O dia em que meu pai marcou o Pelé e foi parar no cinema
Se eu contar que tenho duas histórias que sugerem uma proximidade com Edson Arantes do Nascimento, você acredita? Pois bem...representando o UOL Esporte, lugar onde eu escrevo estas linhas, cobri alguns eventos como jornalista que tiveram a presença de Pelé. Mas o maior motivo de orgulho, para mim, é poder contar que o meu pai, o homem que me ensinou a escolher um time do coração no futebol, já esteve frente a frente com o maior jogador de todos os tempos. No gramado. Com a inglória tarefa de tentar desarmá-lo. Em lance...que fez parte de um filme!
"Isto é Pelé" é um documentário de 1974, com uma hora e quinze minutos de duração. Foi dirigido por Eduardo Escorel e Luiz Carlos Barreto. A ideia da película é a de passar por toda a carreira do Rei do Futebol, com ênfase nas três conquistas da Copa do Mundo. E o que tem o meu pai, o senhor Arlindo Carlos Prates, a ver com isso? Vou deixá-lo contar o que ele lembra da história para vocês.
"Eu treinava no amador do Santos com o Pepe (José Macia, ídolo histórico do Santos), o Mauro Ramos de Oliveira era o técnico do time principal. Ele tinha o costume de pedir ao Pepe para convocar alguns jogadores para treinar com o profissional, e o Pepe me chamava para participar de alguns destes treinos", explicou. Meu pai, na época, tinha 20 anos (Pelé tinha 32). Hoje, o seu Arlindo tem 69 anos recém-completados (no dia do vice-campeonato da Libertadores, inclusive) e o Rei do Futebol tem 80.
"O nosso time correspondia ao sub-20 de hoje. Por isso, treinávamos com os profissionais. Mas no momento daquele treino, eu não tinha ideia que aquele lance iria fazer parte de um filme. Fui saber depois quando os meus alunos vieram me falar", explicou o meu pai, que dava aulas de Educação Física no ano do lançamento do documentário, em 1974. "Fui correndo para ver o filme no cine Roxy para saber como tinha sido o lance".
Confesso que nunca tinha visto o filme até meu pai me falar que participou dele. Fui direto na parte que eu sabia que ele tinha entrado. Contei 9 segundos de participação. Na primeira cena, meu pai aparece ao fundo - com seu indefectível bigode, vestindo a camisa listrada do Santos e shorts pretos - observando Pelé, com um uniforme azul e branco que faria um olhar desavisado pensar que ele tinha sido transferido para o Cruzeiro, avançar em direção a bola para poder dominá-la e chutar com o lado de dentro do pé, com uma facilidade que chega a chocar.
Na segunda cena, o lance que vai ficar marcado em pelo menos duas memórias: na minha e na do meu pai. Pelé já aparece cortando de direita para dentro, como se não existisse o jovem Arlindo ao seu lado para tentar pará-lo. O Rei do futebol segue triunfante, de cabeça erguida e peito estufado, em direção ao ataque rival. Meu pai ainda tenta desarmá-lo mais uma vez - sem sucesso.
Chama a atenção ver que Pelé usa os braços para não perder a bola tanto quanto usa os pés. A cena toda dura sete segundos, mas parece interminável para quem acabou de perceber que o primeiro ídolo de toda a vida marcou um dos maiores ídolos no futebol.
Para o meu pai, talvez não tenha sido um dia tão diferente assim. Até porque ele já conhecia Pelé desde 1970, quando os dois entraram em uma das primeiras turmas do curso de Educação Física da Universidade Metropolitana de Santos - o primeiro com graduação em licenciatura no país - e às vezes dividia o mesmo espaço nos treinos do Peixe (recebendo até conselhos do Rei de como marcá-lo melhor). Mas para um amante do futebol que estudou jornalismo e já tem uma década e meia completadas de trabalho na área esportiva, se tratou de um baita acontecimento.
Com 80 anos de vida, Pelé já está perto da marca de 20 participações em filmes ou documentários (o próximo estreia dia 23, na Netflix), o que deve beirar as 20 horas de presença do Rei do futebol na grande tela. Mas eu já elegi os nove segundos mais marcantes da sua filmografia. De longe.
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