Brasileiros fortalecem pauta antirracista da NBA na MLS: "Lutar juntos"
Há três semanas, os jogadores do Milwaukee Bucks decidiram não entrar em quadra para o jogo 5 dos playoffs da NBA contra o Orlando Magic como forma de protesto contra mais um caso de racismo da polícia dos Estados Unidos. Jogadores de outras equipes, como o astro LeBron James, deram apoio e o boicote se estendeu. Foi um novo capítulo da luta antirracista que já é um símbolo de 2020.
Na MLS, o campeonato norte-americano de futebol masculino, também houve adiamento de jogos no ápice da mobilização da NBA, mas a repercussão foi menor. Alguns jogadores brasileiros negros que atuam na liga e participam de constantes discussões sobre o papel social do esporte conversaram com o UOL Esporte para mostrar que a luta não se restringe a um único grupo e essa união fortalece a pauta.
"Não podemos baixar a cabeça e fingir que não está acontecendo nada, porque, infelizmente, é uma realidade diária e isso tem que acabar. Acho que conseguimos perceber que quando unimos forças vamos em frente nessa luta e mostramos que racismo não vai ser tolerado de jeito nenhum. Nós discutimos a respeito disso no nosso elenco e chegamos ao consenso que temos que apoiar e lutar juntos", diz o volante Everton Luiz, que atua pelo Real Salt Lake.
No mesmo dia do boicote da NBA, havia a expectativa que a MLS adiasse os seis jogos previstos - o que não aconteceu. Orlando City e Nashville se enfrentaram no olho do furacão, a partir de 20h30. Havia mais jogos marcados para uma hora depois, e estes foram impactados pela mobilização antirracista. Líderes de elencos, como Luis Robles e Altidore, fizeram contato entre si e combinaram o ato à revelia da liga.
Nas semanas seguintes os posicionamentos ganharam as redes sociais, os noticiários e os campos, com faixas e atitudes de protesto, como jogadores ajoelhados no gramado com o punho fechado. Também houve comercialização de camisas da campanha "Black Lives Matter".
Eliana Alves Cruz, colunista do UOL, conta que 2020 é o ano em que mais discutiu racismo no esporte em 30 anos de atividade profissional na área.
Precisou de uma morte brutal filmada, do George Floyd, para que esse rastilho de pólvora começasse a incendiar no mundo. É uma pena que as coisas tenham que ser assim, mas estamos em um momento diferente, muita coisa já não é mais tolerada. Virou clichê dizer que tudo é muito chato, que o mundo está chato. Antes era chato só para quem era incomodado, agora é para todos. É chato reaprender a se expressar, é trabalhoso, mas necessário para se viver em bases igualitárias."
A MLS fortaleceu a pauta antirracista incentivada pela NBA com base em ação e diálogo. O UOL Esporte fez contato com seis jogadores brasileiros, mas nem todos toparam dar entrevista. Um dos temores é tirar voz de um norte-americano com o posicionamento, porque a discussão no país está mais madura do que no Brasil.
Ruan Teixeira, ex-Internacional e Ponte Preta, no Orlando City desde janeiro de 2019, reconhece como o tema é sensível.
"Os jogadores se apoiam e querem fazer parte desse movimento, porque é muito importante para todos. Vidas negras importam muito, então devemos nos unir e fortalecer. A liga toda tem conversado e feito protestos e ajuda os jogadores terem comprado a ideia. Devemos estar sempre juntos, porque o mundo está muito difícil. Todos os negros, seja no futebol ou na NBA, estão se unindo e isso faz com que o movimento ganhe força. Nunca sofri um ato racista, mas ver as pessoas passando já me dói na pele, machuca", diz o jogador, antes de completar.
"O respeito pelo próximo acabou, as pessoas não têm mais amor. Eu sou um cara cristão, conheço a palavra de Deus, e ela diz para amar o próximo como a ti mesmo. Hoje não é assim, e por isso têm acontecido muitos atos de racismo. Tem que mudar."
Para Eliana Alves Cruz, "a discussão no Brasil está ganhando corpo".
"Não podemos comparar Estados Unidos e Brasil, é muito cruel. O esporte lá tem outra organização, outro modelo de gestão, outro tudo. Fora que o Brasil tem um fator complicador, que é a questão do colorismo. Você cita mil tons de pele para fugir do tom de pele negra, diz 'eu não sou negro, sou mulato, sou marrom bombom'. Isso fez com que a coisa se dispersasse. Nos Estados Unidos o negro é o negro, o que facilita a tomada de consciência", relata a colunista do UOL.
Everton Luiz, do Real Salt Lake, viveu episódios de racismo. Um deles foi quando atuava no Partizan, da Sérvia. "Torcedores do time adversário passaram o jogo inteiro me chamando de macaco e fazendo gestos e sons se referindo ao animal. Ao invés de receber apoio, fui massacrado e a diretoria da equipe rival ainda me insultou, mandando eu voltar pro Brasil", diz, antes de completar.
No final, fui até a arquibancada, mostrei o dedo do meio e foi isso que causou revolta aos outros, não os gestos racistas que fizeram em minha direção ou as palavras de ofensa. Fui expulso, saí como culpado, mas tudo que fiz foi reagir por ter sido atacado. Não segurei as lágrimas, me senti impotente, decepcionado e com muita raiva."
O brasileiro diz que presenciou e viveu outros atos de racismo, inclusive com familiares. Nesta semana, mais um: recebeu mensagens privadas no Instagram com xingamentos deste teor e emojis de banana. "Esse não foi o primeiro e tenho certeza que não será o último. Aí, me pergunto: até quando?".
"Cabe a nós lutar para que o racismo acabe, que as pessoas enxerguem uns aos outros como iguais, sem distinção por causa da cor da pele. Não podemos tolerar o racismo, esse é o ponto, seja nos Estados Unidos, no Brasil, ou em qualquer lugar do mundo."
Os Estados Unidos vivem uma onda de protestos antirracistas desde maio, quando um segurança negro George Floyd foi estrangulado por vários minutos por um policial branco em Minneapolis. Em agosto, Jacob Blake - outro homem negro -, levou sete tiros pelas costas, na frente dos filhos, durante uma abordagem policial em Kenosha.
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