que se sentir bem sendo você mesmo, usando a roupa que você quer e sendo tratado da forma que você sempre quis. Tudo o que importa é a tua felicidade. É se olhar no espelho e se sentir bem consigo mesmo, com o que você quer ser de verdade", finalizou Noah.
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