Flamengo inaugurou CT de R$ 23 milhões com risco de incêndio, aponta laudo
A precariedade das instalações elétricas do alojamento da base que tirou a vida de dez jovens em 8 de fevereiro de 2019 não era o único problema do Centro de Treinamento Ninho do Urubu entre 2018 e 2019. O módulo utilizado pelo futebol profissional no CT rubro-negro também não reunia condições ideais para funcionamento. Segundo laudo datado de março de 2019 e obtido com exclusividade pelo UOL Esporte, o local inaugurado em novembro de 2018, após investimentos de mais de R$ 23 milhões, também apresentava "riscos críticos" de incêndio.
O documento de 27 de março de 2019, assinado pela Anexa Energia, foi elaborado após vistorias realizadas nos dias 19 e 26 daquele mês. A empresa foi contratada pelo Flamengo para produzir um parecer após a tragédia que tirou a vida de dez jovens atletas do clube e analisar o restante das instalações do Ninho do Urubu.
Utilizado pelo time profissional à época e festejado com um dos espaços mais modernos do continente, o prédio apresentava diversos riscos.
"O cenário encontrado pela empresa Anexa no CT profissional era temerário, conforme apontado no laudo, eis que existia a possibilidade de novo incêndio, assim como ocorreu no alojamento da base, demonstrando pouco apreço à vida humana, não somente com os atletas de base mas também com ídolos nacionais e internacionais que são os jogadores profissionais do Flamengo", explicou o advogado da Anexa Carlos Alberto Almeida Moreira da Silva.
Procurado pela reportagem, o presidente do Flamengo à época, Eduardo Bandeira de Mello, disse que "assuntos relativos a instalações elétricas nunca chegavam à alta administração do clube, ficando restritos às unidades operacionais competentes". O ex-mandatário ainda ressaltou não ter tomado conhecimento de tal relatório, ressaltando que o documento é de 2019 e ele deixou o clube ao fim de 2018.
"Danos contra a saúde e segurança das pessoas"
Ao menos cinco dos 25 itens avaliados apresentaram um grau de risco "crítico" na classificação dos especialistas — "aquele que provoca danos contra a saúde e segurança das pessoas e meio ambiente, com perda excessiva de desempenho e funcionalidade, causando possíveis paralisações, aumento excessivo de custo, comprometimento sensível de vida útil e desvalorização imobiliária acentuada".
A empresa especializada em segurança de instalações elétricas inspecionou painéis elétricos, iluminação interna, aterramento, dispositivos de proteção, circuitos alimentadores de quadros gerais de distribuição em baixa tensão e circuitos em geral. A vistoria verificou anomalias e falhas de construção nas instalações elétricas da cozinha, do auditório e nos quadros de ar-condicionado
"Diante das não-conformidades técnicas construtivas e da falta de desempenho do sistema vistoriado no CT-02, as recomendações gerais devem ser tratadas pela empresa responsável, pois se torna necessário para os casos críticos, a atuação imediata para solução do problema, evitando assim, a ocorrência de acidentes elétricos. Podemos concluir que, o presente relatório técnico, apresentou a análise das instalações elétricas de baixa tensão indicando as inconformidades e sugerindo recomendações para que sejam sanadas as pendências de obra. Como recomendação primordial, sugere-se a elaboração de uma matriz de responsabilidade e um cronograma que estabeleça as responsabilidades e os prazos definidos, de maneira a atender as exigências das normas vigentes, em especial as NBRs 5410, 5419 e NR-10", concluiu o relatório da Anexa de março de 2019.
Responsável pela construção do novo módulo à época, a Lafem Egenharia foi procurada pela reportagem. Por mensagem, o sócio-diretor Paulo Renato se posicionou: "Em relação ao CT do Flamengo, ratifico que a obra foi executada dentro de todos os padrões da melhor técnica e foi entregue completamente pronto para a montagem e ocupação. Não tenho conhecimento acerca do citado documento, mas posso assegurar que a obra seguiu rigorosamente o projeto aprovado, bem como as normas técnicas vigentes, com ART [Anotação de Responsabilidade Técnica] e todas as demais formalidades legais".
A Anexa rebateu e reforçou a confiabilidade de seu relatório: "A empresa [Anexa] foi contratada à época pelo Flamengo para a fiscalização da obra e, após a vistoria técnica, informou ao clube a situação crítica que encontrou, conforme o laudo descritivo, inclusive com fotografias do local".
Novo relatório, novo risco
Após dois meses de conversas e debates sobre orçamentos e serviços a serem executados, Anexa e Flamengo firmaram um contrato em maio daquele ano. No acordo, os reparos necessários seriam feitos por um "valor total bruto de R$ 106.300,81 (cento e seis mil e trezentos reais e oitenta e um centavos), que deverá ser pago em 04 (quatro) parcelas, mensais, iguais e sucessivas no importe de R$ 26.575,20 (vinte e seis mil quinhentos e setenta e cinco reais e vinte centavos)", apontou o documento.
Um mês depois, outro serviço no escopo. "No início do mês de junho, foi solicitado à Anexa Energia pela gerência do Centro de Treinamento Presidente George Helal, localizado no bairro de Vargem Grande, melhorias e adequações nas instalações elétricas existentes, visando atender as novas demandas do futebol do Flamengo. Em forma de parceria com Clube de Regatas do Flamengo, a empresa Anexa Energia, executou todas as atividades sem nenhum custo adicional, objetivando garantir a confiabilidade do sistema elétrico e a segurança dos profissionais residentes", apontava o relatório operacional.
A empresa fez adaptações de projeto nas salas de fisiologia, na área externa do vestiário, na portaria e na sala da rouparia — este último mais preocupante. "Problema Encontrado: Princípio de incêndio na tomada de 10A / 127V, devido à ligação irregular de uma prensa térmica; Solução: Modificação do circuito alimentador para 220V e substituição da tomada danificada", informou o mesmo relatório, ratificando o perigo das instalações.
Fla ataca Anexa e lembra alvará
Questionada pelo UOL Esporte sobre os problemas verificados no primeiro semestre de 2019, quando já geria o clube, a atual diretoria do Flamengo não respondeu sobre os riscos de incêndio na instalação que era utilizada pelo futebol profissional, ressaltou a regularização posterior — realizada somente em agosto — e reforçou os ataques à Anexa.
"Importante registrar que no dia 20 de agosto de 2019 conseguimos obter o alvará de funcionamento do CT, em definitivo, bem como o respectivo habite-se parcial", frisou o Flamengo. "Estamos processando a Anexa e seu administrador nas esferas cível e criminal. A conduta dessa empresa não merece qualquer comentário adicional. Qualquer documento produzido por ela não conta com a aprovação do clube ou de qualquer autoridade pública, sendo quando muito uma opinião unilateral, que não goza de fé pública ou representa posição do Flamengo", disse, em nota, o rubro-negro.
Cabe ressaltar, no entanto, que toda a documentação foi validada pelo clube à época e utilizada como base para contratação de serviços e reparos dos problemas existentes. O Flamengo não questionou os relatórios, reconheceu os riscos no primeiro semestre de 2019 e trabalhava em parceria com a Anexa.
Briga Anexa x Fla por falta de pagamento
O entendimento, entanto, acabou semanas depois. E descambou para uma briga jurídica quando a Anexa reclamou da falta de pagamento. Foi a empresa, inclusive, quem buscou os tribunais.
"A diretoria do Flamengo esconde a verdade. A empresa somente pleiteia em juízo a reparação do dano causado pelo clube por rescisão contratual sem justa causa e comprova mais uma vez a inverdade quanto ao Flamengo querer esclarecer os fatos. Todas as provas que possuímos e que estão sendo apresentadas em juízo foram colhidas no próprio clube. Quem processa na área cível é a Anexa, que foi lesada pelo clube, e na esfera penal quem responde pelo incêndio são os responsáveis pelo Flamengo", afirmou o advogado da Anexa Carlos Alberto Moreira.
Pelo contrato aditivo citado, os dois lados acordaram o pagamento de 12 parcelas de R$ 36.975,81. O Fla ainda confessou uma dívida referente a um trabalho anterior realizado e ficou acordado que, "do valor inicialmente contratado, apenas o equivalente a R$ 53.150,41 (cinquenta e três mil, cento e cinquenta reais e quarenta e um centavos) foi quitado. O valor restante, de R$ 53.150,40 (cinquenta e três mil, cento e cinquenta reais e quarenta centavos), será dividido em 12 (doze) parcelas e pago juntamente com o valor mensal dos serviços acrescidos", dizia o contrato.
"Durante a prestação de serviços ao Flamengo, o que se pode observar é o flagrante comportamento ilícito do clube, que solicitou por obras e serviços que não pagou e ainda restou devendo metade do contrato inicial, o que resultou em um aditivo que jamais foi pago uma única parcela", finalizou o representante da empresa.
Enquanto aguarda uma decisão da Justiça a respeito da disputa com a Anexa, o Flamengo reforça as "boas condições" atuais do Ninho do Urubu - hoje com alvarás em dia, regularizado e com certificados exigidos por poder público e CBF.
*Colaborou Alexandre Araújo, no Rio de Janeiro
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