Do gramado para os ares: Rafael, do Atlético-MG, também pilota aviões
Decolar, alçar voo, subir... O vocabulário do futebol se apropria de muitos termos ligados ao ambiente da aviação. Curiosamente, os dois meios são as paixões de Rafael, goleiro do Atlético-MG. O jogador de 31 anos dividiu o esporte com as aulas de voo enquanto esteve no Cruzeiro, seu antigo clube. Perto de conseguir a licença para pilotar, no fim de 2016, escutou um pedido dos familiares para deixar um de seus amores.
O desejo dos parentes e o susto com o trágico acidente da Chapecoense fizeram o atleta parar com os estudos, mesmo que tenha a ideia de retomá-los no futuro.
"Sempre fui apaixonado por aviões. Desde a primeira viagem de avião, que eu devia ter uns 14 anos de idade, ficava impressionado e olhando tudo o que funcionava, o que mexia nas asas e tudo mais. Depois, comecei a brincar com aeromodelismo e comecei a entender a mecânica, como funciona um avião. Porque tem que saber no aeromodelismo muita coisa que vai te dar embasamento. E foi indo... E um dos meus grandes amigos, que é o comandante Fabinho, o Fábio Junior, é instrutor de voo. E aí a gente começou a voar juntos", disse o goleiro do Galo ao UOL Esporte.
"Comecei a me empolgar, fiz o exame médico da Anac [Agência Nacional de Aviação Civil], tirei a carteirinha, comecei a fazer as aulas com ele, tanto práticas quanto teóricas, e fui caminhando. Até que chegou o momento em que optei por não continuar. A minha família pediu muito pra que eu não tirasse porque senão eu ia sair pilotando, e eles são bem conservadores, têm bastante medo de avião. Isso coincidiu com um momento muito triste para nós, que foi aquele acidente da Chapecoense", revelou.
A interrupção nos estudos relacionados à aviação é passageira. Rafael pretende retomar as aulas de voo e até comprar um avião no futuro. O intuito é viajar entre Belo Horizonte e Coronel Fabriciano, sua terra natal no interior de Minas Gerais, para visitar os familiares, mesmo que a maioria tenha receio de voar com o goleiro.
"O que mais me fez parar foi a minha família, que cobrou muito de mim: 'Poxa, Rafa, pra quê? Pega um avião grande'. É porque avião é muito caro, e tem uns menorzinhos, monomotor, que são mais baratos e viáveis de comprar. São de pequeno porte que você vê decolando aqui do aeroporto de Carlos Prates. E são aeronaves que têm que voar em tempo bom, normalmente em dia claro porque tem um motor só. E não tem toda infraestrutura, tamanho e potência de outros aviões", relatou o jogador.
"Daí eu falei, mas eu quero porque vai me ajudar a ver vocês mais. Eu moro em Coronel Fabriciano, mas a estrada é muito ruim, perigosa. Então, eu pegaria um aviãozinho aqui e chegaria lá rapidinho. Mas disseram: 'ninguém vai andar com você'. Meu pai, minha mãe e meus irmãos falaram isso. Só minha esposa que falou que tem coragem de andar comigo. Então, não tem jeito. Meu pai falou que posso ir de avião que, eles — pai, mãe e irmãos — virão de carro", completou.
O futuro nas cabines de aviões, porém, não devem se tratar do pós-carreira de jogador de futebol. Rafael não pretende pilotar profissionalmente. O atleta vê o trabalho na aviação como algo muito complicado.
"Trabalhar como piloto é difícil porque é uma carreira que exige muito treinamento, dedicação, muitos anos de experiência. Eu queria muito tirar o P.P. [habilitação de Piloto Privado] para ter a oportunidade de pilotar os pequenos aviões. Hoje, existem aviões de pequenos portes que são mais baratos que carros que muitos jogadores têm na garagem. Então, por que não investir em um aviãozinho para ir para alguns lugares e também matar todo meu desejo pela aviação e poder voar? Acho que, profissionalmente, é difícil porque a dedicação é muito grande, exige muito. E a experiência também, você tem que ter muitas horas de voo. E a carteira do P.P. é só o início porque 40 horas de voo é muito pouco", explicou Rafael, que ainda acrescentou:
"Para ir para piloto comercial, precisa ter muito mais horas, experiência, estudar porque cada avião tem uma carteira que tem que tirar. Mas quem sabe... A certeza que tenho é que quero concluir esse curso e tirar essa carteira para poder voar com segurança e continuar vivendo essa paixão paralela que é o voo".
Em entrevista ao UOL Esporte, o goleiro do Atlético-MG falou muito mais sobre a sua paixão pela aviação:
UOL Esporte: Hoje você já tem a carteirinha de permissão para pilotar aviões privados?
Não. Eu tenho a carteirinha da Anac. Mas para tirar o P.P., é preciso 40 horas de aula e passar na prova da Anac, além dos exames de aptidão. Só que na época precisava de 40 horas. Só que 20 horas de voo podia fazer antes de passar nessa prova. E 20 depois. Eu fiz essas 20 aulas e estava estudando muito nessa parte teórica para passar na prova. E passando, faltariam só mais 20 horas para tirar o P.P.. E foi aí que aconteceu tudo isso e acabei esperando um pouco. Na época a gente nem precisava fazer o estudo mesmo em um lugar próprio porque eu tinha dificuldade dos meus horários. Esse meu amigo ia muito em casa, dava aula particular de muitas matérias específicas.
Mas amo aviação, amo altura. Já saltei de paraquedas com minha esposa. Gosto muito disso. Sou um cara que sou apaixonado por aviação e quero continuar nesse ramo porque é algo que quem gosta não tem coisa melhor do que estar em voo.
UOL Esporte: Além do Fábio Junior, seu amigo piloto, como você conseguiu se ambientar com as questões de mecânica?
Hoje, ele está voando em Montes Claros. Antes ele morava em BH, e a gente se encontrava quase todos os dias. E como ele era instrutor de voo, ele tinha muito material que me ajudava demais. Livros, videoaulas. E a gente sempre fazia alguns voos aqui. Sempre que ele tinha que fazer um voo com avião dele, ou amigos dele que tinham que fazer pequenos voos, com aviões que voltam de manutenção, ou porque está há muito tempo parado e precisava dar uma mexida, ele me chamava. Eu morava perto do aeroporto da Pampulha e ia com ele rapidão lá e fazia esse voo com o pessoal. E nisso eu já pegava muitas informações.
Já cheguei a fazer voos, por exemplo, que o avião que ele pilotava era homologado para um comandante só e não exigia o copiloto. Em muitos desses voos, ele me chamava para ir de copiloto para ir aprendendo. E isso foi me dando muita noção porque aí você já vai pegando toda a parte de comunicação, de rádio, de instrumentos. Foi um período que eu tava convivendo muito com o Fabinho, e ele me ajudou demais nesse aprendizado rápido. Mas o que mais me deixava a cabeça quente de tanto estudar era a questão de você fazer o mapeamento. Era complicado. O resto era mais tranquilo.
UOL Esporte: Qual foi o voo mais distante e mais difícil que você fez?
Teve uma vez que a gente foi para Salvador e voltou. E foi bem legal porque no avião que a gente voava, acredito que deu três horas de voo para ir e três para voltar. A gente fazia muitos voos para Pará de Minas, que são cidades mais próximas, mas que davam para aprender bastante. E fazia muito exercício de ir em Pará de Minas... Teve um dia que fizemos três pousos. Só que a gente tocava no chão e acelerava de novo, e subia, contornava e já descia de novo. São manobras bem legais. Eu amo. Era a melhor parte porque o estudo teórico é bem maçante.
É muita coisa. Mas a prática, você fala "é muito bom". Parece muito mais difícil do que é pilotar um avião. Tem que saber muita coisa, mas hoje em dia os aviões, como tudo que vem se atualizando, o computador ou o avião faz muito por você. Hoje tem piloto automático que faz você subir, descer, virar, tudo de maneira automática que você não precisa muito. Mas o mais gostoso era assim: "vamos viajar três horas. Não tem problema não. Deixa o piloto automático quietinho que eu quero curtir, aprender a voar.
UOL Esporte: E você pegou algum perrengue?
Pilotando com o Fabinho nesses voos de instrução, não. Foi bem tranquilo, não teve nenhum problema. Já até voei com ele uma vez para testar o governador do avião dele que tinha voltado de manutenção. Ele falou: "Rafa, tenho que fazer um voo teste, eu e o mecânico, você anima?" Eu falei, claro. Vamos embora. Eu tenho o vídeo. Era um bimotor, a gente levantou voo aqui da Pampulha. Precisava desligar um motor da turbina e depois precisava voltar a ligar com ele no ar. Depois desligava o outro e ligava. Não tenho medo de avião, mesmo com uma turbina, parando. Para quem gosta e começa a entender um pouco de aviação sabe o quanto são seguras as aeronaves e é seguro voar.
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