Como crítica de ex-jogadora a técnico virou briga de dez anos na Justiça
"É preciso ser exclusivo". O título de uma postagem no blog da ex-jogadora Juliana Cabral, em março de 2010, analisou o impacto de Kleiton Lima ser, então, treinador da seleção brasileira feminina de futebol e também do time feminino do Santos. O acúmulo de funções foi alvo de críticas por parte da capitã da medalha de prata nos Jogos de Atenas, em 2004, e o texto virou objeto de disputa judicial por mais de dez anos, chegando ao fim apenas agora, no dia 14 setembro —o técnico teve decisão desfavorável no pedido de indenização e terá que assumir despesas dos processos em cerca de R$ 8 mil (veja mais abaixo).
Criticado no texto de 2010, o treinador entrou com ação na Justiça de São Paulo cerca de uma semana após a postagem ser publicada: buscava indenização pela análise de Juliana e por frases ofensivas dentro da sessão de comentários do blog que o atacavam de forma anônima.
"Acho que é preciso estar voltado 100% para os interesses da seleção, pois dirigindo um clube você acaba não se dedicando em tempo integral", disse ela, à época, ao avaliar as convocações feitas por Kleiton à frente da seleção feminina — contendo, em sua maioria, atletas treinadas por ele no Santos.
Notificada judicialmente sobre o caso, ela foi orientada a apagar os ataques a Kleiton no campo dos comentários. O ato, segundo sua defesa, foi decisivo para que ela vencesse o processo na primeira e na segunda instância.
O desembargador Theodureto Camargo, da 8ª Câmara de Direito Privado de São Paulo, observou que Juliana "agiu dentro do exercício da liberdade de expressão ao expor sua opinião". Ele declarou em despacho publicado em agosto deste ano que seria "insustentável e inadmissível" responsabilizar a ex-jogadora pelos comentários feitos por terceiros. Em sua decisão, ele afirmou não ver ligação entre as críticas feitas pela ex-jogadora no blog e os prejuízos que Kleiton alega ter sofrido na carreira.
Kleiton, que pedia R$ 30 mil de indenização, terá de assumir as despesas processuais e os honorários advocatícios — no total, o valor ficará em torno de R$ 8 mil.
Ao UOL, Kleiton disse que "a ação indenizatória que movi teve um resultado desfavorável, mas o processo não". Ele se refere a uma decisão da Comarca de Itanhaém que, segundo ele, determinou que ela cumprisse requisitos como não frequentar bares, não se ausentar de onde reside, por mais de 30 dias, sem autorização judicial, e comparecer ao Juízo todo mês. Juliana Cabral não quis se pronunciar sobre o caso. Os mais de dez anos respondendo judicialmente, alega, foram o suficiente para não querer mais tratar do assunto.
A reportagem não teve acesso aos autos citados por Kleiton; o processo corre em segredo de Justiça, e a defesa de Juliana Cabral preferiu não se manifestar.
Kleiton Lima começou a trabalhar no Santos em 1997, e em 2009 assumiu o cargo de treinador da seleção feminina. A dupla função durou de 2009 até dezembro de 2010, quando ele foi demitido do time da Baixada -na época, o então diretor do time feminino do Santos, Murilo Barleta, disse procurar alguém "com foco exclusivo no clube". Já em novembro de 2011, ele deixou a seleção feminina para a entrada de Jorge Barcellos -na nota oficial, a CBF só comunicava a chegada do treinador, sem citar a demissão de Kleiton.
Kleiton teve bons resultados e dividia opiniões entre as jogadoras
Só pela seleção feminina, Kleiton foi campeão da Copa América (2010) e medalha de prata nos Jogos Pan-Americanos (2011). No sub-20 da categoria, garantiu um título sul-americano (2008) e manteve o prestígio internacional com o Santos, conquistando o bi inédito da Libertadores (2008-2009) ao comandar uma equipe reverenciada até hoje pelo entrosamento e por contar com estrelas como Marta e Cristiane.
Ex-jogador, ele atuou nos Estados Unidos e importou parte da filosofia americana em sua rotina; fundou uma escola de futebol para mulheres e tocou o projeto das Sereias da Vila do zero. Chegou à seleção principal em 2009, após uma passagem aclamada pela seleção de base, e, em 2010, foi designado dirigente do Foz Cataratas, time de Foz do Iguaçu (PR).
Em meio aos resultados e das críticas de Juliana, há jogadoras comandadas por ele no time nacional que aprovam muito seu trabalho, e também as que criticam. Ouvidas pelo UOL, três ex-jogadoras não pouparam elogios ao trabalho enquanto treinador. Disseram ser um profissional atento, estudioso e muito dedicado. Um técnico com vasto conhecimento sobre futebol feminino e sempre respeitoso com as atletas -- o prestígio justificado pelos bons resultados em campo.
No entanto, sob a condição de anonimato, duas das ex-jogadoras reiteram à reportagem as críticas de Juliana e criticavam a suposta preferência do treinador por Santos e Foz em convocações da seleção. Também afirmaram que ele, por ser muito religioso, se distanciava das atletas que não eram tão engajadas nessa questão. "Quem não compartilhava das ideias, ia para o banco", disse uma delas.
De 22 atletas convocadas antes da Copa América, 14 tinham alguma ligação com o técnico: nove do Peixe e cinco da equipe paranaense.
Procurado pelo UOL, Kleiton negou predileção em suas convocações e afirmou que todas seguiam um critério meritocrático: "O que eu levava em consideração era o seu desempenho naquele momento e se a atleta encaixaria bem no esquema tático que utilizava na ocasião". Disse também que os clubes que treinou eram os de maior poder pra investimento, e naturalmente teriam as jogadoras mais indicadas para o time nacional.
Vale lembrar que quando comandei a seleção brasileira não havia uma gama tão grande de equipes e, consequentemente, de jogadoras; desta forma, os citados times, que eram o que mais investiam, tinham mais jogadoras convocadas, mas todas por méritos próprios
Kleiton Lima
Ao UOL, ele também negou que qualquer questão religiosa pudesse influenciar suas escolhas.
O credo da atleta não importava em nada. O que eu levava em consideração, como frisei, era a meritocracia. Ou seja: o seu momento na hora da convocação, e se encaixava no esquema tático que usava. Tanto que sempre tive atletas no futebol feminino e masculino, nos clubes que dirigi, das mais diversas religiões. Inclusive atletas ateus e ateias. E isso nunca foi olhado em consideração
Kleiton Lima
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