Wilson Mano já fez de tudo pelo Corinthians; hoje é 'degustador de Brahma'
O ex-volante Wilson Mano, o maior curinga da história do Corinthians, desistiu da carreira de treinador por motivos pessoais e abandonou o ramo de postos de gasolina no interior de São Paulo para começar uma, digamos, atividade bem menos exigente: tem curtido o tempo livre apreciando a famosa "gelada" numa região de temperatura média elevada.
"Quando eu parei de jogar no final de 1996, eu tinha postos de gasolina em Jaú e Bariri, eu acabei ficando junto com o meu pai, administrando. Depois em 1999, recebi um convite do XV de Jaú para ser treinador, o XV estava na Série A-3. Comecei a trabalhar como treinador até porque eu estava na cidade para ajudar o XV, que vivia uma situação bastante complicada na época."
"Eu trabalhei durante quase dez anos como treinador, mas fiquei mais aqui: XV de Jaú, Ferroviária, Jaboticabal, depois em Goiás, Paraná, Minas Gerais. Depois de quase dez anos, meu pai, infelizmente, acabou ficando doente e eu tive que encerrar a carreira para ficar cuidando dos negócios e cuidando dele também. Infelizmente, ele veio a falecer e eu acabei ficando só tomando conta dos negócios. Agora, nos últimos anos, acabei até vendendo os postos de gasolina, e hoje eu estou em Jaú só sendo o degustador da Brahma (risos)", afirmou.
Entrevista exclusiva ao UOL Esporte, Wilson Mano explica como se tornou o curinga mais famoso da história do clube alvinegro. Aliás, o volante de origem começou sua trajetória no Timão da maneira que o corintiano mais gosta: eliminando o Palmeiras.
Explica-se: em 1985, Wilson Mano seria poupado da última rodada da fase de grupos do Campeonato Paulista, mas pediu para defender o XV de Jaú, clube que o revelou para o futebol, contra o Palmeiras, no antigo Palestra Itália. O atleta havia sido avisado que o Verdão estava interessado em seu futebol e que não precisaria jogar, pois o XV não tinha mais pretensões na competição.
No entanto, Wilson Mano jogou contra o Palmeiras e foi o destaque na vitória da equipe interiorana por 3 a 2. Um resultado que eliminou do Paulista o arquirrival corintiano. Segundo Mano, por conta disso, o time palestrino desistiu de sua contratação. Na semana seguinte, vejam só: ele já estava vestindo a camisa do Corinthians.
"O presidente do XV estava em negociação com o Palmeiras. Inclusive, não queria que eu participasse daquele último jogo. Eu acabei pedindo para jogar, até porque o maior prazer era jogar contra time grande. Por ironia do destino, nós desclassificamos o Palmeiras, e... esfriou a negociação. O Palmeiras ficou meio magoado comigo, sei lá, e na outra semana eu acabei indo para o Corinthians", disse Mano.
Wilson Mano começou a carreira como volante, mas, no Corinthians, faria história de outra forma —em múltiplas posições. Agora, não que fosse algo totalmente inesperado. Desde o início, antes de chegar ao Parque São Jorge, o atleta já "ensaiava" a função de curinga que o deixaria conhecido para sempre no futebol.
"Na verdade, não sou de Jaú, mas de Auriflama, também no interior de São Paulo. Lá, jogava como centroavante. Depois, quando eu fui pro XV, fiz teste como volante e fiquei como volante até jogar em várias posições. Era uma equipe do interior com grupo pequeno, e eu, pela minha facilidade de me adaptar fácil em outras funções, acabei fazendo às vezes. Isso ajudou bastante, uma vez que depois no Corinthians passaria por esta experiência", disse.
Títulos e consolidação de curinga
Wilson Mano não ganhou tantos títulos com a camisa do Corinthians, mas dois deles são bem importantes e emblemáticos: Campeonato Paulista de 1988 e o inédito título do Campeonato Brasileiro de 1990.
Apesar de Viola ficar marcado pelo gol do título contra o Guarani na final de 88, no Brinco de Ouro da Princesa, e Neto carregar grande parte da fama do título de 90, Wilson Mano tem participação direta nas conquistas.
Em 1988, o volante finalizou de fora da área para Viola desviar de carrinho e fazer o gol da conquista. Em 1990, na final contra o São Paulo, o Corinthians anulando a vantagem do empate do Tricolor no primeiro jogo, com gol de joelho de Wilson Mano, logo aos 4 minutos. No segundo e decisivo jogo, Tupãzinho fez o gol que garantiu o primeiro título brasileiro do Timão.
Foi entre 1988 e 1990, aliás, que Wilson Mano começou a ganhar destaque como curinga. "Em 88, atuei mais no meio-campo como segundo volante, enquanto o Márcio jogava como primeiro. Mas, naquele campeonato, eu joguei também em várias posições, como lateral na fase de classificação. Contra o São Paulo, eu joguei meio tempo no meio-campo e depois o Jair [Pereira, técnico] tirou o Edson, e eu fui para a lateral direita", disse.
Em 1990, Wilson Mano viu o técnico Nelsinho Baptista abusar de sua condição de curinga. Naquela competição, Mano atuou praticamente em todas as posições. Aliás, em sua passagem pelo Corinthians, o volante de origem só não atuou como goleiro. Por outro lado, foi zagueiro, correu pelas duas laterais, além de atuar em todas posições do meio-campo e, no ataque, inclusive voltou a ser centroavante.
"Em 90, nas quartas de final, contra o Atlético-MG, o Guinei tinha tomado o terceiro cartão amarelo. O Nelsinho Batista tinha nas mãos dele o Dama e o Pinella de zagueiros reservas. O Nelsinho chegou em mim e falou: 'Mano, eu preciso de você, que você jogue pra mim de quarto zagueiro'. Joguei", recorda.
O que o esmerado jogador não poderia imaginar é que esse procedimento se repetiria à exaustão. Não importava o desfalque que pintasse para Baptista contornar, sua solução parecia uma só: chamar o Wilson Mano.
"Quando foi o jogo de volta lá contra o Atlético, em Minas, o Márcio e o Neto tomaram o terceiro cartão amarelo. Voltei como primeiro volante, e, não, na minha real posição. Ele poderia ter colocado o Taíca, o Jairo, que eram os dois primeiros volantes reservas. Fomos para a semifinal, pegamos o Bahia. E o Jacenir, o lateral esquerdo, havia tomado o terceiro cartão amarelo. O Nelsinho tinha o Airton e o Gerson para jogar. E aí o que ele fez? 'Vai jogar você'. Eu ainda brinquei, zoei com ele, falei: 'Você quer me f... mesmo, né?' Pô.. querer que eu marque o Naldinho [ex-ponta-direita do Bahia na época], que tinha um metro e meio [de altura], rápido pra caramba, veloz... Quer me f.., Mas ele disse que confiava em mim."
Pois perseguir o veloz e arisco Naldinho não foi tarefa resolvida em apenas 90 minutos. Mano teve uma surpresa desagradável na volta. Mesmo com Jacenir pronto para retornar, Baptista manteve aquilo que poderíamos julgar um improviso —na verdade, tendo em vista o que Mano viria a fazer, a decisão do técnico hoje pode ser vista como algo mais que natural. Para o bem da saúde mental do curinga, porém, foram só mais 45 minutos perseguindo Naldinho.
"Ele queria que continuasse na lateral esquerda. Falei: 'pô, mas o titular é o Jacenir'. Foi assim o campeonato inteiro, mas o Nelsinho falou que eu jogava bem e que jogaria na lateral esquerda. Joguei o primeiro tempo de lateral, descendo para o vestiário, o Nelsinho encostou em mim e falou assim: 'Vou tirar o Neto e você vai para o meio-campo, com o Jacenir voltando à lateral esquerda, mas eu fiquei mais adiantado. Só fui jogar na minha real posição nos dois jogos da final do Brasileiro contra o São Paulo. Não era opção minha, era mais opção do treinador, pelo fato da confiança, pelo fato de saber usar isso, vamos dizer assim", completou.
Neto ganhou 'sozinho' em 90?
Wilson Mano é enfático ao dizer que Neto não ganhou o Brasileiro de 90 "sozinho", expressão utilizada por muitos pelo grande desempenho do ex-camisa 10 do Corinthians naquele ano. Apesar dos gols decisivos de Neto, o curinga do Timão diz que essa narrativa ficou por conta da "imprensa".
"A gente sabe que o torcedor brasileiro ele tem memória curta, e o pessoal de imprensa também. Ninguém ganha nada sozinho, se fala pouco da nossa zaga, mas o Marcelo Djian e o Guinei jogaram muito naquele campeonato. Mas, não só. O time todo se encaixou na semifinal, por exemplo, quando o Neto e o Márcio não jogaram. Entraram o Paulo Sérgio e o Ezequiel, o time deu continuidade, deu sequência", recorda.
"O Neto foi importante? Claro que foi, a gente sabia pela qualidade na bola parada. Contra o Atlético-MG, pouca gente sabe que o Neto estava mal pra caramba no jogo. Inclusive, tinha até o Ângelo na mesa, assinando a súmula pra entrar no lugar do Neto, de repente, o Paulo Sergio cruza e o Neto faz o gol de cabeça. O que aconteceu? O Nelsinho mandou o Ângelo recuar na hora", afirmou. "Daí a pouquinho o nosso time inflamou, o Pacaembu lotado, saiu uma falta perto da área, quem era esse especialista de falta perto da área? O Neto, o que aconteceu? O Neto fez de falta, virou o jogo".
Então, quer dizer, são momentos que realmente marcam. Então, eu acho, o Neto teve qualidade? Teve. Teve méritos? Teve, durante o campeonato o Neto teve mais mérito do que nos jogos decisivos, porque ele fez gols importantes que levaram a classificação. Mas você queria que o Marcelo zagueiro decidisse? Não, qual era a função do Marcelo? E o Jacenir? o Jacenir jogou muito, mas teve um pessoal da imprensa que criticou o Jacenir. O Tupãzinho foi o motor nosso ali no meio-campo, o Fabinho, então encaixou todo mundo, todo mundo jogou bem na hora certa. Qual jogador não jogou bem nas quartas, nas semifinais e nas finais? Não teve, entendeu."
Wilson Mano teve duas passagens pelo Corinthians. Foram sete anos consecutivos em sua primeira estadia, até se transferir para o futebol japonês em 1993. No entanto, o curinga retornou ao clube paulista no ano seguinte, quando foi vice-paulista, vice-brasileiro e campeão da Copa Bandeirantes. Mano encerrou a carreira no final de 1996, quando defendeu o Fortaleza. Hoje, o curinga, que já jogou em todos pelo Corinthians, está desanimado com o futebol e não prevê seu retorno, nem como treinador ou dirigente.
"Eu até que tentei algumas vezes até entrar no Corinthians para trabalhar e fazer alguma coisa, mas infelizmente e a verdade é que eu não consegui, tive promessa do seu Alberto [Dualib, ex-presidente do clube], com quem eu trabalhei e que me trouxe inclusive do Japão, mas infelizmente... Pra falar a verdade é difícil falar agora", disse.
"Faz dez anos praticamente que eu me afastei do futebol e, para eu voltar agora, eu teria que fazer outra preparação. Hoje a CBF exige um monte de cursos e eu acabei não fazendo esses cursos de série A, B e C, então ficou meio inviável. Eu trabalhei como treinador, eu fiquei mais decepcionado do que eu imaginava que eu fosse ficar, então eu perdi um pouquinho do entusiasmo", concluiu.
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