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Empresário bloqueia R$ 155 mil do Cruzeiro por contrato do goleiro Fábio

Fábio renovou contrato até o fim de 2020 e por manobras da antiga diretoria a negociação acabou investigada pela polícia - Marcelo Alvarenga/Foto FC/UOL
Fábio renovou contrato até o fim de 2020 e por manobras da antiga diretoria a negociação acabou investigada pela polícia Imagem: Marcelo Alvarenga/Foto FC/UOL

Guilherme Piu

Do UOL, em Belo Horizonte

12/11/2020 11h58

O empresário João Sérgio conseguiu bloquear judicialmente nas contas do Cruzeiro a quantia de R$ 155.586,88, valor para quitação de dívida pouco superior a R$ 115 mil que o clube tem com o agente, pela intermediação para prorrogação de contrato do goleiro Fábio. Esse acordo de extensão do vínculo do camisa 1 foi realizado no ano passado, ainda na gestão Wagner Pires de Sá.

Segundo o processo que tramita na 5ª Vara Cível de Belo Horizonte, o valor devido pelo Cruzeiro ao empresário era de R$ 100 mil — sem somatória de juros e correções —, e foi calculado em cima do contrato assinado em 2019 com Fábio. Só de comissão os antigos dirigentes, que responderão na Justiça por crimes financeiros contra a agremiação celeste, se comprometeram a pagar quase R$ 1 milhão ao empresário.

"Veloz e Moraes Negócios e Consultoria Esportiva Ltda ajuizou a presente execução de título extrajudicial em face de Cruzeiro Esporte Clube, cujo objeto é o contrato de compromisso de pagamento de comissão pela intermediação para prorrogação de contrato de trabalho do atleta profissional de futebol Fábio Deivson Lopes Maciel, no valor total de R$ 900.000,00 (novecentos mil reais)", diz parte do texto da decisão do juiz de primeira instância Nicolau Lupianhes Neto.

Bloqueio em contas

A parcela que não foi paga e está citada no processo completou ontem 617 dias de atraso. Por isso, a pedido da Justiça, foi feita uma varredura em 12 contas bancárias do Cruzeiro, onde foram processados diversos bloqueios que, juntos, somaram mais de R$ 155 mil. Como o valor supera a dívida cobrada por Veloz, ao fim da execução somente o montante cobrado pelo empresário será descontado do clube.

"Assim, segundo a exequente, seria devido o valor atualizado de R$ 115.552,87 (cento e quinze mil, quinhentos e cinquenta e dois reais e oitenta e sete centavos), descontando-se o montante pago de R$ 22.500,00 (vinte e dois mil e quinhentos reais)", aponta.

Os R$ 900 mil de comissão a serem pagos à empresa de Veloz foram divididos em quatro parcelas: uma de R$ 600 mil e três de R$ 100 mil, sendo que apenas duas teriam sido pagas pelo Cruzeiro.

Veloz pediu, portanto, que fosse executada uma tutela de urgência para tal bloqueio e justificou que o valor cobrado por ele, segundo o documento da Justiça, é menor do que as demais dívidas que o clube tem a quitar.

"Pediu, em sede de tutela de urgência, o bloqueio do valor devido, destacando que o executado possui dívidas em montante superior ao ativo mencionado no balanço financeiro do clube", diz outra parte do documento.

O juiz da Vara onde corre o processo movido pelo empresário de Fábio deu três dias, contados a partir de ontem (11), para o Cruzeiro quitar a pendência com o agente. O magistrado apontou que o clube poderá, caso queira, dividir o pagamento em até seis parcelas com 1% de juros ao mês.

Processo sem dados

O Cruzeiro só tomou conhecimento do que se tratava a cobrança da empresa Veloz Morais hoje (12). É que até ontem o processo no sistema eletrônico da justiça apontava apenas a decisão pelo bloqueio, sem mostrar ao clube do que se tratava. Tanto que os advogados do Cruzeiro peticionaram manifestação alegando desconhecimento do assunto.

"O Réu foi surpreendido nesta data com o bloqueio em suas contas correntes no valor de R$ 115.552,87, valor este proveniente de processo cível da comarca de Belo Horizonte/MG. Após constatado tal bloqueio, o Clube questionou ao banco qual a origem do bloqueio realizado e foi informado ao Clube que o valor foi bloqueado em razão de decisão judicial decorrente dos presentes autos. Diante de tais informações, o Réu acessou o processo por meio do Pje para ter ciência das alegações ali lançadas, bem como exercer seu direito ao contraditório e ampla defesa, princípio basilar do direito. Contudo, novamente para sua surpresa, apesar de não existir pedido de segredo de justiça, não foi disponibilizado ao Réu o acesso à petição inicial, tampouco existe no andamento processual qualquer sentença prolatada", questionaram os advogados celestes, que chegaram a contestar a existência do processo pela falta de informação no sistema do judiciário.

"Conforme podemos constatar pela imagem acima demonstrada, o processo encontra-se concluso para despacho, sem que haja qualquer decisão judicial acerca de um suposto pedido liminar. Registre-se que o único documento juntado aos autos é a certidão de triagem elaborada pela Secretaria da Vara. Ora, como cumprir uma suposta decisão sendo que esta NÃO EXISTE?", cobrou.

O UOL Esporte pediu ao Cruzeiro um posicionamento oficial sobre o bloqueio judicial. O clube preferiu não se posicionar sobre o assunto.

A reportagem ouviu o advogado Louis Dolabela, com atuação no direito desportivo, que apontou como "temerário o deferimento de liminar em processo de execução extrajudicial, sem se oportunizar a prévia participação do executado", disse.

Ainda segundo Dolabela, as partes em contrato definiram a Câmara Nacional de Resolução de Disputas (CNRD) para discussão de conflitos. Portanto, levar o assunto para a Justiça Comum abre possibilidade para a contestação de competência do juízo.

"Duvidosa a competência do juízo cível para dar andamento ao processo, eis que as partes elegeram a CNRD como foro competente para dirimir os conflitos decorrentes do contrato. Os documentos que instruem o processo não provam a necessidade de bloqueio de contas do clube, haja vista que, in casu, não restou evidenciada a impossibilidade do clube em realizar o pagamento do débito tão logo intimado para tanto ou, ao menos, que pretende se furtar da obrigação", finalizou.

Contratos investigados

A renovação contratual de Fábio com o Cruzeiro foi motivo de investigação da Polícia Civil na operação "Primeira Tempo", que apurou condutas ilícitas dos ex-dirigentes do Cruzeiro. Para esticar o vínculo do goleiro com a Raposa os antigos gestores do clube acordaram pagamento de comissão a dois agentes, um foi o próprio empresário do camisa 1, pela empresa Veloz Morais, o outro foi Wagner Cruz, que sequer tinha vínculo com o arqueiro.

E foi justamente essa operação com dois intermediários, que não é comum em negociações no futebol, que chamou a atenção das autoridades. Foram citadas no inquérito as empresas Veloz e Moraes Negócios e Consultoria Ltda, ligada a João Sérgio, e Dinamic Marketing e Processamentos Ltda, cujo sócio apontado é Wagner Antônio da Cruz, que não tem qualquer ligação com Fábio.

Posicionamento

O escritório de advocacia que trabalha para o empresário João Sérgio entrou em contato com a reportagem e esclareceu pontos do processo movido contra o Cruzeiro.

"O bloqueio se restringiu aos valores da execução e à ordem judicial, ou seja, a R$ 115.552,87. Os valores restantes continuam à disposição do Cruzeiro", disse em nota o advogado Alexandre Zocrato.

Zocrato disse também que a falta de dados do processo em um primeiro momento, como o próprio Cruzeiro peticionou à Justiça, foi uma medida para garantir o recebimento do valor solicitado.

"O processo não está "sem dados" como informado. Toda a documentação foi juntada nos autos desde a propositura da ação. Contudo, a medida judicial deferida, de natureza acautelatória, visa evitar que a execução se frustre. Por isso é pedida inaldita altera pars (ou seja, deferida antes da oitiva da outra parte) em situações em que essa oitiva prévia possa frustrá-la. Por exemplo, caso a parte saiba antes que será feito um bloqueio de valores em suas contas, poderia retirá-los antes, frustrando o seu cumprimento. É digno de ressaltar que tudo isso tem permissão legal, estando a medida prevista nos artigos 300 e 301, do Código de Processo Civil (CPC). Realizada a medida, todas as petições, documentos bem como a decisão judicial foram disponibilizados ao executado, para o livre exercício do seu direito ao contraditório", explicou.

Sobra as investigações policiais envolvendo o Cruzeiro e que, inclusive, investigaram movimentações sobre contratos do goleiro Fábio, o advogado justificou.

"Eventuais condutas ilícitas que foram apuradas em inquérito policial não têm relação com a sociedade Veloz e Moraes e nem com seus sócios. Vale dizer que o relatório do inquérito, bem como a denúncia feita pelo Ministério Público não menciona qualquer crime relacionado à sociedade exequente e não há imputação de nenhum crime aos seus sócios. A denúncia recebida não menciona a sociedade Veloz e Moraes e também não imputa crime aos seus sócios, que não são réus naquele processo", reiterando sobre a lisura do seu cliente.

"Ele pauta seus negócios com extrema lisura e honestidade, evitando danos e maiores consequências jurídicas", finalizou.

Errata: este conteúdo foi atualizado
A reportagem citou o nome do empresário Gilmar Veloz, mas na verdade o agente do goleiro Fábio é João Sérgio, sócio proprietário da Veloz Moraes Negócios e Consultoria Ltda. É essa empresa que cobra do Cruzeiro a parcela de R$ 115.552,87 referente ao comissionamento pela renovação contratual de Fábio em 2019. O goleiro esticou o seu vínculo até dezembro de 2020.

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