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Elogiado por Neymar, "Galvão da Várzea" foi ambulante e passou fome

Ney Silva, o "Galvão da Várzea", tem mais de 600 mil seguidores no Instagram - Arquivo Pessoal
Ney Silva, o "Galvão da Várzea", tem mais de 600 mil seguidores no Instagram Imagem: Arquivo Pessoal

Talyta Vespa

Do UOL, em São Paulo

16/01/2021 04h00

Pelas comunidades do Recife (PE), tem uma voz que, de tanto ecoar, já é reconhecida de longe. Apelidado de "Galvão da Várzea", Ney Silva, 29, é quem produz e narra os campeonatos amadores locais. Uma empreitada que começou com um microfone quebrado transformou o influenciador em um parceiro de 12 marcas fixas, reconhecido e contemplado por nomes como Neymar e Daniel Alves.

Ney faz as narrações pelo Instagram: flagra os lances das partidas de várzea e dá voz a elas de um jeito muito peculiar, com um bom humor que faz até quem não torce pelos times participantes ter vontade de assistir. Além de descrever os lances, ele produz entrevistas pós-jogo com os jogadores —como fazem as grandes emissoras que transmitem partidas de futebol profissional.

Faz dois anos que o narrador migrou do Facebook —no qual estreou as transmissões em 2016— para o Instagram. Ele explica que a decisão da mudança foi tomada após o aplicativo criar a ferramenta "stories", na qual, segundo Ney, as narrações ficam muito mais dinâmicas e divertidas. Antes disso, apesar de ser um torcedor fanático do Santa Cruz, o futebol não era trabalho para ele. Era, apenas, um hobby.

Vendia CDs para comprar o remédio do filho

Antes da fama, Ney era vendia CDs pelas ruas da capital pernambucana na tentativa de garantir o sustento da família —ele é casado e tem um filho com autismo. "Só o remédio do meu filho custa R$ 400 e dura um mês. Naquela época, eu trabalhava, basicamente, para conseguir o remédio dele", conta ao UOL Esporte.

"Era bastante apertado. Então, decidi começar a organizar campeonatos de várzea para tirar um dinheiro extra. Pedi ajuda a um amigo que conhecia os times e entrei nessa. O problema é que eu organizava as partidas, os times jogavam, iam embora e acabava aí. Não existia uma conexão tanto dos times como da torcida com esses jogos", afirma.

O influenciador diz que sabia que a empreitada poderia ter sucesso, mas sentia que faltava inovar de alguma maneira. Encontrou a resposta nas obras do norte-americano Dale Carnegie, autor do best-seller "Como Fazer Amigos e Influenciar Pessoas": fazer as pessoas se sentirem importantes. "Daí veio a ideia de entrevistar os jogadores. Eles se sentiriam importantes, teriam suas entrevistas divulgadas nas redes sociais. Seria o momento deles", conta.

A primeira entrevista

Cinco anos e 600 mil seguidores no Instagram depois, Ney ainda se lembra da primeira entrevista que fez: foi com um amigo após uma partida em frente à casa em que mora. "Peguei um garrafão de cerveja, desses de litrão, sabe? Chamei o cara de canto, um colega meu começou a filmar e eu improvisei: 'Fala, galera, aqui quem fala é Ney Silva. Tô aqui com o Denner agora'", relembra.

Ney é versátil: trafega do campo para o society, passa pelo futsal e chega até o "1 pra 1", programa que comanda no Instagram. Tudo dentro da várzea. O futebol amador, ele conta, foi uma escolha: "Decidi explorar a várzea porque tem muito conteúdo bom para desenvolver dentro dela. Quando o campeonato acaba, o bairro todo quer ver como foi. Eu via a várzea, à época, como um oceano azul em que só eu nadava".

O litrão se transformou em um microfone velho e quebrado, sem fio, que Ney encontrou em casa. O acessório não funcionava, mas enfeitava as gravações. "O áudio era captado pelo microfone do celular mesmo, no vídeo. Só que eu sabia que o microfone físico daria um ar mais sério, que a galera iria curtir mais. E deu certo", comemora.

Influenciadores de base

Mas o sucesso não foi obra do acaso ou um golpe de sorte. Ney estuda muito. Além de livros de autoajuda, analisa estratégias de sucesso de grandes influenciadores. Quando migrou para o Instagram, passava horas assistindo aos stories e tentando entender a estratégia de mídia do influencer Carlinhos Maia e do humorista Tirulipa. "Em comum, eles têm a resenha. Entendi que precisava levar a resenha para o futebol. Ter minha marca própria, algo com a minha cara, e fazer o engajamento girar em torno disso".

As narrações de Ney começaram a fazer sucesso no Facebook, mas foi no Instagram que, de fato, viralizaram e chegaram até a nomes como Neymar, Daniel Alves e David Luiz, que já o mandaram mensagens. Atualmente tem 600 mil seguidores e um engajamento de 200 mil nos stories. Um dos vídeos mais famosos é o da narração de um pênalti perdido.

"Amauri na bola, Amauriiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii?. Me ajudeeeeeeeeeeeeeeee, Amauriiiii!".

Atualmente, Ney tem contrato fixo de parceria com 12 marcas —além das que o contratam para trabalhos temporários. Há cinco anos, essa realidade não existiria nem em sonho. O dia a dia não era tão doce. Nascido na periferia de Recife e filho de mãe solo —uma mãe que fez de tudo sozinha para garantir o melhor para ele—, Ney conhecia a realidade da fome. O pai, ele conta, os abandonou quando ele era, ainda, bem pequeno.

"Tem um dia que jamais esqueci. Minha tia chegou em casa à noite e eu estava com muita fome. Pedi um pão, e ela me deu. Pensei: 'não vou comer o pão agora porque amanhã vou ter fome, e não vai ter pão. Então, fui dormir com fome. No dia seguinte, pensei a mesma coisa. Passei o dia sem comer nada, com fome, guardando o pão para o próximo dia —sabendo que, se eu comesse, no dia seguinte, passaria fome de novo. Quando eu não aguentei mais, dois dias depois, decidi comer o pão. E ele estava duro, não deu para comer", relembra.

"Sou negro, pobre, favelado, filho de mãe solo. Sofri muito preconceito na vida. Minha infância teve poucos recursos: estudei em escola pública e passei muita necessidade, mesmo minha mãe trabalhando como doméstica para não deixar que faltasse nada. Ela é tudo na minha vida, sempre esteve presente, sempre me aconselhou e conversou muito comigo", conta. "Tive amigos que morreram no crime, outros que foram presos. E estou aqui graças a ela".

O sonho de dar uma casa à mãe, Ney afirma, está próximo. "Não comprei carro nem nada de luxo porque estou guardando dinheiro para realizar meu sonho, que é ver minha mãe morando na casa dela. Quero dar a casa para ela e dizer: 'Mãe, é sua. E não é nem 1% do que você fez por mim'".

Neymar, torcedor do Sport

Sentir fome fez com que o narrador se desdobrasse para que o filho, Neymar —em homenagem ao craque do PSG—, não passasse por nenhuma situação parecida. Ele tem sete anos e foi diagnosticado com um grau leve de autismo. Finalmente, o narrador vai conseguir matricular o menino em uma escola adaptada para receber crianças com necessidades especiais.

O garoto assiste aos jogos de futebol com o pai, que não conseguiu fazer o garoto, torcedor do Sport, a seguir o seu time do coração, o Santa Cruz. O pequeno Neymar ainda não entende a dimensão do trabalho de Ney.

"Na comunidade em que moro, sou motivo de orgulho. Tento caminhar o mais corretamente possível porque quero deixar um legado, quero que minha história sirva de exemplo. Sou conhecido no Brasil todo e não sou só a voz da várzea, como a voz da favela. Converso com o prefeito da cidade e com o vizinho de esquina, e trato todos da mesma maneira".