Hyuri, do Atlético-GO: "Senti dificuldade em levantar a mão, confesso"
O atacante Hyuri, do Atlético-GO, protestou contra a sentença que inocentou André Aranha, acusado de estuprar a influenciadora Mariana Ferrer. O ato, marcado pelo "X" na mão esquerda — levantada durante o minuto de silêncio dedicado às vítimas da Covid-19 —, aconteceu antes da partida contra o Internacional, pelas oitavas de final da Copa do Brasil, na noite de terça-feira (3).
O vídeo do julgamento de Aranha foi divulgado pelo portal The Intercept Brasil no mesmo dia. Mostra, ainda, a vítima sendo humilhada pelo advogado do empresário, Cláudio Gastão da Rosa Filho, na presença do juiz Rudson Marcos.
Hyuri assistiu às imagens da audiência no quarto do hotel em que o Atlético-GO estava concentrado para a partida. Em entrevista ao UOL Esporte, afirma ter ficado tão chocado com o que foi dito ali que só conseguiu assistir ao vídeo uma vez. "Achei de uma crueldade tamanha, fiquei bastante mexido com aquilo. Senti que precisava fazer algo porque não me descia", conta.
"Pensei, pensei e deixei passar, ainda angustiado. Mas, no caminho do hotel até o estádio, tive a ideia de fazer o X na mão — já tinha visto esse ato em outros protestos contra violência contra a mulher. Não comentei com ninguém do clube nem com minha esposa. Entendi que seria um gesto simples que conseguiria transmitir a mensagem que eu queria", diz.
Os poucos segundos entre o apito de homenagem e o erguer da mão esquerda, o atleta conta, foram sufocantes. "Senti muita dificuldade em levantar a mão, confesso. Não sabia o tamanho da repercussão, a proporção que tomaria. Mas senti que não poderia voltar atrás naquele momento. Se desistisse e não protestasse, compactuaria com a violência", comenta.
"Lembro bem como me senti. Era uma ansiedade grande. Levantei a mão esquerda e tentei ficar calmo, independentemente de qualquer coisa, da possibilidade de emissoras de TV flagrarem, de fotógrafos clicarem. Minha parte estava feita."
No intervalo do jogo, Hyuri conta que foi procurado pelo assessor de imprensa do clube e até pela arbitragem — todos queriam saber o que significava o ato de protesto. O jogador explicou, e a surpresa foi generalizada.
"Não queria ser astro nem estrela de nada. Não sou protagonista dessa luta. Só que, como um atleta em oitavas de final de um campeonato nacional, senti que precisava usar minha voz, o espaço que tenho, para conscientizar as pessoas a respeito de algo tão cruel; conscientizar, principalmente, os homens que assistiam àquela partida."
"Atletas não têm noção da força que têm"
Hyuri comenta o papel dos atletas — principalmente de jogadores de futebol em um país como o Brasil — na conscientização a respeito de temas sociais. "Nós, jogadores, atletas, não temos noção da força que temos. Com essa força, a gente pode dar voz a assuntos importantes para a sociedade. Se eu não usar o tamanho da voz que tenho para lutar por causas sociais, deixarei de passar para frente um conhecimento que pode salvar vidas".
"O atleta poderia ser mais atuante nesses casos, em casos de violência contra a mulher, em situações de racismo, por exemplo, e em outros assuntos que englobam nossas vidas. Minha conscientização veio naturalmente. Nunca vou obrigar alguém a lutar por algo se a pessoa não se sentir engajada para isso. Temas como esse tocaram meu coração em um determinado momento da minha vida, e senti que tinha força para trazer isso à tona."
Atos de Hamilton inspiram Hyuri: "Ele me inflama"
A conscientização natural foi moldada pelas experiências de vida de Hyuri. Negro, o atleta de 29 anos já viveu inúmeras situações de racismo que, segundo ele, apesar de não terem sido explícitas, foram bastante dolorosas. O ato de terça-feira foi inspirado pela postura de Lewis Hamilton à frente da Fórmula 1.
Hyuri é fanático pelo esporte, acompanha sempre — menos quando tem jogo aos domingos, porque evita acordar cedo. "Sou muito fã do Hamilton, ele é como um espelho. Foi um dos maiores esportistas que já tocaram meu coração. Ele me conscientizou a respeito de algumas causas, quando eu o via, sentia que precisava buscar conhecimento — e buscava. Hamilton é 'inflamante'. Ele me inflamou de tal forma que me fez sentir que posso fazer mais. Mais que um post ou uma curtida em rede social", afirma.
Atleta prefere não comentar sobre caso do goleiro Jean
A indignação do jogador em relação ao caso Mariana Ferrer acontece ao mesmo tempo em que, no gol do Atlético-GO, joga Jean — preso nos Estados Unidos por violência doméstica em 2019. Questionado pela reportagem sobre o caso do colega, Hyuri diz que prefere não falar sobre ele. "Gosto de arcar com o que faço e penso. Não me dou o direito de opinar sobre atos de outras pessoas, que fogem da minha alçada".
Entre os colegas de clube, a repercussão também existiu. Hyuri conta que, na hora de subir para o quarto após o jantar, no hotel, um colega perguntou como exatamente tinha sido a situação de Mariana. "Então, eu expliquei, não só para ele mas para outros colegas que estavam no elevador. Falei qual foi a situação, o que vi no vídeo, que foi algo bizarro e chocante. Eles concordaram".
Para a família do atleta, a surpresa foi emocionante. Ao chegar em casa, na quarta-feira (4), foi recebido pela mulher com um abraço mais apertado que o habitual. "Ela sentiu orgulho. Por mais que eu não saiba qual a sensação de ter medo de sair na rua por causa da roupa que estou vestindo, ou pelo fato de ser tarde da noite, imagino que deve ser desesperador. Sei que minha mulher sente isso, por isso ela ficou comovida com o que fiz. E ela sente isso apesar de nós termos uma condição financeira que proporciona um pouco mais de segurança. Imagine quem não tem?".
O pai de Hyuri se emocionou tanto quanto. Segundo o jogador, ele ligou para o filho e chorou até soluçar.
"Ele não imaginava que eu me exporia assim, para o país inteiro. Foi surpreendente para ele também, para a minha mãe, para a babá do meu filho. As pessoas ficaram orgulhosas, recebi mensagens de várias mulheres. De novo: não sou o protagonista dessa luta, só coloquei o assunto em pauta para que os homens pudessem pensar mais e ter mais empatia. E para que outros jogadores entendam que é possível — e necessário — se engajar na luta dos movimentos que rondam nosso país."
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