Moderno ou anacrônico? Novo estatuto gera conflitos no Conselho do Cruzeiro
O Conselho Deliberativo do Cruzeiro — não é de hoje — vive dias de muita turbulência por causa do acirramento na política interna do clube. Agora, o tema que causa efervescência nos bastidores do legislativo celeste é a discussão sobre o novo estatuto da Raposa, que será analisado em Assembleia Geral Extraordinária em 19 de novembro, às 19h, na sede social do Barro Preto, região centro-sul de Belo Horizonte.
O presidente executivo do Cruzeiro, Sérgio Santos Rodrigues, enviou ontem (4) para análise dos conselheiros a proposta de modernização do estatuto. Com 58 páginas e 165 artigos, o documento causa muita polêmica antes mesmo da reunião que o colocará em debate.
Há alguns pontos que levantaram controvérsias entre torcedores, conselheiros e até ex-dirigentes. Dentre esses, o que reservará apenas 150 cadeiras para os sócios-torcedores no Conselho dentro de uma nova categoria designada como "Associados Torcedores". E o que possibilitaria alçar ao posto mais alto e valoroso do Conselho Deliberativo o responsável pela proposta do estatuto caso ela seja aprovada.
Divergências
Ex-superintendente de relações institucionais e governamentais do Cruzeiro, o deputado estadual Léo Portela (PL-MG) fez duras críticas à proposta de modernização do estatuto.
"A proposta de novo estatuto não combina com a ideia de novo Cruzeiro. Feita por senhores feudais para manterem o controle dos seus feudos, em nada reflete a modernidade proposta pelo presidente Sérgio Santos Rodrigues à frente do clube. É um verdadeiro escárnio com o torcedor", publicou em sua conta no Twitter.
Em discordância à opinião do parlamentar, o ex-presidente Gilvan de Pinho Tavares, um dos membros da comissão que elaborou a proposta de modernização do estatuto, garante que a "Constituição do Cruzeiro" será a mais moderna entre todos os clubes brasileiros.
"Temos que estar sempre mudando, aperfeiçoando, nesse momento o estatuto será o mais moderno entre todos os clubes do país. Tenho certeza que será o melhor estatuto de clube atualmente. Tenho muita prática em estatuto, participo da elaboração desse tipo de documento desde a época do Felício [Brandi, presidente do Cruzeiro entre 1961 e 1982]. Como presidente, eu também participei de redações de estatuto do clube", disse ao UOL Esporte.
Reclamação
Com cargo vitalício no Conselho Deliberativo, e atuante nas redes sociais, Anísio Ciscotto fez críticas ao ponto que trata da abertura do clube para a participação de torcedores.
"Esperava que fosse um avanço grande. A questão do sócio torcedor, que eles chamam de Associado Torcedor, não teve a atenção que deveria ter. O sócio é uma realidade dentro do clube e no cenário do futebol brasileiro. O Cruzeiro é um clube que tem um departamento de futebol e é bancado pela assistência do torcedor. É como uma companhia de teatro que se apresenta nas grandes casas de espetáculo. É o público que paga para assistir. O associado do futebol deveria participar mais. Foi colocada essa participação, mas de uma maneira sutil, muito superficial", criticou.
Para Gilvan a proposta de abertura para a participação de torcedores ficou dentro da possibilidade para não "prejudicar o clube", e por isso foi designada a quantidade de 150 cadeiras para sócios no Conselho Deliberativo.
"Tem a discussão que o torcedor se torne conselheiro do clube. Não é só no Cruzeiro, é no Brasil todo. Poucos clubes fizeram isso, e os que fizeram não deu certo. A gente sabe que a paixão não é a melhor forma de você decidir as coisas. O sócio torcedor foi criado para facilitar aquisição de ingressos, mas você não pode permitir que nove milhões de pessoas decidam a vida do clube. Democracia no clube não é a mesma democracia do país. O clube é uma empresa, vai ser transformado em empresa, estamos lutando para isso. Não se pode deixar o comando dessa empresa com gente de fora. E o clube não pode ser dirigido por paixão. Estamos dando possibilidade de uma quantidade boa de torcedores se eleger e participar do Conselho. Estamos fazendo o possível para redemocratizar, para o clube ser o mais democrático possível", opinou.
O que diz o torcedor?
O UOL procurou integrantes do movimento Pró Cruzeiro — integrantes de organizadas e torcedores comuns — que luta por mais espaço das torcidas na política do clube. Tidos como voz forte da arquibancada, o grupo criticou o documento a ser discutido no Conselho Deliberativo.
"O novo estatuto nos deixou surpreso desde o princípio por alguns fatores cruciais. Primeiro, ao nosso entendimento, não podemos aceitar o Gilvan de Pinho Tavares como parte dessa comissão que redigiu o documento, uma vez que grande parte da divida do clube foi feita na sua gestão. Assim como a maneira na qual foi feita essa convocação, já definindo a data de votação, deixando apenas 15 dias para análise e não deixando margem para uma discussão mais ampla sobre o estatuto", pontuou.
"Também causa estranheza várias outras questões, como por exemplo: por que fazer a mudança de estatuto neste momento já que temos um Conselho cuja eleição é discutida desde 2017 na Justiça? Mais, temos 29 conselheiros atuando sob poder de liminar, há eleição do presidente do Conselho Deliberativo no mês que vem. Ainda não tivemos as tão esperadas expulsões do ex-presidente Wagner Pires de Sá, do ex-diretor geral Sérgio Nonato e do primeiro ex-vice-presidente Hermínio Lemos. Finalizando, a questão da participação efetiva do torcedor nos rumos do clube foi desconsiderada, colocando-se um artigo que prevê uma participação irrisória dos torcedores. Muito mais uma alegoria do que propriamente uma garantia", completou o grupo em nota enviada ao UOL Esporte.
Prós e contras
Anísio Ciscotto fez elogios a algumas partes do projeto do novo estatuto. Porém, questionou o ponto que trata da garantia de status de conselheiro benemérito ao autor da proposta.
"A proposta do novo estatuto toca em algumas questões importantes, foi modernizado sim em algumas coisas. Colocou a responsabilidade do dirigente, que o dirigente tem que comprovar os bens quando entra e sai do clube, a possibilidade de ser responsabilizado pela má gestão. Mas poderia ter ido ainda mais além. Colocar que o autor da redação do estatuto deve virar benemérito é um absurdo. Tantos outros conselheiros fizeram muito mais pelo clube e não tiveram essa oportunidade de se tornar beneméritos mesmo merecendo", criticou.
Nesse ponto até mesmo um membro da comissão que redigiu o documento concordou.
"Isso vai ser levado para a Assembleia Geral discutir, mas acho que não vai ser aprovado. Já foi debatido na elaboração do novo estatuto, foi de forma democrática, mas eu admito que foi difícil passar entre a própria comissão que criou o documento. A minha opinião eu dou, sou contrário. Não aprovo. Expus isso para os membros da comissão. Essa figura do benemérito deveria, na minha opinião, deixar de existir como ela é vista hoje. Não acho que essa questão da benemerência tenha que estar ligada aos ex-presidentes, executivo e do Conselho. Presidente tem que fazer o melhor pelo clube, não pleitear benemerência. Benemérito tem que ser aquele que é de fora e faça algo valoroso pelo clube", disse o ex-presidente Gilvan de Pinho Tavares.
Toque de caixa
Outra crítica feita em relação à reunião que discutirá a aprovação do novo estatuto é o tempo que os conselheiros têm para analisar previamente o documento, e a necessidade de aprovar tal documento apenas em um único encontro.
"A pressa é inimiga da perfeição. Inovações colocadas podem ser de boa oportunidade, mas temos outros dois projetos excelentes de estatuto, por que não fazer um direito comparado, e dali ir tirando tema por tema? Qual o problema disso? A pressa não justifica. É preciso agilizar a eleição da nova Mesa Diretora do Conselho, a retirada dos conselheiros remunerados que já foram expulsos. Duas semanas para votar algo importantíssimo, sendo que o texto foi entregue bem perto da data da reunião. São 58 laudas e temos muito pouco tempo para o debate, para discussões", criticou em conversa com o UOL, o ex-presidente do Conselho Deliberativo José Dalai Rocha, que dirigiu o clube de forma interina até maio deste ano.
"Nós vamos discutir essa proposta de novo estatuto. Eu quero discutir artigo por artigo, isso não será definido em uma reunião apenas. Por isso que o Cruzeiro está desse jeito, porque o último estatuto foi aprovado por aclamação. Esse documento agora não pode ser votado por aclamação. Tem que ser discutido cláusula por cláusula. Tem que haver discussão, e uma assembleia só para discutir esse tema não dá", corroborou Ciscotto.
A reportagem procurou o desembargador José Eustáquio Lucas Pereira, presidente da comissão que produziu a proposta do novo estatuto do Cruzeiro. No entanto, o conselheiro disse que estava ocupado para atender o UOL por estar atarefado com seus afazeres jurídicos.
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