Ele desistiu do sonho de jogar basquete para ajudar a mãe; hoje é goleador
Marcos Vinicius Amaral Alves poderia muito bem ser jogador de basquete; não apenas pela força ou a altura de 1,96 m, mas também por um sonho de criança. Hoje ele só é o centroavante do Hebei Fortune (CHN) porque, precisando escolher entre dois esportes, escolheu aquele que lhe dava mais chances de poder ajudar a mãe financeiramente. Em entrevista ao UOL Esporte, ele conta esta história.
O episódio foi central na vida de Marcão, hoje com 26 anos e autor de quatro gols no Campeonato Chinês. Entre a infância e a adolescência, ele abriu mão do futebol para ficar perto da família; depois desistiu do basquete para poder ajudá-la.
"Sempre achei que eu iria mais para o lado do basquete, mas um dia fiz um jogo-treino no Ituano e gostaram de mim. Ali começou minha carreira no futebol, e eu resolvi abrir mão do basquete. Não era meu sonho jogar futebol, mas eu decidi jogar para poder comprar as coisas, dar uma casa para a minha mãe", lembra o atleta.
Quando criança, Marcão cresceu dividido entre as duas modalidades: filho de um professor de basquete, ele jogava futebol a sério e esteve perto de ir para Cotia-SP, entrar nas categorias de base do São Paulo. Ainda aos 11 anos, morou seis meses longe dos pais antes de decidir que não queria aquilo. "Eu abri mão porque não estava legal, não era feliz. Jogava por jogar, gostava mas não tinha amor pelo futebol", lembra.
De volta para casa, trocou o campo pela quadra. "Pratiquei basquete dos 11 aos 16 anos; morava com minha mãe, treinava com meu pai todos os dias. Eu já jogava entre os adultos e até tive a oportunidade de ir para o LSB [a Liga Sorocabana de Basquete]; ficaria um ano e, se desse certo, tentaria uma bolsa nos Estados Unidos", lembra Marcão. Então, um jogo-treino sem nenhuma pretensão mudou o destino e a modalidade.
"Um dia fui jogar futebol em Itu-SP, de brincadeira. Não era sequer um amistoso, nem goleiro tinha, mas acabou que o Ituano gostou de mim. Aí, tive que escolher. E decidi trocar o basquete, que era o meu sonho, pelo futebol", conta. A escolha foi difícil e deixou marcas que demoraram anos para passar.
"Meu pai me via nele, jogando basquete, realizando nossos sonhos juntos. Mas diziam que o futebol daria mais dinheiro, seria mais fácil ajudar a minha mãe — mesmo que eu não gostasse tanto. Tive brigas com meu pai: ficamos seis meses sem nos falar, depois mais um ano sem nos falar. Mas hoje, a gente conversa, normal, acho que ele já se acostumou", explica Marcão.
Descoberto pelo Ituano, Marcão jogou Campeonato Paulista e fez uma boa campanha na Série D de 2016. Depois de alguns meses de empréstimo ao Bragantino, foi vendido ao Gyeongnam FC, da Coreia do Sul, onde viveria a melhor fase da carreira. Foram 49 gols em dois anos, duas artilharias, tirando o time da segunda divisão direto para o vice-campeonato da elite. No ano passado ele chegou ao Hebei Fortune.
"A diferença no futebol entre os dois países é que na China os estrangeiros são quem decidem as partidas, enquanto a Coreia tem mais jogadores de qualidade, mais decisivos, então os times não são tão dependentes assim dos estrangeiros", diferencia o centroavante, que é companheiro de ataque de Ricardo Goulart.
Confira outras respostas do Marcão:
UOL Esporte: O Campeonato Chinês é disputado em um modelo diferente neste ano, reduzido, com uma fase de grupos. O que essas mudanças significam na prática para vocês, jogadores?
Marcão: Por estarmos em pandemia, eles isolaram um lugar para a gente ficar. Todos os clubes estão divididos em hotéis próprios e jogam só em duas cidades. O campeonato tem 16 times e dois grupos, os oito melhores classificam para os playoffs, os demais brigam para não cair. Em termos de adaptar a competição, eles foram bem.
UOL Esporte: Como foram seus meses durante a pandemia? Você chegou a voltar ao Brasil?
Marcão: Fiquei um mês e meio no Brasil e voltei antes de fecharem a fronteira. Já faz seis meses que não vejo meus familiares, mas por morar fora já estou acostumado a ficar longe. Aqui na China já não tem mais tanto caso de coronavírus, está mais seguro do que no Brasil, onde está mais complicado, a gente vê cada vez mais casos.
UOL Esporte: Você é pai de um casal. Eles moram com você na China? O que o fato de ser tornar pai mudou em você?
Marcão: Meus filhos vivem e estudam no Brasil, quase que me acostumei a ficar longe deles. Sempre que dava, eles vinham me visitar, mas agora com pandemia não, prefiro que fiquem por lá. Com eles, muita coisa na minha vida mudou: mais responsabilidade, carinho, amadurecimento. Quem é novo tem a mentalidade de se divertir e sair mais, mas virando pai passei a pensar mais nas crianças, no futuro. Isso me fez crescer.
UOL Esporte: Você é bem ativo nas redes sociais, e uma das publicações diz na legenda que "o moleque que vivia na comunidade cresceu". Como foi a sua infância?
Marcão: Tive uma infância um pouco difícil, em bairro simples [na cidade de Tietê-SP] e família humilde. Muita gente acreditava que eu poderia ser jogador, inclusive acreditavam mais em mim do que eu mesmo.
UOL Esporte: Seu estilo também chama a atenção nas redes sociais: o sobretudo, os óculos, as bandanas e tal. De onde vem tanto estilo?
Marcão: É um estilo americano, porque gosto muito de hip-hop. Tudo o que eu visto, uso, é inspirado nos caras. Sempre tem em filme, em clipe, sou fã do Tupac? É uma das minhas paixões e eu tento me basear mais ou menos no estilo dos caras também.
UOL Esporte: Quais são os próximos passos que você imagina na sua carreira? Você pensa em voltar ao futebol brasileiro?
Marcão: Estou muito feliz. Não sou muito conhecido no Brasil, então não sei se eu voltaria. Talvez se algum clube grande quisesse, eu pensaria em voltar. Mas estou muito feliz na Ásia, gosto muito do futebol daqui e estou adaptado. Quero conquistar diferentes objetivos, buscar artilharia, ser campeão. Estou me dedicando para isso.
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