Paciente de hospital por 51 anos viu Copas do Mundo da UTI com festas
Paulo Henrique Machado viveu 51 anos no Instituto de Ortopedia e Traumatologia do Hospital das Clínicas de São Paulo até que a morte dele foi anunciada hoje (19). Uma vida inteira morando em um hospital não o afastou de tentar levar os dias da melhor forma possível como qualquer brasileiro. Como qualquer brasileiro mesmo, daqueles que passam mal por futebol.
De papo leve e excelente memória, ele recebeu o UOL Esporte em 2018 para falar de futebol em um jogo da Copa do Mundo. É a história que relembramos agora.
A diferença de Paulo para aquele brasileiro comum que ama futebol é que ele nunca foi a churrascos organizados especialmente para ver os jogos de uma Copa do Mundo. Paulo cresceu sozinho depois de a mãe morrer dias após o parte e ser deixado pelo pai no hospital com poliomielite que fez os pulmões pararem de funcionar. O bebê tinha expectativa de vida de 10 anos apenas, mas virou homem e era querido por todos os médicos e amigos pacientes que fez.
Com tanta gente, todos viraram família. O morador ilustre comandou por várias Copas a torcida para o Brasil. O último Mundial, em 2018, Paulo teve a companhia do UOL Esporte, que não deu muita sorte: o jogo junto da reportagem foi justamente Brasil x Bélgica, da eliminação canarinha.
Mas a última Copa não teve nem de perto o sofrimento da de 1982. Na época todos se reuniram no hospital e Paulo torceu tanto que passou mal e teve que ser medicado tamanha a tristeza pela derrota brasileira. Ficou sem comer e os médicos precisaram dar soro ao paciente.
"Eu morava com mais pacientes em uma sala grande aqui do hospital. Lembro de estarmos assistindo ao jogo contra a Itália [derrota do Brasil por 3 a 2] e um dos médicos bater a cabeça. Ele deu um pulo num lance em que o Brasil quase empatou. Era uma seleção clássica, e eu era só um garoto", disse Paulo em uma das visitas do UOL Esporte a ele em 2018.
A paixão pelo futebol nasceu como em qualquer criança, foi influenciado por quem o criou. Mas no caso foram os médicos. "O doutor Giovani, são-paulino, foi como um pai para mim. Ele quem me deu a primeira camisa do São Paulo. Mas eu ainda não entendia direito o que era futebol. Até que teve a Copa de 78, na Argentina, e vi o pessoal torcendo, aquela gritaria".
O futebol também foi sinônimo de tristeza para ele. Na Copa de 1994, perdeu um amiga de UTI durante um dos jogos da seleção. "Eu estava assistindo a um jogo ao lado da Luciana, amiga nossa aqui do quarto. De repente, eu olho para ela e a vejo bem debilitada, percebo que o nariz dela está sangrando. Chamam a médica, que a manda para a UTI. À noite, ela vem nos comunicar que infelizmente a Luciana não aguentou", lamentou Paulo na época.
Os anos se passaram, a agitação do hospital para jogos da seleção brasileira já não era a mesma. Afinal, hoje em dia há protocolos muito rígidos. Se por um lado o clima de churrasco ficou para trás, os avanços da tecnologia foram seguidos por Paulo.
Para a Copa de 2018, comprou uma TV de 40 polegadas para assistir aos jogos e aos filmes dos quais tanto gostava. Era cinéfilo. Em pensar que um dia viu a amarelinha em preto e branco...Pagou o "luxo" com o próprio dinheiro, que recebia do INSS desde os anos 90.
A modernidade também o fez realizar o sonho de ver o time do coração ao vivo. Paulo era mantido vivo através de um pulmão artificial que foi sendo modernizado com o passar dos anos deixando o paciente mais confortável no dia a dia. Com o aparelho mais simples de ser transportado, viu o São Paulo jogar no Morumbi em 2013. "Ao vivo é algo totalmente diferente. Escutar milhares de vozes gritando. Quando a torcida comemorou um gol, pensei 'mas que loucura é essa'?", contou Paulo.
*texto baseado em reportagem do UOL Esporte de Daniel Lisboa, em 2018.
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