Ex-gandula já 'decidiu' para o Botafogo contra o Vasco e hoje realiza sonho
Jogadores de Vasco e Botafogo entram em campo na noite de hoje (23), em São Januário, na disputa pela vaga às oitavas de final da Copa do Brasil. Na galeria de confrontos decisivos entre os times, porém, há uma personagem para lá de improvável, que nem sequer estava dentro das quatro linhas, mas que teve a vida completamente mudada após o clássico.
Fernanda Maia hoje é apresentadora do SBT Esporte Rio, comentarista do "De Primeira", na Rádio Mix FM, e é a locutora oficial do Estádio Nilton Santos. Há pouco mais de oito anos, era ainda um rosto desconhecido. A então gandula estava à beira do campo na final da Taça Rio de 2012 quando, sem querer, participou do lance que acabou no gol de Loco Abreu, que abriu o placar na vitória por 3 a 1 sobre o Cruz-Maltino, no Nilton Santos. O triunfo assegurou o título ao Alvinegro.
Hoje, um empate classifica o Botafogo, que venceu o primeiro encontro por 1 a 0. Em caso de triunfo da equipe da Colina por um gol, disputa de pênaltis.
Apaixonada por futebol, Fernanda sempre quis trabalhar com o esporte. Logo de cara, as oportunidades não surgiram e ela viu na função de gandula uma maneira de estar próxima à modalidade e ao Botafogo, clube do coração. Naquele 29 de abril, no entanto, por conta de uma casualidade, virou "xodó" da torcida e também viu portas se abrirem, tendo a chance de começar a trilhar o caminho que sempre desejou.
"Costumo falar que tenho dois aniversários, o 10 de agosto, que foi o dia que nasci, e o dia 29 de abril de 2012, que foi o dia que nasci para o Brasil, porque foi uma repercussão nacional. Foi o dia que acabei nascendo para o futebol, e era meu grande sonho trabalhar com futebol. Sou professora de educação física, sempre sonhei em trabalhar com futebol, mas nunca consegui. Então, eu lidava com isso sendo gandula, que eu amava demais e pensava: 'estou servindo ao futebol de alguma forma, e ao Botafogo', que todo mundo sabe que é o meu time. Eu vivi quatro anos aquilo, com maior prazer e empenho. Tentava me aperfeiçoar porque era a maneira de viver o futebol. E, imagina, a função que ia suprir uma carência na minha vida foi a que me projetou para estar aqui, oito anos depois, falando sobre aquilo que sustenta minha vida, minha casa, minha alma, que é o futebol. Hoje vivo do futebol", disse ao UOL Esporte.
"Depois daquele dia, as oportunidades foram surgindo e eu fui tentando abraçar de acordo com o que eu sonhava. Então, foi um trem passando com um vagão aberto e que eu pulei. E tive de mirar! Aquele dia foi transformador, encantador e inesquecível e, por isso, trato como meu segundo aniversário", completou ela, que tem pós-graduação em jornalismo esportivo.
Logo nos primeiros minutos daquele confronto, Fagner, à época lateral direito do Vasco, impediu um ataque adversário jogando a bola pela lateral. Fernanda repôs rapidamente, Maicosuel cobrou em velocidade e pegou a zaga cruz-maltina desprevenida. Márcio Azevedo avançou e cruzou para Loco, sem marcação, balançar a rede.
A repercussão do lance e da participação de Fernanda Maia foi muito grande ainda durante o jogo. Na volta do intervalo, ela teve de trocar de lugar.
"Eu lembro de tudo daquele dia. Quando acontece o gol, eu desço para buscar a bola que caiu no fosso e, no meio do caminho, escuto a torcida gritar. Até pensei: 'Não é possível que já tenha saído um gol'. Quando eu subi, os amigos vieram falar que o gol tinha saído daquela bola, mas eu não tinha proporção do quão rápido foi. Passaram uns minutos e um rapaz me aborda perguntando meu nome. Pouco depois, meu celular toca e era um chefe que eu tinha na Prefeitura, que era vascaíno, e ele: 'passa no RH amanhã'. Quando descemos para o intervalo, o meu chefe no Engenhão, hoje Niltão, falou: 'Fernanda, vou mudar você de lugar, está maior fuzuê'. O Botafogo foi campeão, teve a volta olímpica, a imprensa em cima de mim... O Botafogo não me deixava falar. No final, eu falei com o meu chefe: 'Me deixa falar porque eles vão ficar em cima de mim e vai parecer que eu fiz uma coisa errada. E eu não fiz'. Falei com a imprensa, teve a repercussão, mas eu não tinha noção. Fui comemorar o título e comecei a receber mensagem de que estava aparecendo em um monte de lugar. Fui dormir assustada", recorda.
Mudança na regra após o episódio
O lance gerou inúmeras discussões e marcou a ponto de a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) realizar uma alteração no protocolo para os gandulas. A partir de então, a reposição não poderia mais ser realizada diretamente na mão do jogador, e sim com a bola no chão, regra que ainda está em vigência.
"Poder mudar um fragmento de regra do futebol, para mim, como mulher, me deixa muito orgulhosa. Naquela semana, a CBF se reuniu para discutir o episódio. Entenderam que, de alguma forma, o gandula muda a história do jogo e ele precisa ter regras, limites. O gandula era dado como um nada, ninguém ligava. Ali, chamou a atenção de que eles podem participar do jogo e precisam ter leis para fazer parte da partida. Nas competições nacionais, agora, a bola tem de ser rolada e não pode mais ser diretamente nas mãos do jogador, seja de qual time for", ressalta.
Na época, tal alteração, inclusive, foi motivos de brincadeira com a Fernanda nas reuniões que aconteciam antes das partidas.
"Ainda continuei gandula por uns anos e, quando ia começar o jogo, o árbitro chamava a gente e conversava, explicando a nova regra, que ele ia ficar de olho, que poderia nos expulsar. Todos eles brincavam dizendo: 'Há uma mudança de regra por causa dessa menina que está aqui' e o pessoal ria. Passou a existir uma preocupação em torno daquela função. Sou muito orgulhosa disso".
Zoação dos vascaínos; xodó dos alvinegros
Após aquela partida, Fernanda virou alvo de brincadeira dos rivais vascaínos e caiu nas graças da torcida do Botafogo. À época, ela participou de uma campanha do Alvinegro e chegou a viajar com alguns ídolos do clube, como Maurício, herói do Carioca de 1989, e Túlio Maravilha, grande nome do Brasileiro de 1995.
"Torcida do Vasco até hoje brinca. 'Eu já te perdoei', 'aquele dia te xinguei muito', quando vem com esse papo, eu já sei que é vascaíno (risos). Isso ainda acontece e acho muito legal. Em relação ao Botafogo, na época, eu participei de uma ação de marketing com o clube e viajei com o Brasil todo com o 'Feijão do Fogão'. Viajava eu, Maurício e Donizete ou eu, Túlio e Gonçalves. A gente fazia o evento e as pessoas pediam para autografar as camisas. Eu autografando camisa ao lado desses ídolos e pensava: 'Gente, que loucura é essa?'. Eu olhava a camisa e tinha um monte de autógrafo, o Túlio assinava e vinha eu ao lado. Imagina só você, apaixonado pelo seu clube, dorme, acorda e estão te adorando como um jogador histórico? Isso não tem preço!"
Libertadores no SBT: "encantador"
Fernanda Maia começar a trajetória na imprensa esportiva no LANCE!, onde esteve na TV L!, que, à época, era transmitida no site do jornal. Posteriormente, teve passagens pela Bradesco Esportes FM, Band, e Band News FM, até que, há cinco anos, chegou ao SBT. Hoje, está à frente do SBT Esporte Rio e é comentarista do "De Primeira", na Rádio Mix FM. Ela também já esteve na BotafogoTV e, atualmente, é locutora oficial do Estádio Nilton Santos.
A apresentadora celebra a recente aquisição do SBT quanto aos direitos de transmissão da Libertadores e ressalta que é "algo delicioso e encantador".
"Tenho carinho por todas as casas onde trabalhei, tento construir uma família ali. O LANCE! era um jornal que eu lia e ter vivido aquela história foi muito bom. Dali, em todas as casas que trabalhei, sempre fui muito agradecida por tudo. Quando cheguei ao SBT, era uma casa que não tinha esporte e não vivia do esporte, mas, ainda assim, respeitava muito o nosso produto. Você dormir em uma casa que faz um produto de esporte pontual, que no nosso caso é o SBT Esporte Rio, e acordar tendo uma Libertadores na mão, é algo delicioso e encantador. Estou aproveitando muito esse momento, no sentido de usufruir mesmo, no conteúdo do programa. Para mim, é algo sem igual", afirma.
Inspiração para novas jornalistas
Fernanda Maia não esconde a alegria ao falar sobre o espaço que as mulheres vêm ocupando nos últimos anos no jornalismo esportivo. Mais que isso, se sente orgulhosa em poder fazer parte de um grupo que inspira novas jornalistas a correrem atrás dos sonhos.
"Comecei a me dar conta que fazia parte dessa história quando, semanalmente, de uns anos para cá, passei a responder ao TCC [trabalho de conclusão de curso] de faculdade de mulheres que fazem o tema relacionado ao jornalismo esportivo. Comecei a reparar que, de alguma forma, grande ou pequena, faço parte disso. Coisas como quando recebi uma mensagem de uma menina que dizia: 'Eu amo futebol, vejo você apresentar e meu sonho é ser como você'. Caramba, que responsabilidade! Não só minha, mas de todas essas mulheres que estão aí", disse.
Ela enaltece alguns nomes que, atualmente, estão em evidência nas transmissões esportivas de grandes emissoras e as mudanças que estão sendo promovidas a partir disso.
"De uns dois anos para cá, estou extremamente feliz com o que está acontecendo no cenário esportivo feminino. Estamos vendo a Renata Silveira e outras mulheres narradoras na Fox. Uma mulher narrando futebol masculino! De um ano para cá, a Ana Thais se consolidando como comentarista em uma TV aberta [Globo], isso não tem preço. Há três anos, não existia narradora e comentarista e hoje temos. Tivemos, pontualmente, a querida Renata Fan em 2014, em um jogo da Copa, mas foi pontual. E a própria Renata Silveira em um concurso da Rádio Globo, que narrou alguns jogos da Copa, mas também algo pontual. Hoje temos narradoras que narram sempre", aponta.
"Em 2013, por um ano, fui comentaristas de jogos na Band News. E, por um ano, fui a única mulher na FM do Rio comentando jogos. Depois que sai não teve mais. Ver que isso está ficando normal me deixa muito feliz", completa.
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