Pelé e Maradona trocaram rivalidade por elogios antes de argentino morrer
Gabriel Carneiro
Do UOL, em São Paulo
26/11/2020 04h00
Pelé e Maradona nutriram uma das mais notáveis rivalidades da história do futebol. Ao longo dos anos foram inúmeras trocas de críticas pesadas, declarações atravessadas e comparações. O alento é que perto do fim da vida do argentino, que morreu hoje (25) após uma parada cardiorrespiratória, a relação pendeu mais para o amor do que para o ódio e foi inundada por reverências e cortesias entre as lendas.
A última interação entre os dois ex-jogadores foi pela internet, no dia 30 de outubro, quando Maradona completou 60 anos. Pelé escreveu em suas redes sociais que sempre aplaudiria e torceria pelo argentino: "Que a sua jornada seja longa e que você continue sempre sorrindo e me fazendo sorrir também", disse o brasileiro.
Maradona respondeu meio que profético - ele estava em recuperação de uma cirurgia para drenar um coágulo no cérebro na ocasião: "Minha equipe está a ponto de sair do campo de jogo, mas não quero adiar meus agradecimentos por suas palavras e bons desejos."
Pelé já era Pelé quando conheceu Maradona, em 1979. Tinha se aposentado após passagem pelo Cosmos, dos Estados Unidos, e atendeu a um pedido do jornal uruguaio "El Grafico" para encontrar-se com a promessa que se destacava na Argentina. É deste encontro que provêm as icônicas imagens em que Maradona olha admirado para o brasileiro tocando violão.
O próprio argentino havia revelado ao jornalista responsável pela reportagem seu sonho de conhecer Pelé e o encontro aconteceu no Rio de Janeiro.
De herdeiro a rival
Maradona teve trajetória fulminante no futebol a partir do fim dos anos 70. Atuou na Copa do Mundo de 1982 com 22 anos, logo depois trocou o Boca Juniors pelo Barcelona e começou a ser apontado como possível sucessor de Pelé, que estava aposentado. O argentino rejeitava as comparações: "Cada um tem o seu jeito, sua individualidade. O Pelé foi o maior jogador que já vi atuar. É insuperável."
Porém, a relação começou a esfriar por críticas de Pelé ao desempenho de Maradona na Copa do Mundo de 1982, quando ele foi expulso contra o Brasil. Em 1986, quando venceu o Mundial pela seleção argentina, Maradona passou a se sentir mais confortável com o status. Daí, Pelé pesou nas críticas ao dizer que as comparações não faziam sentido porque o argentino só fazia gol de esquerda, não de direita ou de cabeça, e que o gol mais importante da carreira do rival foi com a mão, nas quartas de final da Copa de 86.
Depois disso a relação degringolou.
A proximidade de Pelé com João Havelange e os bastidores da Fifa e também seu trabalho como ministro dos Esportes do Brasil entre 1995 e 1998 foram pratos cheios para manifestações duras de Maradona. O argentino disse que o brasileiro gostava "mais de dinheiro do que de dormir" e que "vendeu o coração à Fifa e à cartolagem". Pelé reagia com críticas ao "mau exemplo" de Maradona pela dependência química. E assim foi durante anos, enquanto torcedores e mídia tentavam medir quem foi melhor em campo.
Entre tapas e beijos
Em 2000, a Fifa promoveu um evento para escolher o melhor jogador do mundo no século 20. Pelé venceu no voto dos especialistas e Maradona no voto popular. O brasileiro queria subir ao palco junto com o argentino, que se retirou da premiação para não cruzar com ele. No fim, Pelé ganhou o "prêmio da família" e Maradona o "prêmio da juventude", uma forma de manter a ambos no mesmo patamar, mas o argentino disse que não dividiria um prêmio com Pelé: "As pessoas votaram em mim", revoltou-se.
Apenas cinco anos depois, Maradona ganhou um programa na TV argentina e convidou justamente Pelé para a estreia. O público esperava uma lavagem de roupa suja no ar no Canal 13, mas o que aconteceu foi uma troca de 27 passes de cabeça sem deixar a bola cair diante de uma plateia de pé e fervorosa e um papo leve em que o argentino chamou o brasileiro de "Rei" em diversas ocasiões. Clima de amizade.
"O Rei na noite de Deus" foi o modo como a entrevista foi anunciada. Pelé chamou Maradona de "vencedor" por causa da luta contra as drogas e respondeu de coração aberto a uma pergunta sobre seu filho, Edinho, também dependente químico. Ambos combinaram de levantar essa bandeira no futuro e ainda falaram sobre perigos da fama, política do futebol e um plano nunca realizado de Pelé de ter Maradona no Santos.
Anos depois, a relação que parecia ótima sofreu novos abalos. Pelé disse que Neymar era melhor que Messi e Maradona se ofendeu, dizendo que o brasileiro havia tomado a pílula errada e devia ser desconsiderado. O argentino também disse que na verdade o melhor da história era Di Stéfano, não algum deles, e provocou mais uma vez ao afirmar num evento que custava 300 euros que o preço só era esse porque Pelé cobrava 200 em seus e, assim, tinha que ser sempre o segundo.
Pelé respondeu: "O Maradona me ama". Também disse que os argentinos tinham que decidir primeiro se Maradona ou Messi era melhor para depois comparar com ele. O argentino deu o troco, dizendo que Pelé tinha que ser visitado no museu.
Enfim, a reconciliação
Foi há quatro anos que ambos selaram definitivamente a paz e não protagonizaram mais momentos de embate - no máximo brincadeiras provocativas. Na França, em um evento de patrocinadores, eles deram as mãos e disseram "chega de brigas". Nesse dia, Maradona ajudou Pelé a andar em outra fotografia que se tornou icônica.
Em 2017, num evento da Fifa, Pelé posou ao lado de autoridades sentado em uma cadeira de rodas. Maradona baixou para beijar sua cabeça. Foi a imagem de reconciliação ideal para uma relação cercada de polêmicas e, acima de tudo, história.
Que notícia triste. Eu perdi um grande amigo e o mundo perdeu uma lenda. Ainda há muito a ser dito, mas por agora, que Deus dê força para os familiares. Um dia, eu espero que possamos jogar bola juntos no céu. pic.twitter.com/6Li76HTikA
Diego Armando Maradona morreu hoje, aos 60 anos, após uma parada cardíaca. Relembre a trajetória de um dos maiores da história nas fotos a seguir
Imagem: ALEJANDRO PAGNI / AFP
2 / 41
Maradona começou sua trajetória profissional no Argentinos Juniors, um dos mais tradicionais clubes da Argentina. Ele ficou na equipe entre 1976 e 1980
Getty Images
3 / 41
Em 1981, já com grande destaque nacional, assinou contrato com o Boca Juniors e se transformou em um dos maiores jogadores do país. Foram duas passagens pelo clube de Buenos Aires
AFP
4 / 41
Diego Maradona em 28 de fevereiro de 1981
picture alliance/picture alliance via Getty Image
5 / 41
Após um ano de sucesso no Boca, Maradona deu o "salto europeu" e foi contratado a peso de ouro pelo Barcelona
VI Images via Getty Images
6 / 41
Pela seleção da Argentina, disputou sua primeira Copa do Mundo em 1982
Peter Robinson - EMPICS/PA Images via Getty Images
7 / 41
Maradona, Freddie Mercury e o Queen nos bastidores de um show na Argentina
Reprodução/Youtube oficial de Maradona
8 / 41
Em 1984, Maradona deixou a Espanha rumo ao Napoli, clube onde atuou por mais vezes na sua carreira
Reprodução/tn.com.ar
9 / 41
O argentino jogou por sete temporadas com a camisa da equipe italiana e se transformou no maior nome do futebol pós-Pelé
Etsuo Hara/Getty Images
10 / 41
Maradona jogando pelo Napoli
Dave Cannon /Getty Images
11 / 41
Um dos gols mais marcantes da carreira de Maradona aconteceu na Copa de 1986 e foi batizado de "La Mano de Dios". No duelo entre Argentina e Inglaterra, pelas quartas de final do torneio, o jogador deu um toque com a mão para marcar um gol, enganando a arbitragem e abrindo caminho para a vitória por 2 a 1.
Foto: Bongarts/Getty Images
12 / 41
Maradona dribla Peter Shilton para aumentar o placar para a Argentina, minutos depois de fazer um gol de mão
France Presse- AFP PHOTO
13 / 41
Naquela Copa, a Argentina conquistou o seu segundo título mundial comandada por Maradona
Reprodução/Arquivo AFA
14 / 41
Maradona na conquista da Copa do Mundo FIFA de 1986, após o episodio da "la mano de Dios"
Alessandro Sabattini/Getty Images
15 / 41
Diego Maradona posa com a Bola de Ouro que levou por seu desempenho na Copa do Mundo de 1986
Jean-Jacques Bernier/Getty Images
16 / 41
Ainda representando o Napoli, ele chegou a ser preso acusado de uso de cocaína. A foto é de 1989
Franco Origlia/Getty Images
17 / 41
Em 1990, mais show de Maradona dentro dos campos. Ao lado de Caniggia, ele foi um dos principais astros da Argentina, que superou o Brasil
Etsuo Hara/Getty Images
18 / 41
Diego Maradona comemora gol contra a Rússia na Copa do Mundo de 1990
Getty Images/Hulton Archive
19 / 41
Pelé e Diego Maradona em amistoso entre Itália e Argentina em 1990, na Suíça
Alessandro Sabattini/Getty Images
20 / 41
O jogador ainda passou pelo Sevilla, já consagrado como ícone mundial do futebol, em 1992
Getty Images
21 / 41
O jogador ainda disputou a Copa de 1994 com a camisa de seu país
EMPICS/PA Images via Getty Images
22 / 41
Em sua última Copa, Maradona foi pego no exame antidoping e terminou sua participação pela porta dos fundos
Michael Kunkel/Bongarts/Getty Images
23 / 41
O jogador encerrou sua carreira no próprio Boca Juniors e se transformou em lenda da equipe - e do país, claro
Horacio Villalobos/Corbis via Getty Images
24 / 41
O craque, que encerrou sua trajetória profissional em 1998, passou a acumular problemas envolvendo substâncias químicas. Na foto, ele é transportado de ambulância para um hospital de Buenos Aires acompanhado pela mulher, Claudia Villafane, em 9 de janeiro de 2000
France Presse: AFP/France Presse- AFP
25 / 41
Os problemas envolvendo drogas não pararam por aí. Ele precisou mudar de país para tratar a dependência química. Na foto, de 2004, ele aparece em Havana, Cuba
Reuters/Reuters
26 / 41
Maradona em encontro com um de seus ídolos, o líder cubano Fidel Castro, em 2005. Em uma trágica coincidência, os dois acabaram morrendo no dia 25 de novembro - Fidel em 2016, e Maradona em 2020
REUTERS/Canal 13/Handout/File Photo
27 / 41
O maior trabalho de Maradona como técnico foi na própria seleção argentina, na Copa do Mundo de 2010. O país foi eliminado nas quartas de final da competição.
Flávio Florido/UOL
28 / 41
Maradona e Messi trabalharam juntos pela seleção argentina na Copa 2010
AFP
29 / 41
Diego Maradona em foto com Ronaldinho Gaúcho; brasileiro é um grande fã do futebol praticado pelo argentino
Reprodução/Instagram
30 / 41
Depois de deixar o comando da seleção da Argentina, Maradona se aventurou por dois times dos Emirados Árabes: Al Wasl (foto) e Al-Fujairah
Gallo Images/Getty Images
31 / 41
Depois da passagem pelo Oriente Médio, Maradona foi anunciado pelo Dorados, do México. A passagem, que começou em 2018 e durou um ano, rendeu um documentário
Divulgação/Netflix
32 / 41
Ex-jogador era bastante querido pelos jogadores e torcedores do Dorados
Reprodução/Twitter
33 / 41
Diego Maradona durante passagem como técnico do Dorados, do México. Ele saiu da equipe após 39 partidas
REUTERS/Jose Luis Gonzalez
34 / 41
Em 2019, ele foi anunciado como técnico do Gimnasia y Esgrima, da Argentina, e posou com a camisa do clube, o último de sua vida
reprodução/Instagram
35 / 41
Maradona, durante estreia como técnico do Gimnasia La Plata
Xinhua/Eva Cabrera/TELAM
36 / 41
Ídolos do Boca Juniors, Tevez e Maradona dão selinho, quando ex-jogador já atuava como técnico
Marcos Brindicci/Getty Images
37 / 41
O trabalho na equipe, iniciado em 2019, foi interrompido com a morte precoce no dia de hoje
Marcos Brindicci/Getty Images
38 / 41
Essa foi a última aparição pública de Maradona, em outubro deste ano. Ele foi homenageado pela torcida do Gimnasia, time que treinava, no dia na véspera do seu aniversário de 60 anos. Já debilitado, o ex-jogador precisou sair durante o evento às pressas e foi internado em uma clínica
Reprodução TV
39 / 41
Da clínica, Diego precisou ir para um hospital passar por uma cirurgia emergencial. Na foto, torcedores fazem vigília em frente ao hospital em que Maradona foi operado
Juan Ignacio Roncoroni/EFE
40 / 41
No dia da morte de Maradona, Uefa homenageia ex-jogador em telão antes da partida entre Olympiacos e Manchester City pela Liga dos Campeões
WOLFGANG RATTAY/Reuters
41 / 41
Bandeira de Diego Maradona no Estádio San Paolo, casa do Napoli
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.