Pelé, o Rei do Futebol, o Atleta do Século, parece não receber tanto valor do torcedor brasileiro quanto deveria. Talvez porque já estejamos acostumados à sua imagem. Afinal, nenhuma outra personalidade está há tanto tempo em evidência no país quanto ele, que apareceu para o Brasil e o mundo na Copa de 1958. "Pelé", o documentário lançado hoje pela Netflix, tem justamente como maior mérito nos lembrar da importância do jogador para a vida esportiva, política e cultural brasileira nos últimos 60 anos.
O filme, dirigido pelos britânicos David Tryhorn e Ben Nicholas, expõe o protagonista a assuntos que ele não se acostumou a enfrentar nas últimas décadas, como relações e posicionamentos políticos e até sua dificuldade para caminhar causada por problemas físicos e cirurgias na coluna e no quadril.
Mas há no documentário uma contextualização histórica que ajuda a dar a dimensão do personagem. O peso da derrota brasileira na Copa do Mundo de 1950 é um tema que poderia passar batido num filme sobre Pelé, que estreou profissionalmente seis anos depois, mas colocado ali tem a missão de mostrar como este "grande fracasso nacional" machucou o país a respeito do futebol e até da construção de identidades.
Os títulos mundiais de 1958 e 1962 e também o apogeu internacional do Santos fazem Pelé ser "admitido como majestade" e virar "símbolo da emancipação brasileira". Ele foi representante de uma época em que o brasileiro "parou de curvar a cabeça para inglês" e representou a "imagem mais promissora de um menino negro pobre (...) o menino da favela se via no Pelé". E tudo isso é contado com exuberante qualidade de imagens, recuperadas e tratadas como se tivessem sido filmadas na semana passada.
As críticas e polêmicas
A ausência de posicionamentos contrários à Ditadura Militar se tornou um dos primeiros motivos de crítica. A icônica foto ao lado do então presidente Emílio Garrastazu Médici em meio ao período mais repressivo do regime - e de todos os presidentes posteriores, independentemente do espectro político, - reforçaram o coro.
O suposto silêncio sobre racismo, idem. A seguir vieram posicionamentos sobre casos pessoais, como relações fora do casamento e o processo para reconhecer como filha Sandra Regina, que morreu de câncer em 2006 sem jamais ter convivido com o pai.
Escrevi muito sobre Pelé nos últimos anos. Não raramente o campo de comentários dessas reportagens é recheado por lembranças sobre cada um desses fatos. Isso além das frases feitas usadas por Romário e Maradona ao longo dos últimos anos, rebatendo comentários do Rei que, por sua vez, em toda aparição na mídia tinha quase obrigação de comentar todos os assuntos — algo que naturalmente cria um desgaste. Ele não está certo sobre tudo, ninguém está.
Nos últimos tempos isso começou a mudar. Uma empresa que cuida da imagem de Pelé está preocupada com o "hate" da internet sobre ele e mostrou disposição para não comprar brigas e, assim, reconstruir sua imagem positiva. É o que explica, por exemplo, ele ter escrito posts de incentivo e carinho a Cristiano Ronaldo e Messi quando teriam supostamente quebrado seus recordes segundo a contestável régua de "gols oficiais".
Aliás, a última tela do documentário é feliz ao promover os feitos de Pelé sem gritaria: "Pelé marcou 1283 gols em 1367 jogos". E pronto.
Será que as pessoas que investem seu tempo enviando xingamentos sobre Pelé nas caixas de comentários de portais vão mudar alguma opinião depois de assistirem ao documentário? Será que os fãs de futebol brasileiros que choraram junto aos argentinos a morte de Maradona notaram que a imagem de Pelé tem se apagado e perdido força nestes últimos anos? Será que o novo torcedor poderá se interessar mais pelos feitos de Pelé quando conhecê-los por meio de uma plataforma de entretenimento, como a Netflix?
Essa impressão de que as pessoas se acostumaram com Pelé e deixaram de perceber como ele é importante, o que ele representa e de que maneira ele personifica o esporte mais popular do mundo não pode ser a regra. Ou, como ele gritou no vestiário no vestiário do Estádio Azteca depois de faturar o tricampeonato mundial que mais ninguém tem (e Rivellino confidenciou aos produtores do filme): "Eu não morri, não."
SERVIÇO
Nome: "Pelé"
Ano: 2021
Onde ver: Netflix
Estreia: 23/2 (terça)
Classificação: 12 anos
Direção: David Tryhorn e Ben Nicholas
Duração: 1h48min
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