Luto, susto e choro. As histórias do técnico campeão da Série B pela Chape
Umberto Louzer ainda é novo; tem 40 anos de idade e apenas três como técnico do profissional, mas já acumula feitos para se encher de alegria. São três títulos no currículo, o mais recente deles ainda fresco na memória: o título da Série B do Campeonato Brasileiro com a Chapecoense conquistado na semana passada de maneira épica, com uma história que poderia muito bem virar um roteiro de filme. "Foi a maior emoção da minha carreira", recorda Louzer em uma descontraída entrevista por telefone ao UOL Esporte.
O gol que garantiu a vitória por 3 a 1 sobre o Confiança-SE em Chapecó e, consequentemente, o inédito troféu ao time da cidade saiu aos 95 minutos de jogo de forma dramática: de pênalti, e com direito a uma 'assustadora' cavadinha do corajoso Anselmo Ramón. Um lance de um ou dois segundos que, para Umberto Louzer, pareceram pelo menos 60.
"Foi a maior emoção da minha carreira, até por todo cenário, todo contexto que estava envolvido: último lance da partida, penalidade a seu favor, e ainda um ar um pouco mais dramático porque o Anselmo me vai e dá uma cavada naquele momento [risos]... E no ângulo que estava, eu fiquei bastante preocupado, porque eu estava distante, até meio agachado, e quando ele cava a bola, parece que não vai ter força pra passar... Mas quando a bola entra, parece que sai uma tonelada das suas costas", afirma Louzer, que ainda precisou esperar mais alguns segundos para poder, de fato, gritar 'é campeão' pela terceira vez na carreira de técnico - ele faturou a Série A-2 do Paulistão 2018 pelo Guarani e o Campeonato Catarinense de 2020.
"Ainda tinha um minuto pra acabar, mas a gente já estava quase com a taça na mão. Tira um peso, e, quando o [árbitro Anderson] Daronco apita o final, é uma sensação maravilhosa. Você não sabe o que fazer, perde a noção de muitas coisas, e começa a vir um monte de coisa que você passou durante a temporada, e vêm as lágrimas, e o orgulho de ter conquistado um título pela Chapecoense, de fazer parte da história desse clube. Foi um momento mágico para todos", diz o técnico, que já tirou as licenças A e B da CBF e atualmente está no primeiro módulo da Pro.
De 'pior do Catarinense' a campeão
Umberto Louzer assumiu a Chapecoense em fevereiro, para ocupar a vaga deixada por Hemerson Maria. A situação era complicada: último lugar na tabela do Catarinense e nenhuma vitória em 2020. O que fazer para recuperar o time? O novo técnico estabeleceu como prioridade resgatar a confiança dos jogadores, e assim foi, sem precisar de muito tempo.
"No início, o primeiro contato com os atletas é resgatar a confiança. O atleta com confiança está seguro, faz as coisas ao natural e tende a potencializar as suas capacidades. A gente chega em 17 de fevereiro e o clube era o último colocado da competição, já amargava o descenso da Série A para a B, com alguns atletas remanescentes, e uma interrogação gigantesca. Você olha e os atletas estão muito abaixo e receosos de tentar uma jogada...", afirma.
"O primeiro momento foi atacando essas vertentes do aspecto emocional, dar confiança, e lembrá-los dos momentos bons que eles viveram em outras equipes, porque acredito que ninguém desaprende. Fomos conversando bastante para entender o lugar onde eles gostavam de jogar, quais funções já tinham feito, para interpretar essa capacidade, essa característica individual de cada um, para que a gente colocasse nossa ideia, nossa metodologia... Foi uma tarefa mais nesse aspecto emocional", recorda o treinador.
Logo na estreia de Louzer, uma vitória por 2 a 0 sobre o Boavista-RJ na Copa Brasil, avançando para a segunda fase. Veio então, na semana seguinte, a eliminação no torneio de mata-mata que, apesar de dolorida (nos pênaltis, para o São José-RS após empate sem gols no tempo normal), acabou sendo importante para a sequência da temporada. E o técnico explica por quê.
"A partir da eliminação na Copa do Brasil, tivemos semanas abertas no Estadual, e isso me ajudou bastante. Fomos adquirindo confiança, o resultado veio e as coisas andaram melhor. Veio a pandemia, e acho que a paralisação foi um diferencial porque conseguimos dar conteúdo de forma individual, era a única maneira de poder treinar, e deixamos o aspecto tático bem estruturado. Aí, a gente ganha o Estadual, arranca bem no primeiro turno do Brasileiro e isso foi dando segurança. O objetivo do clube era a permanência, mas quando você começa a engatar vitórias, vê que seu time está encorpado, começa a sonhar mais pra frente", conta o técnico, que antes da Chape havia passado por Guarani, Vila Nova e Coritiba.
São duas palavras que eu bato bastante: confiança, mas a primordial pra mim é a coragem. Não adianta o Papai do Céu nos dar o dom, o talento, a oportunidade, e você desperdiçar porque é omisso ou não tem coragem de arriscar. O futebol é um jogo de erro. Você tem que saber que vai errar, mas é como você vai se comportar depois do erro. Eu dou liberdade para os atletas arriscarem. O único compromisso é, quando perder a bola, tentar retomá-la de imediato".
Duas vezes de luto
Apesar da temporada vitoriosa em campo, o grupo da Chape teve de lidar com dois momentos bastante complicados ao longo desta trajetória. Primeiro, a morte do massagista Douglas Roberto Rodrigues Mendes, em junho de 2020. O 'paizinho', como era conhecido, passou mal após uma partida de futebol entre amigos e não resistiu aos 49 anos. Já em dezembro, foi a vez de o presidente Paulo Magro perder a batalha para a covid-19 aos 59 anos.
"Logo no meio da temporada, perdemos nosso massagista. Foi jogar futebol e acabou infartando. E no fim do ano, o presidente, um cara que lutava bastante, principalmente por esse aspecto financeiro que incomodava bastante, já que alguns patrocinadores saíram por causa da pandemia e havia um passivo de dívida muito grande. Era um cara que ficava 24 horas pensando em como equacionar essa situação, sempre colocando a cara para deixar o clube saudável", diz.
O carinho especial pelo presidente se estendeu ao filho, Paulo Ricardo Magro Júnior, com quem teve uma conversa memorável logo após o episódio.
"Um cara que ganhou meu respeito, tem minha admiração pela forma como conduzia [o clube] de forma direta e objetiva. Um baita cara. Tratava todos da mesma maneira. Tenho um carinho especial pelo filho dele também porque num momento de dor, em que liguei pra ele, agradeceu tudo que a gente vinha fazendo pela Chapecoense e falou que o pai, lá de cima, estaria sorrindo e feliz por tudo que estávamos fazendo. Um cara lembrar disso num momento de dor mostra o caráter da família e o comprometimento deles com o clube".
'Gato' impede possível título na Copinha
Campeão da Copa São Paulo como jogador do Paulista de Jundiaí em 1997, em decisão contra o Corinthians, Umberto Louzer - que era apenas Umberto quando jogador - poderia ter repetido a dose em 2017, já como técnico das categorias de base do clube do interior paulista. Porém, a descoberta de um 'gato' no elenco fez o time - que havia goleado o Batatais por 5 a 1 nas semifinais - ser eliminado da competição. Um baque para todo mundo.
"A gente tinha ganho de 5 a 1 do Batatais. Tínhamos sofrido dois gols, feito 13. Lembro que a gente estava indo para assistir ao jogo entre Juventus e Corinthians, a outra semifinal, e no meio do caminho meu telefone tocou e começou a enxurrada. Me falaram dessa situação, que era uma denúncia, aí a cabeça pira e você fica meio desnorteado", recorda Umberto Louzer.
No alojamento, de volta a Jundiaí, o técnico presenciou uma cena de muita dor. Com o sonho da Copinha interrompido de maneira inesperada, os atletas foram aos prantos. Por dentro, Louzer se sentia da mesma forma, mas fez o que pôde para segurar a barra.
"O que mais me cortou o coração foi quando voltei pra Jundiaí. Vou no alojamento, onde estavam todos concentrados, e estava aquela choradeira. Hoje a informação é muito rápida, então eles já sabiam tudo. Estavam chorando bastante e isso me marcou muito, arrebenta com o teu coração. Eu não podia baixar a guarda, mas por dentro estava arrebentado. Foi um dia muito triste para todos nós, mas vida que segue. O que fica pra mim são os momentos que vivemos juntos, as dificuldades que eram tremendas, aqueles meninos se dedicando ao máximo e a cidade parando novamente, respirando futebol", afirma o técnico.
Antes de a eliminação ser confirmada, Louzer se surpreendeu com a frieza do 'jogador gato' em manter até o final a versão de que não estava irregular.
"Estavam presidente, vice, advogado, diretores... Chamamos o atleta na sala, demos a oportunidade para ele falar, e ele seguro, negando a todo momento, convicto do que estava falando. Não era a maneira correta de fazer, mas foi a maneira que ele viu de vencer na vida, mesmo sendo errada. Falamos que o clube estava lá para dar o suporte necessário. Eu falei: 'Cara, a polícia vai vir, fazer o exame e vai desmascarar isso. Se for mentira, você vai jogar tudo a perder'. E ele bem convicto: 'Professor, pode chamar, não sou irregular e vou mostrar para todo mundo que estão mentindo'", explica.
No dia seguinte, veio tudo à tona. Mas não sou eu quem vai ter que julgá-lo. Não tenho mágoa nenhuma dele. Claro que foi um erro, pagou, e vida que segue. Te chateia, mas gosto de guardar imagens boas que tenho nas memórias. Não adianta ficar sofrendo, guardando mágoas, senão quem fica doente somos nós. É olhar pra frente. Se ele fez isso, teve seus motivos. Já pagou, vamos seguir a vida. Mas reencontrei com ele no Audax e ele me pediu perdão novamente. Falei 'não cara, vamo embora, o que tinha pra falar eu já falei'.
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Ideia de ser treinador vem de longe
Em 2004, recordo que a gente estava fazendo uma preparação para jogar o Campeonato Paulista - naquela oportunidade fomos vice-campeões, o treinador era o Zetti e o preparador físico era o Fernando Moreno. Eu e ele sentados e ele falou: 'vejo em você perfil para ser treinador, começa a pensar, a amadurecer essa ideia'. Aí foi jogar e, com 30 anos, no Juventude, eu comecei a ter um olhar melhor na questão tática... Claro que, por onde eu passei, sempre fui capitão das equipes e isso me ajudou bastante na comunicação. Eu tinha uma leitura muito boa dentro do campo, do jogo. Muitas vezes, não conseguia transformar aquilo que eu enxergava em potencial pra mim, então, eu ajudava orientando os companheiros. Acho que ali já tinha uma marca.
De jogador a técnico
Ao término da Copinha de 2015, na folga, eu resolvi me aposentar. O clube tinha me ofertado um plano de carreira para me tornar treinador ou outro cargo dentro do clube. Como eu queria ficar no campo, comecei no sub-17 do Paulista Jundiaí. Fui pro sub-20, fiz aquela Taça SP em 2017, em que a gente vai à final e não pode disputar, e depois me transferi para o Guarani. Fiquei um ano como auxiliar do Maurício Barbieri, Vadão, Marcelo Cabo, Lisca e Fernando Diniz. Aí, ele vai pro Athletico, eu assumo o clube e a gente é campeão da Série A-2.
Técnico privilegiado
Sou um privilegiado por ter trabalhado, na primeira oportunidade como profissional, no Guarani, um clube campeão brasileiro. Depois me transfiro para o Vila, na sequência, para o Coritiba, outro campeão brasileiro, e agora a Chapecoense, um clube que é querido por todos. E vamos lá e conseguimos obter a marca de campeão nacional da segunda divisão. [São] Três anos de muito orgulho e muito prazer. Claro que temos que continuar estudando, aperfeiçoando, é um eterno aprendizado, sempre com os pés no chão pra que a gente possa continuar crescendo, evoluindo e se transformando num profissional e em uma pessoa melhor.
Título da Copinha em 97
O finado Giba foi um cara que me ajudou bastante. O que ele falava acontecia, era brincadeira. Depois que passamos o São Paulo, fomos para a semi contra o Santos e depois era a final contra o Corinthians. Ele [Giba] falava que a gente ia fazer a final contra o Corinthians, 40 mil pessoas no Pacaembu. 'Coloca isso na cabeça de vocês', ele dizia. Aí ele faz a palestra dentro do Canindé e até pede desculpas: 'Queria muito que fosse no Pacaembu com 40 mil pessoas, mas tem 25 mil aqui dentro mais 15 mil corintianos lá fora, então vai dar uns 40 mil e vamos ser campeões'. 'O único pedido que faço a vocês: sem dar carrinho, sem essas coisas'. Lembro que no primeiro lance do jogo, o Deco lança o Eduardinho, campo chuvoso, ele dá um tapa na bola, eu venho na cobertura e me jogo, dou um carrinho, só que ele chega antes e vou lá na placa. Só dei aquela olhada e ele [Giba] me xingando: 'o que eu falei?'. [Tem] o gol mágico do Neno e depois vai para as penalidades. Outra coisa que está na memória, o árbitro era o Talarico, e o último pênalti ficou nos meus pés. Se eu bato, era campeão. Ele me dá a bola na mão e fala: 'você queria ser campeão, está aí, nos seus pés'. Eu bato, o goleiro defende e vejo a Fiel gritando. Mas depois deu tudo certo.
Contrato até o fim de 2021
Meu contrato vai até o fim de 2021. A preocupação agora é a renovação dos atletas, já que o assédio das outras equipes é natural devido à temporada. O nosso pedido principal à direção é que a gente possa manter uma base e assim fortalecer o elenco, já que a exigência da Série A é muito maior.
Primeiro, é um motivo de muito orgulho e felicidade você ter o reconhecimento de um gigante em uma carreira tão curta. Não é somente valor que você vê para entrar num projeto, tem que entender todos os objetivos, se está na sua alçada, e tudo isso acabou vazando... Quando desço em Maceió, ligo meu celular e está um bombardeio, todo mundo ligando. Infelizmente, tomou essa proporção, teve essa conotação, mas é um orgulho muito grande receber esse convite. Mas optei por ficar na Chapecoense até para cumprir o contrato. Foi assim no Guarani, no Coritiba, quando tive ofertas para sair no meio da temporada. Gosto de concluir. Na Chapecoense também tive outras ofertas, mas resolvi ficar. Até depois da [proposta] do Cruzeiro tive outras de Série A, mas optei pela permanência porque a gente estava no término de um projeto. Acho ruim ficar saindo.
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